01
de fevereiro de 2015 | N° 18060
MOISÉS
MENDES
O Prometeu da
esquerda
É dolorosa para a esquerda brasileira que se diz no
governo uma comparação com a esquerda grega que chega ao poder. A esquerda
grega promete destruir a austeridade seguida até aqui e que não salvou o país.
A esquerda brasileira se submete ao comando tático de um economista liberal,
chamado para administrar um arrocho na sua forma mais ortodoxa.
O
ministro da Fazenda deles se chama Yanis Varoufakis. Já se falou muito do líder
do partido Syriza e novo primeiro-ministro, Alexis Tsipras. Mas agora,
Varoufakis é o cara, ele é quem cuidará do que possa vir a ser a nova economia
de um país que empobrece, desemprega os jovens e parece não ter saídas.
Se
fossem colocados frente a frente, Yanis Varoufakis e Joaquim Levy não
combinariam nem no figurino. O grego tem cabeça raspada e não usa gravata. Na
primeira reunião do ministério de Tsipras, na quarta-feira, deu para vê-lo no
Jornal Nacional vestindo uma de suas camisas esportivas coloridas, com a gola
aberta.
Tsipras,
Varoufakis e muitos dos que os cercam não usam gravata. Você pode achar que
isso não significa nada, mas talvez signifique. O time de socialistas moderados
e radicais, velhos e novos comunistas, maoistas, trotskistas, feministas,
ambientalistas não quer carregar nós no pescoço. Formam um agrupamento de
esquerdas que você – das gerações das utopias dos anos 60 e 70 – achou que
nunca mais chegaria ao poder.
É como
se o PSOL de Luciana Genro, mais parte do PSTU, do PCO, da esquerda do PV e do
PT, do PC do B e avulsos que ainda não se agregaram a partido nenhum tivessem
finalmente a chance de se juntar e mandar no Brasil. Claro que a trajetória dos
gregos é mais antiga e consistente, mas essa é a comparação possível.
A
Grécia espera do Syriza e de seus aliados o que as esquerdas sempre aguardam
dos que dizem representá-la – no essencial, espera alguma autenticidade que
garanta coerência mínima entre a campanha e o governo. É uma espera
invariavelmente frustrante.
Economistas
como Joseph Stiglitz e Paul Krugman dizem que o mundo – e não só os gregos –
torce para que se concretize a possibilidade de pensar e agir fora do vasto
círculo de crenças num capitalismo cada vez mais imperfeito, alquebrado e
desigual.
Claro
que Stiglitz e Krugman, cada um com seu Nobel, não são anticapitalistas. São
apenas inconformados com a prevalência de ações que se sustentam (inclusive nos
organismos multilaterais) no raciocínio dos defensores dos mercados sem
regulação, na hegemonia do poder financeiro e nas tentativas de despolitizar a
economia.
A
experiência grega pretende abalar essas crenças. Se der certo, algo importante
terá acontecido. Mas será preciso adequar retórica e poder, não tropeçar nos
despachos que o conservadorismo largou pelas encruzilhadas e resistir ao uso da
gravata.
A
grande dúvida é se conseguirão governar sem concessões que desfigurem demais
suas intenções e frustrem os que dizem hoje “eu sou Tsipras”. Se não der certo,
teremos mais uma contribuição da Grécia à mitologia.
As
esquerdas mundiais poderão contar que um dia, no início do século 21, levaram a
sério a nova versão de um certo Prometeu, que usava o colarinho aberto e também
se anunciava como alguém que pretendia apenas melhorar a vida dos gregos e, se
possível, da humanidade.