sábado, 24 de janeiro de 2015


25 de janeiro de 2015 | N° 18053
MARTHA MEDEIROS

Encrencas domésticas

O chuveiro está esquentando demais. A pia da cozinha não para de pingar. A porta do armário não está fechando direito. A geladeira está fazendo um barulho estranho. O interruptor de luz está com mau contato. Os azulejos da área de serviço estão descolando da parede. Escorre água por baixo da máquina de lavar. A vizinha do andar de baixo está reclamando de uma infiltração no teto do banheiro dela, e adivinhe de quem é a culpa.

Está tudo 100% com seu doce lar? Nada quebrado, nada precisando de reparos, nenhuma necessidade de chamar o eletricista, o bombeiro hidráulico, um faz-tudo? Permita que eu abrace você, vá que sua sorte seja contagiosa.

Não moro num prédio em ruínas, mas mesmo jovens edifícios aprontam das suas. Não importa a idade, em que bairro, qual a situação do imóvel: sempre tem uma coisinha para consertar. E, assim que ela for resolvida, outra coisinha virá reclamar seus direitos. A umidade deixou manchas na parede. A basculante do banheiro está com o vidro trincado. O forno está custando para acender. O liquidificador está dando choque, não estará na hora de trocar?

Sempre está na hora de trocar, pintar, arrumar, dar um jeito. Sua casa deve ser que nem a minha, um ser vivo que pede atenção constante. Ou estarei pagando por erros cometidos em encarnações anteriores?

Na classificação das tragédias, consertos domésticos nem contam. Não tenho dúvida de que sou uma abençoada por ter, numa única semana, apenas trocado a bandeja do ar-condicionado, ficado sem internet por 24 horas por pane no modem e ter chamado meu fiel socorrista para reforçar alguns rejuntes. E nem estou considerando o barulho de uma furadeira vindo do apartamento ao lado, que isso já não faz parte do meu universo e não sou eu que pago a conta.

Melhor pular essa parte, a conta.

Está tudo bem e estou calma – mas entrou agora um e-mail pedindo para que eu imprima um documento e o assine. Isso significa que deverei utilizar minha impressora. Você tem uma impressora caseira? Diga que a sua não trava no meio da impressão, que não engole a folha de papel, que cumpre sua função como se fosse uma eficiente impressora de escritório. Me convença de que impressoras caseiras não fazem complôs e de que estou aqui, quase histérica, sem motivo.

Liguei a geringonça. Ela fez alguns barulhos similares ao início de uma batucada e depois silenciou. A luz que deveria ficar permanentemente acesa está piscando como quem alerta para uma explosão em 30 segundos. Tem sido assim nas últimas semanas. Clico em imprimir e nada acontece. Impressoras não fazem complôs, você me convenceu. Está tudo bem, estou calma e agora meu gato se dependurou na cortina, abrindo um rasgão. Adoro trabalhar em casa.