28
de dezembro de 2014 | N° 18026
MOISÉS
MENDES
O homem do ano
O homem do ano é Francisco. Não só porque enfrenta a
burocracia da Cúria Romana, que tenta fragilizá-lo, mas porque provoca seus
inimigos com ironia. O Papa disse, ao enumerar as 15 doenças da alta cúpula da
Igreja, que falta humor aos pregadores do catolicismo, e não só aos poderosos
da Santa Sé.
O
religioso, disse Francisco, referindo-se aos servidores em geral, padres,
bispos, cardeais, “deve ser uma pessoa amável, serena e entusiasta, uma pessoa
alegre que transmite alegria”. Francisco não quer saber de rabugentos.
A
Igreja é mal-humorada. Ficou pior com João Paulo II, o papa anticomunista,
brutalizado pela Guerra Fria. Simpático, terno, viajante, mas conservador
demais, previsível, repetitivo em suas pregações.
Seu
sucessor, o cardeal Joseph Ratzinger, o burocrata da Cúria que virou papa,
tentou convencer a todos que era um intelectual da Igreja. Bento XVI seria um
pensador à espera da chance para brilhar como guardião dos dogmas do Vaticano.
Era um pregador quase medieval, com um sorriso pela metade e zero de
comunicação e humor.
E aí
veio Jorge Mario Bergoglio. O argentino disse, na primeira entrevista, que os
cardeais que o elegeram foram buscá-lo “no fim do mundo”. Imagine um brasileiro
eleito papa dizendo que o Brasil é o fim do mundo.
Há
uma sucessão de tiradas de humor nas falas do Papa. Ele distensiona a relação
com os fiéis e desarma os que estão prontos para agir como seus algozes dentro
da Cúria. Francisco os enfrenta quase com deboche.
Um
dia, ao defender que todos têm direito a terra, teto e trabalho, afirmou: “Se
eu falo disso, o Papa é um comunista”. No ano passado, quando veio ao Brasil,
brincou com nossos exageros: “Vocês querem tudo. Vocês já têm um Deus
brasileiro, queriam um papa brasileiro também?”.
Neste
ano, pediu que seus liderados abandonem a obsessão de pregar contra os gays,
numa Igreja constrangida pela ação dos pedófilos. Francisco disse: “A Igreja
deve ser uma casa aberta a todos, e não uma pequena capela focada em doutrina,
ortodoxia e em uma agenda limitada de ensinamentos morais”.
Queria
ver o Papa inspirando líderes em geral que exercem o poder pelo comando, com
ortodoxia, hierarquias, organogramas. Você, aí na repartição ou na firma, sabe
que ainda é assim, que a retórica mudancista muitas vezes protege inseguros com
o próprio discurso da mudança.
O
papa reformista nos instiga sobre ideais e relações que deveriam ser menos
dogmáticas e ainda se lastreiam em princípios que Ratzinger tentava preservar
como guardião do atraso. Há muita pregação, fora das igrejas, em lugares que
até o diabo se nega a frequentar.
Num
mundo em que a sisudez perde espaço (e em que os que se levam a sério demais
extraviam a capacidade de passar mensagens), o Papa manda recados com a
inteligência e o humor que nos socorrem em meio a tanta besteira dita com o
disfarce da sobriedade.
A
mediocridade odeia o humor. Os reacionários têm mil motivos para odiar o Papa.
Eu acredito mais em Francisco do que em Obama. Até porque o argentino me
diverte muito mais.