29
de dezembro de 2014 | N° 18027
L.
F. VERISSIMO
Especulações
Sempre
se especulou sobre por que o físico alemão Werner Heisenberg foi conversar com
o físico dinamarquês Niels Bohr em Copenhague, em setembro de 1941. Heisenberg
dirigia o programa nuclear da Alemanha e teria ido informar Bohr sobre o
progresso da sua pesquisa, pedir sua ajuda, sondar o amigo sobre o que este
sabia das pesquisas sendo realizadas nos Estados Unidos depois da chegada de
Enrico Fermi, ou – a especulação mais intrigante – levado a Bohr a proposta de
um compromisso, a ser assumido por cientistas dos dois lados, de não construir
a bomba ou de sabotar a sua construção?
A
simples especulação de que esta proposta teria sido feita trazia algumas
implicações curiosas. Uma, a de que o próprio Heisenberg estaria
deliberadamente atrasando o programa nuclear dos nazistas. Outra, a de que,
mesmo se soubessem como fazê-la, os cientistas alemães não teriam construído a
bomba. Outra, a de que o apelo de Heisenberg seria a valores humanísticos acima
de lealdades passageiras a pátrias e regimes, ou a uma sensibilidade comum
europeia, com a esperança de que ela tivesse sobrevivido na América.
Parte
da oportunidade que a América dava à ciência para levar a pesquisa nuclear à
sua conclusão lógica e prática era livrá-la de escrúpulos e culpa, ou seja,
livrá-la da hesitação europeia. Heisenberg estaria propondo uma conspiração da
consciência, contra o pragmatismo americano e contra a volúpia histórica da
ciência de perseguir toda descoberta até o seu fim, mesmo que o fim fosse o
terror, no caso o terror nuclear.
Documentos
recém publicados mostram que Heisenberg não propôs nada parecido a Bohr, que
Bohr só guardou da visita sua preocupação com a possibilidade de os nazistas
terem a bomba primeiro e a certeza consoladora de que Heisenberg e seu grupo
não estavam nem perto de conseguir isso.
Na
verdade, o que atrasou o programa nuclear alemão não foi a consciência, mas o
preconceito burro: os nazistas achavam que física teórica era “coisa de judeu”
e custaram a entender todas as implicações do átomo partido. Da mesma forma,
foram as novas leis raciais italianas, inspiradas pelas nazistas, que forçaram
a ida de Enrico Fermi, cuja mulher era judia, para os Estados Unidos e a
emigração da maioria da sua equipe.
A
ideia de que Heisenberg representava uma resistência do espírito europeu ao
horror da bomba em contraste com o pragmatismo americano, mesmo falsa,
permanece uma metáfora forte. Heisenberg teria sido o gênio nuclear que não
cruzou o Atlântico, o antiexilado, o que não aproveitou a oportunidade
oferecida pela América, da ciência sem remorsos, e fracassou.
Sem
o vício do antissemitismo, os alemães teriam feito a bomba antes? Como todas as
outras especulações, esta continuará para sempre uma especulação. De qualquer
jeito, quem ficou com a bomba não foi o Hitler, foi o Truman.
Em 2015 a explosão de bombas atômicas
sobre Hiroshima e Nagasaki fará 70 anos.