23
de dezembro de 2014 | N° 18022
LUIZ PAULO VASCONCELLOS
A CHAVE DO
COFRE
São
apenas dois os elementos que despertam e mantêm o interesse do público num
espetáculo de teatro: o que está acontecendo em cena e a razão pela qual os
personagens agem e reagem daquela forma. Essa é a chave do cofre.
Portanto,
não há cenário, figurino, iluminação, sonoplastia, maquiagem, elenco, música,
contorcionismo, nudez, virtuosismo de qualquer espécie que substitua o que
tecnicamente chamamos de o “caminhar da ação”, ou seja, um debate em torno de
um tema que diga respeito ao universo em que a peça está sendo encenada, um
tema que desperte a curiosidade e mantenha o interesse do público por, digamos,
uma hora.
Já
imaginaram se entra um personagem em cena e diz que gosta de sorvete, e o outro
diz que também gosta? É melhor ir para casa porque não vai acontecer nada. Mas,
se o segundo disser que tem nojo de sorvete, que sorvete engorda, então podemos
nos preparar porque alguma coisa pode acontecer. E, se o assunto for algo mais
substancioso do que sorvete – corrupção, impunidade, suborno, delação premiada,
preconceito, prostituição, ciúme, chantagem, legitimidade ou ilegitimidade do
poder –, aí então o prato está feito, o apetite, desperto, as papilas
gustativas, em ação, e o prazer, prestes a ser saciado.
Semana
passada fui assistir a um espetáculo intitulado O Mal Entendido, uma adaptação
da peça de Marcel Camus, com excelente direção de Daniel Colin e Gilberto
Fonseca. Belo cenário de Marco Fronckowiak e Rodrigo Lopes, figurinos lindos de
Antonio Rabadan, a iluminação de Carlos Azevedo criando a cada cena uma imagem
de beleza no espaço, emocionante a trilha sonora de Beto Chedid, interpretações
excepcionais dos atores, com destaque especial para Fernanda Petit e Gabriela
Greco. Mas e daí?
Acho
que foi realmente um mal-entendido, pois passei o tempo todo me perguntando
“Para que montar esta peça?”. Um melodrama danado, chato, sem qualquer
referencial com o mundo em que nós vivemos. Um desperdício de tempo e de
talento. Hélas! – como dizem os franceses.