sábado, 24 de janeiro de 2015


25 de janeiro de 2015 | N° 18053
L. F. VERISSIMO

Frases

Anedotas, ditados, máximas e piadas têm, digamos, uma narrativa axial de significado evidente – exemplo: coelho para a coelha: “Vai ser bom, não foi?” – e significados radiais implícitos e/ou subevidentes. No caso do coelho e da coelha, o sentido da narrativa está na rapidez do enunciado “Vai ser bom, não foi?”. Coelhos são, notoriamente, animais sexualmente hiperativos, mas cuja conjunção carnal se completa em uma fração de segundo, justamente o espaço de tempo representado, na frase, pela vírgula.

A quase justaposição do primeiro e do segundo segmento da frase, separados apenas por uma vírgula providencial, é que produz o humor da piada. A frase é a piada. São dispensadas informações secundárias tipo onde se deu o encontro do coelho com a coelha, detalhes (caráter, vida pregressa etc.) dos dois e do pós-coito – a coelha, por exemplo, se sentiu frustrada com a rapidez da conjunção, esperava algo mais romântico e preliminares mais prolongadas, ou já estava resignada ao sexo relâmpago típico da sua espécie e só esperava que pelo menos o coelho não tivesse ejaculação precoce, o que só encurtaria ainda mais o evento?

Como o humor está na frase rápida e não inclui detalhes adicionais comuns em outras anedotas – que geralmente contêm uma história, um cenário identificável e personagens humanos –, o caso do coelho e da coelha requer muita atenção do ouvinte. Ele pode não entender da primeira vez.

E, se quiser, pode buscar outras interpretações da piada além do comentário jocoso sobre a vida sexual do coelho. A frase pode conter um comentário maior e mais abrangente sobre este tempo em que vivemos, em que passamos da antecipação do prazer para a crítica do prazer sem a etapa intermediária do prazer. O coelho e a coelha seriam um casal prototípico da era da ansiedade, do estresse e da rapidinha.

Não se sabe bem a origem do ditado “Pra baixo, todo santo ajuda”. Especula-se que veio da Idade Média. Ignora-se quem disse a frase pela primeira vez e qual foi seu destino, mas é quase certo que morreu queimado. Talvez ele nem tenha se dado conta, quando disse a frase, do que estava fazendo. Estava inaugurando o cinismo. Claro, o cinismo existia desde os gregos, talvez desde as cavernas pré-históricas.

Mas nunca tinha sido empregado daquela maneira. Sem saber, ele destruiu mais de mil anos de pregação religiosa. Digamos que a frase foi entreouvida e fez sucesso. Boa, boa. Ela apenas expressava, com humor, o que as pessoas pensavam, só tendo o cuidado de não envolver os santos na sua queixa. E pode-se imaginar que não demorou para a frase chegar ao conhecimento dos inquisidores. E seu autor ser chamado para se explicar.

– Não se insultam os santos!

– Eu não insultei, eminência.

– Chamou-os de preguiçosos. De omissos. De safados que só ajudam quem não precisa de ajuda.

– Foi uma maneira de dizer que...

– Não existem maneiras de dizer. O que foi dito está dito. E o que você disse foi uma blasfêmia.

– Foi uma piada.

– Não se fazem piadas com os santos!


Fogueira com ele. Hoje já se pode fazer piadas com santos, mas a natureza da blasfêmia, como se vê, ainda está sendo discutida.