24/12/2014
e 25/12/2014 | N° 18023
MARTHA
MEDEIROS
Handle
with care
Certamente
você já leu a frase que acompanha o aviso “Fragile” em embalagens que chegam do
Exterior. Duas mãos espalmadas circundam uma caixinha e a etiqueta diz: Handle
with care. Manuseie com cuidado.
Uma
querida amiga que mora na Suécia me mandou um e-mail nesta semana dizendo que
muitas pessoas deveriam ter esse adesivo grudado no próprio corpo. Eu diria que
não apenas muitas: todas. Afinal, nada mais frágil do que um ser humano.
Costumamos
tratar com delicadeza as crianças, por seu tamanho e inocência, e os idosos,
por sua vulnerabilidade física e por respeito, mas quando se trata da vastíssima
parcela da população que se situa entre esses dois extremos, passamos por cima
feito um trator desgovernado. A ideia geral é: adultos sabem se defender.
Alguns
sabem, outros menos. Todos nós recebemos vários trancos da vida e acabamos
desenvolvendo alguma resiliência e capacidade de nos regenerar, mas isso não
quer dizer que não há dentro de nós algo que possa quebrar de forma irreversível.
E
quebra mesmo. Espatifa de forma a impedir a colagem dos cacos. Handle with care.
Há por
aí campanhas pregando mais gentileza e mais educação, e assino embaixo,
naturalmente. Mas elas têm um caráter superficial, induzem apenas a gestos e
atitudes corteses, como esperar alguém sair do elevador antes de a gente
entrar, dar bom-dia a quem cruza por nós, desejar feliz Natal e boas festas. Isso
é tratar bem, não tratar com cuidado.
Tratar
com cuidado significa colocar-se no lugar do outro e dimensionar o quanto uma
estupidez pode machucar. Significa levar em consideração as dificuldades de
alguém a fim de não exigir demais de seus sentimentos e posicionamentos. Significa
compreender que a comunicação é fundamental para o entendimento e a paz e que
atitudes bruscas podem ser mal interpretadas. Significa honrar o laço construído
e não colocar na intimidade a desculpa para agredir – agressões não podem virar
hábito da casa.
O
que cada pessoa leva dentro? Sonhos que podem parecer bobagem para os outros,
mas que são sagrados para ela. Traumas que ainda não foram superados e que doem
a cada vez que são lembrados. Vergonhas inconfessas. Feridas que custaram a
cicatrizar e que basta um cutucãozinho para reabrirem. Desejos que não merecem
ser ridicularizados. Necessidade de ser amado e aceito. Uma parte da infância
que nunca se perdeu.
As
pessoas gritam e rugem umas para as outras, quando não fazem pior: ignoram umas
às outras, como se todos fossem feitos de pedra, como se todos estivessem
protegidos por plásticos-bolha, como se a blindagem fosse geral: é só mirar e
atirar que não dá nada.
Dá sim.
Pode não parecer, mas todo ser humano é um cristal.