Jaime
Cimenti
Papai Noel encontra Jesus
Cristo
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Ah, não, não acredito, tu te queixando da vida, Papai Noel? Não é possível!
Ainda dás um baita Ibope, se é que acreditas. Andas aí com renas voadoras,
flamante trenó, essa roupa maneira, essas botas, estás bochechudo, rosadinho,
ganhando beijinhos das guriazinhas nos shoppings. Faz favor, né? Me poupe.
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Pois é, depois das propagandas da água mineral e do Ginger Ale, em 1915 e 1923,
da White Rock Beverages e, depois, do grande lance da Coca-Cola em 1931, com o
imortal traje vermelho e branco, não nego que recebi um upgrade. Vermelho e
branco ganha tudo, não é verdade? Mas nos últimos tempos, a coisa está meio
assim. A gurizada só quer saber de selfies comigo, não me dá muito carinho.
A
piazada anda bebendo cedo e anda meio mal-educada, com pouca paciência para
delicadezas. Vou dar os livros de etiqueta da Célia Ribeiro e da Danuza Leão de
presente para eles. O pessoal da propaganda anda me escanteando, sei lá, acho
que vou procurar um consultor de imagem bom aí no bairro Rio Branco. Uns
marqueteiros e publicitários disseram que eu morri, que horror.
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Calma. Tu és um guri, não tens nem dois séculos. Tens que acreditar em ti,
manter o foco e ir atrás dos teus sonhos. Tenho dois mil anos e pouco, te
entendo, conheço bem época de Natal, essa coisa de imagem, patrocínios.
Complicado, né? As pessoas andam consumistas, pragmáticas, apressadas,
estressadas, não estão ligando o suficiente para o espírito do Natal. Querem
saber do ter, não do ser. Precisa paciência de Jó com essa galera que não tira
nunca as pontas dos dedinhos dos smartphones.
- É
verdade, Jesus. Imagina que tenho recebido muitos pedidos de energéticos,
lava-jatos, Ritalina e Rivotril, para adultos e de crianças. A coisa não está
mole. Mas, vamos adiante, não é, Meu Senhor, que a vida continua, o sonho não
pode morrer e não posso ficar chorando de barriga cheia. Fica feio. Fica ruim
dizer que já estou de saco cheio muito antes do Natal. O pessoal do Face não
curte esse papo.
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Deus te abençoe, Noel. Não te queixa, especialmente para mim, que tenho mais
motivos que tu para queixas e estou firme. És uma referência boa neste mundo
que chamam de pós-moderno, sem regras definidas, conceitos éticos elastecidos,
morais duvidosas, tudo estilhaçando pelos ares, vale-tudo geral. Não demite os
elfos que fabricam os brinquedos que distribues. Responde as cartinhas das
crianças, presenteia as educadinhas. Ama o próximo. Ainda estás no lucro, Noel.
Deus te ilumine. E vou indo que lá vem o Pelé se queixar, achando que Deus e eu
tínhamos esquecido dele. Vê se pode.
Jaime
Cimenti