quarta-feira, 24 de dezembro de 2014


24/12/2014 e 25/12/2014 | N° 18023
DAVID COIMBRA

Os meninos maduros do Brasil

Contratei um Papai Noel para ir lá em casa no Natal do ano passado. Foi um dos melhores investimentos da minha vida. Nunca mais vou esquecer a alegria do meu filho quando o Papai Noel bateu à porta. Tampouco esquecerei a reação dele: para meu grande espanto, o menino correu para o quarto e voltou voando, com o bico na mão. Tinha decidido, estoicamente, que entregaria o bico para o Papai Noel. E o fez, de fato, mas, na hora de dormir, bateu a síndrome de abstinência.

– Quero o bico! – gritava. – Quero o bico! Liga pro Papai Noel! Pede pra ele trazer o bico de volta! Liga pro celular dele!

Por sorte, o Papai Noel, velho malandro da Lapônia, não havia levado o bico. Assim, quando o Bernardo começou a chorar, suspirei, desci até a sala, tirei o bico do esconderijo e voltei ao quarto para dar a ele. Que se surpreendeu:

– Como o Papai Noel veio rápido.

Desconversei:

– Aquelas renas não brincam em serviço...

Seis meses depois, quando ele e a minha mulher enfim se juntaram a mim, aqui nos Estados Unidos, a primeira coisa que o guri fez, no momento em que pôs os pés em sua nova casa, foi tirar o bico de algum desvão da mochila e estendê-lo para mim:

– Pode botar fora.

Peguei o bico e sorri com complacência. Botar fora. Sei.

Guardei o bico na gaveta da cozinha, supondo que, à noite, ele o pedisse aos prantos. Não houve pranto, nem pedido. Para arrematar, na manhã seguinte, na hora da mamadeira, ele anunciou, de queixo empinado:

– Não vou mais tomar mamadeira.

E nunca mais tomou mamadeira. E nunca mais quis o bico.

Corta.

Ontem, a Marcinha puxou o bico e a mamadeira do fundo de uma gaveta e me mostrou:

– Lembra disso?

Havia esquecido. Então, dei-me conta do tanto que o meu filho amadureceu em tão pouco tempo. Ao chegar aqui, era um bebezão; agora, é um gurizinho.

Sei o que fez com que amadurecesse tão velozmente: as dificuldades. Ele não apenas mudou de escola e de colegas; mudou de cidade, de país e de língua. Imagine que, no primeiro dia de aula (a professora me contou), ele começou a falar com todo mundo, falante que é, e ninguém respondia. Ninguém entendia... O começo foi duro, e são assim os começos, mas agora tudo está bem com esse brasileirinho na América do Norte.

As crianças têm grande capacidade de resistência e de adaptação. Elas se transformam de acordo com o que é exigido delas. E de acordo com o que é dado a elas. Uma pessoa só vai dar amor, por exemplo, se tiver amor para dar. Quer dizer: se o amor lhe tiver sido dado na infância, que é quando fazemos esse estoque de sentimentos.

No enfrentamento desses desafios, meu filho teve todo o apoio e o amor dos pais, é verdade, mas teve, também, um outro auxílio luxuoso: o de competentíssimos professores de uma excelente escola pública. Não gasto um único dólar com a escola, e meu filho, que não é cidadão americano, é tratado com uma atenção e um desvelo que custariam fortunas em uma escola particular brasileira.

Eis um dos grandes trunfos dos americanos: o investimento que eles fazem, que sempre fizeram na educação básica e fundamental.

As crianças – eles se preocupam com as crianças.


Hoje é Natal, e das crianças são todos os Natais, mas queria que as crianças brasileiras tivessem mais do que um Natal por ano. Queria que as prioridades da educação fossem invertidas, que a Constituição fosse modificada, que os investimentos do país fossem derramados nas crianças e quase que só nas crianças. Nossos meninos precisam de ajuda. Eles já são mais maduros do que deviam ser.