25
de janeiro de 2015 | N° 18053
MOISÉS
MENDES
O escritor e o surfista
Uma
pergunta que fizeram certa vez a Truman Capote: se tivesse que viver num único
lugar, sem nunca mais poder sair dali, que lugar seria este? O escritor
escolheu Nova York, que seria a única cidade do mundo, considerando-se todas as
grandes, que não é provinciana.
Capote
disse gostar até do barulho constante das sirenes em Nova York. Não moraria em
Paris, “puritana e rabugenta”, nem em Londres, porque todo mundo se conhece, é demasiadamente
civilizada e totalmente sem graça.
Em
Nova York, ele teria 10 pessoas diferentes no mesmo grupo ou 10 grupos de
pessoas diferentes, a qualquer hora do dia ou da noite, num bar, numa loja ou
na rua.
Na
semana passada, fiquei pensando nisso, no lugar em que se quer morar, mesmo que
nem sempre se consiga, ao ler o manifesto que o surfista catarinense Ricardo
dos Santos, o Ricardinho, escreveu em 2011. Ele diz no texto, publicado na
internet, que a Guarda do Embaú, onde nasceu, onde se criou e aprendeu a arte
que lhe deu fama nacional, estava pedindo socorro.
Ricardinho
repelia a invasão de predadores que sujam a praia, afrontam o vilarejo com som
alto nos carros e assustam os moradores com grosserias. O surfista foi morto na
última semana por um desses invasores. O título do manifesto de quatro anos atrás
é “SOS Guarda do Embaú”.
Ricardinho
foi morto a tiros, aos 24 anos, no lugar onde, pelo tom do manifesto, se
tivesse que escolher, viveria para sempre. O surfista defendia a preservação de
virtudes que Capote desprezava.
A
Guarda tem o que têm todos os vilarejos catarinenses acomodados à beira do mar.
Mas nenhum tem, antes do mar, aquele rio que passa ao lado, encostado nas
casas, e deságua no oceano. Nenhum vilarejo tem aquela península de areia com
aquele desenho único.
Capote
nunca moraria ali. Li num guia de turismo que “a Guarda mantém o clima de colônia
de pescadores, não há grandes agitos à noite, nem variedade de restaurantes
estrelados”.
Eram
as qualidades que o surfista queria preservar. É de se perguntar, na Guarda e
no entorno, quem mais se dispõe a enfrentar os invasores. E quem, de alguma
forma, com a adesão ao som alto nos bares e restaurantes e com a incorporação
do comportamento dos “bacanas”, não contribui para que a Guarda atraia os
predadores que Ricardinho temia?
Capote
diz, lá em 1972, que Nova York continuaria sendo cosmopolita, “a única cidade-cidade
mesmo do mundo”, se impusesse suas vantagens e continuasse a dizer a quem
acolhesse: aqui você pode ser “uma multidão de pessoas”.
A
Guarda e tantos outros lugares únicos podem estar sendo desfigurados por não
terem essa capacidade de fazer com que novos moradores, visitantes e
empreendedores defendam suas essências. E o turismo vem deixando de ser ameaça
ambiental a lugares que se fazem respeitar e impõem regras aos que apenas
passam por ali.
O
som alto é a queixa que se destaca no desabafo de Ricardinho porque abarca todo
o resto. O predador que leva a música ruim para a praia leva junto a deseducação
sem limites. Os nativos que compactuam com isso (quando não são os primeiros a
poluir a praia com barulho) deveriam aprender com o manifesto.
Vale
não só para as praias. Vale para aquele lugar em que em algum momento, sentado
numa pedra, você deve ter pensado: eu viveria aqui, e só aqui, para sempre.