30
de dezembro de 2014 | N° 18028
DE
FORA DA ÁREA | J. A. PINHEIRO MACHADO
SHAKESPEARE E O GRÊMIO
Desencanto,
desesperança, falta de entusiasmo e sintomas de depressão profunda são os
sentimentos que pairam como nuvem negra sobre a cabeça de cada um de nós,
gremistas. Folheando as páginas da Divina Commedia compreendi a aflição de
Dante, no Canto III, chegando ao Inferno.
Imaginei, escritas sobre a entrada da
Arena, as “palavras de cor escura” do verso: Lasciate ogni speranza, voi
ch’entrate/ Queste parole di colore oscuro/ vid’io scritte al sommo d’una
porta... [Deixe qualquer esperança você que chega/Essas palavras de cor
escura/vi escritas no alto da porta].
Mas
fechei imediatamente o Livro, com a forte suspeita que o maior de todos os
poetas talvez fosse um colorado avant la lettre e fui às raízes da modernidade
gremista, nos anos 1950, da primeira vez que pisei no Estádio Olímpico, com o
bravo time do seu Rolla que não canso de escalar porque comandei um time de
botão na infância com esta preciosa formação, ainda em WM: Germinaro; Airton e Bob;
Figueiró, Elton e Ênio Rodrigues; Hercílio, Gessy, Juarez, Milton e Vi.
Eu
tinha um botão “três camadas” no ataque, o “Gessy”, tão perigoso e tão goleador
como o original. Mas será que era tudo isso mesmo? Em meio a essas dúvidas e
recordações, abandonei Dante e me consolei com outro extraordinário italiano,
Federico Fellini, que encorajava a fantasia da felicidade reinventada, mesmo
num time de botão da infância: “Eu invento as minhas recordações! Não distingo
mais as reais.
Minha
mãe às vezes me diz: ‘Mas você nunca fugiu com o circo!’ ‘Você nunca esteve no
colégio interno!’ A mim parece que tudo aconteceu de verdade! Para mim só é
verdadeira aquela Rimini que sonhei, que inventei, que repensei, impregnada de
saudade.”
É,
Mestre Fellini, para mim só são verdadeiros aqueles times esquecidos, que nada
temiam, que jogavam e venciam bravamente nas ilhas verdejantes da minha
imaginação. E tomei coragem, lembrando de Nelson Mandela, quando prisioneiro em
Robben. Na falta de tudo, quando morrer parecia uma hipótese, ele buscou
socorro em Shakespeare: “Antes de morrer, morre muitas vezes o covarde; só uma
vez o homem valoroso prova a morte.”
Era
uma convicção recorrente de Shakespeare que cedeu outro estímulo à caderneta
que ajudou Mandela a sobreviver ¾ e talvez nos ajude a enfrentar os primeiros
embates de 2015 de cabeça erguida: “Devemos a Deus uma única morte”.