26
de janeiro de 2015 | N° 18054
MOISÉS
MENDES
A seca dos
outros
Estão
enfiando brocas nos pátios das casas em São Paulo em busca de água. Um poço
artesiano, na região nobre dos Jardins, custa até R$ 150 mil. Não é água para
beber, mas para as plantas, lavar o carro, fazer faxina.
Leio,
ouço e vejo tudo sobre a falta de água. Vi na TV um funcionário do que seria um
hotel fino de São Paulo jogando água no chão. O repórter perguntou por que ele
lavava a calçada e o homem respondeu que cumpria ordens.
Vi
as cisternas de gente pobre do Nordeste que recolhe água da chuva.
Pesquisadores descobriram como separar a primeira água que cai do telhado, que
pode estar contaminada, e só depois canalizar a água limpa, para uso da
família. Vi a faceirice das pessoas com as cisternas e aquelas redes de canos.
E li
ontem, na manchete da Folha de S. Paulo, que os paulistas e os moradores de
mais quatro das 10 áreas metropolitanas do Brasil correm o risco de ficar sem
água. São as regiões de Belo Horizonte, Campinas, Recife e Rio, com 48 milhões
de pessoas. Podem ficar sem água e sem luz.
Nós,
aqui da nossa Capital, temos esse riozão, ou lagão ou estuário ao nosso lado.
Ficamos até meia hora no banho (eu fico só um pouco menos). Lavamos carro e
calçada com água tratada. E esbanjamos a nossa abundância. No Brasil todo, o
desperdício de água tratada é de 37%.
Nós
desperdiçamos sem culpas porque estamos longe dos problemas deles e porque
nosso medo não é de que um dia o Guaíba seque, mas que invada de novo a cidade.
Tente
pensar, não na enchente, mas no dia em que também Porto Alegre poderá estar na
situação de São Paulo – não como praga, mas como ameaça real.
O
dia em que as crianças perguntarão a pais, avós e professores sobre a utilidade
do muro da Mauá. Quando o Guaíba estiver raso como os rios e as represas de São
Paulo e quando o muro estiver ainda de pé apenas como deboche.
Mas,
claro, pensar nisso tudo é besteira. Falta água no Nordeste, em Minas e até na
Califórnia. Já não há quase nada de água em São Paulo e pode faltar água no
Rio.
Mas
nós, os gaúchos, nunca teremos falta de água. Nós somos um modelo a toda a
Terra. Nada nos falta, tudo nos sobra. Temos dois grandes estádios de futebol.
Poderemos ter até três aeroportos. Como é bom ser gaúcho.