WALCYR
CARRASCO
23/12/2014
09h00
Dezembro perigoso
O
que você prometeu a si mesmo? Emagrecer? Eu consegui, mas sou um caso raro
Noite
dessas, um amigo me ligou. Estava confuso, irritado, nervoso: –
Amanhã vou pedir demissão.
Quis
saber por quê. Ele me contou que está há anos no emprego, é o braço direito do
chefe e, mesmo assim, não teve nenhuma promoção nem aumento nos últimos anos. – É
hora de sair.
Argumentei.
Há uma regra imbatível no que se refere a trabalho. Melhor procurar novo
emprego já tendo um do que sem nada. O desempregado entra no mercado com muitos
pontos a menos. Depois de um tempo sem achar nada, bate um desespero, ele acaba
aceitando algo pior do que já tinha. É uma regra de ouro: se estiver
insatisfeito com seu emprego, não peça demissão. Procure outro escondido. E bem
escondido. Pega muito mal se seu chefe descobrir que você está em fuga.
Durante
a conversa, tive uma luz que o convenceu a mudar de atitude.
– É
a síndrome de dezembro – eu disse. Dezembro é o mês em que a gente faz uma
avaliação do ano, da vida.
Pois
é. Parece ser um mês alegre. Há festas, carinhas sorridentes de Papai Noel. Na
virada do ano, um clima de euforia, todos queremos estourar um champanhe na
praia, brindar a uma nova vida. Vem a esperança: com a virada do ano, uma nova
etapa da vida. Só que não é assim. A vida é contínua, formada por elos de
escolhas e acontecimentos que se encadeiam. A gente grita:
–
Agora será um ano realmente novo!
E
tomamos decisões arriscadas. Casamentos se desfazem porque, de repente, o homem
não consegue explicar à namorada que tem de passar o Réveillon com a mulher. E
como explicar, se ele já convenceu a outra que seu casamento é uma farsa, que
não faz mais sexo com a oficial há anos, que está pronto para separar? A
namorada quer uma prova de amor. Prova das boas é passar o Réveillon juntos. O
sujeito se contorce. Escolhe. Nem sempre toma a decisão que tomaria a longo
prazo.
Pior.
No trabalho, qualquer resolução de dezembro ficará adiada até depois do
Carnaval. Alguém acha emprego entre Ano-Novo e Carnaval? Este país,
lamentavelmente, para. Ficamos em estado de suspensão.
Isso
torna dezembro duplamente perigoso. É fácil decidir e desistir. Mas a retomada,
a reconstrução... fica para depois! (A não ser que sua proposta seja montar uma
oficina de fantasias carnavalescas e, mesmo assim, multidões trabalham nisso há
meses!)
Não
sou pessimista, mas nunca me assusto quando ouço dizer que em datas festivas há
mais suicídios. Dezembro é justamente onde a gente descobre que as decisões do
Ano-Novo passado rolaram ladeira abaixo. O que você prometeu a si mesmo?
Emagrecer? (Vitória, eu consegui. Mas sou um caso raro. A barriga de meus
amigos continua cada vez maior.)
Prometeu
que encontraria um novo amor e, agora, descobriu que ele fugiu com sua melhor
amiga? Prometeu comprar casa própria e não sabe como pagar as parcelas
intermediárias durante a construção? Enfim, é agora que você avalia as
promessas feitas com a melhor das intenções no fim de ano passado. E descobre
que foram palavras escritas na areia, a maioria das vezes.
Vem
uma frustração que nem te conto. Dói fundo. Não há nada a fazer a respeito,
porque decisões férreas de Ano-Novo são o resultado das avaliações de dezembro.
Mas é preciso conviver com a realidade. Não há muito dinheiro para os
presentes, a viagem não vai rolar. Conheço um casal que ia todo ano para Punta
del Leste. Neste ano, até tem amigos dispostos a oferecer hospedagem, mas não
há dinheiro para as passagens. Sofrem.
Não
quero dizer que o ano tenha sido ruim para todo mundo, por favor! Mesmo que você
tenha uma vida radiosa, feliz, em dezembro corre o risco de olhar a parte pior
da história. A gente é assim: o que acontece de bom, anotamos em preto e
branco; de ruim, gritamos aos olhos e ao mundo como se fosse escrito em neon.
Em
dezembro, lembro o que não consegui. E o projeto de estudar hebraico bíblico?
(Sempre tive vontade.) O livro ainda vive embaixo do travesseiro? A vontade de
ver mais os amigos? Intensificar as relações? Meu blog, eu não ia fazer um
blog?
O
duro é que não adianta tomar nenhuma iniciativa agora. Vem Natal, depois
Réveillon. Por melhor que seja o novo plano de vida, a gente adia. Até regime.
Quem começa regime no Natal? Fica a sensação de frustração, do que a gente
queria fazer e não fez. E que não pode começar imediatamente. Dezembro é
perigoso. É o mês em que a gente festeja, enquanto chora pela vida.