20
de dezembro de 2014 | N° 18019 PALAVRA DE MÉDICO
Por
J. J. Camargo, cirurgião torácico e diretor do Centro de Transplantes da Santa
Casa de Porto Alegre.
SAIR DE CASA:PARA
QUÊ?
A
PREMÊNCIA DA GERAÇÃO ANTERIOR DE TER UM ESPAÇO SÓ SEU PASSOU A SER INTERROGADA
Se começar a vida é sair de casa, podemos dizer que a
juventude deste começo de século, definida como a geração canguru, tem cada vez
menos pressa. O que foi premência da geração anterior – ter um espaço só seu –
passou a ser interrogado e, contraposto às perdas impostas por essa iniciativa
desassombrada, resultou em: independência, a troco de quê?
Segundo
dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 61,7% da população
brasileira entre 18 e 29 anos ainda mora com os pais. A motivação para a
permanência é que eles aproveitem ao máximo as facilidades que o manto paterno
lhes dá, para que juntem dinheiro e possam investir mais na profissão, seja ela
qual for. Sem contar que alguns se encaminham para a maturidade sem uma escolha
definida, o que parece justificar a permanência sob os olhares vigilantes dos
que foram treinados até para suportar a indefinição.
Só
mais tarde é que os rebentos alçam voo para fora do ninho. E, curiosamente,
este mais tarde está ficando cada vez mais tarde. Tanto mais que alguns, os
extremados, nunca saem, porque alguns pais, desanimados de vê-los partir,
decidiram antes morrer, poupando-lhes até o incômodo de terem de mudar de CEP.
Com
a redução gradual do número de filhos, o beliche virou peça de museu, e o
inconveniente de ter de competir por espaço com os queridos irmãos praticamente
despareceu. Sendo assim, aquele pretenso “cantinho só meu” deixou de ser uma
imposição da autoestima que projetava a afirmação pessoal para representar uma
tolice de quem não tem noção do quanto vale uma roupa lavada com amaciante
perfumado e comidinha com tempero da mamãe. Coisa de babacas!
O
respeito com que antes se falava de quem tinha pego seus trapos e saído pelo
mundo passou a ser visto como birra de adolescente mimado, e qualquer
referência ao gesto intempestivo desses ingratos era seguido do relato de
vários exemplos desses tipos ingênuos que, depois de uma temporada de
infortúnios, voltaram para o recanto do lar, com o rabo entre as pernas e um
punhado de carnês atrasados na mão.
Todos
os que voltam são unânimes em reconhecer que pagar luz, água e condomínio é
insuportável, sem falar numa exigência execrável, que eles desconheciam até
então, mas que os velhos cumprem com resmungos inaudíveis: pagar imposto. As
rodinhas que debatem o destino desses aventureiros fraudados sempre terminam
com um risinho que mal disfarça uma mensagem implícita: bem feito!
Por
outro lado, aquela legião de adultos jovens que abandonava o ninho para casar
descobriu, com a permissividade dos tempos modernos, que ninguém vai se
escandalizar se o príncipe trouxer a cinderela para fazer companhia para a
mamãe, sempre tão só, coitadinha. Claro que ninguém está interessado em
perguntar o quanto a pretensa solidão desagrada a sogrinha.
E
essa nova condição não é uma exclusividade brasileira: os jovens europeus entre
os 18 e os 29 anos estão com dificuldade crescente de sair da casa dos pais.
Segundo um estudo divulgado pelo European Foundation for the Improvement of
Living and Working Conditions (Eurofound), há cada vez mais jovens sem
capacidade de garantir sua autossustentação econômica.
Entre
2007 e 2011, o número de jovens adultos vivendo na casa dos pais, entre os 28
Estados-membros da União Europeia (UE), aumentou de 44% para 48%.
À
interminável crise econômica mundial, que limita o acesso dos jovens ao primeiro
emprego em todo o mundo, soma-se a perda gradual da segurança nas nossas
cidades.
Fácil
perceber nas entrevistas com os pais a ambivalência que os consome: de um lado
o desejo de vê-los voar com suas próprias asas. De outro, a certeza de que
ninguém será capaz de protegê-los com tanto amor.
No
fundo, todos os pais sabem que criamos os filhos para o mundo, mas esse
precisava ter se tornado um lugar tão perigoso?
Então,
filho amado, vá se divertir, mas, pelo amor de Deus, não ponha o celular no
silencioso.