
Respostas capitais - Marie Santini
É fundadora e diretora do Netlab, o Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
"A liberdade de expressão que existe é só das big techs, de mais ninguém"
Marie Santini, pesquisadora integrante da rede europeia VOX-Pol Network of Excellence, focada em extremismo político online violento, acompanha a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que pode quebrar a blindagem das big techs. Avalia que a censura, hoje, é 100% praticada pelas redes.
Por que a desinformação é um fenômeno econômico?
Começa na forma com que as big techs se estruturaram há 20 anos. Nasceram no Vale do Silício com modelo de startup, mais ágil, sem burocracia e travas. Avançaram fazendo a sociedade acreditar que qualquer tipo de regulamentação poderia impedir a inovação. Por isso, alegavam que não poderiam ser reguladas, porque a tecnologia libertaria a sociedade de trabalhos manuais e precários e democratizaria o conhecimento. Levaria informação e conhecimento gratuitos, conectando pessoas sem restrições geográficas ou linguísticas.
Foi um discurso eficaz, não?
Sim. A partir de 2014, 2015, começamos a ver desinformação. O grande laboratório foi a política, porque tem períodos eleitorais, permitindo testes que não seriam possíveis em outros mercados, porque se faz uma campanha e depois vê quem ganha.
O que mudou?
Um momento importante para a compreensão dos mecanismos foi o da Cambridge Analytica, quando vaza a informação de que essa empresa usava dados dos usuários para distribuir publicidade de forma microsegmentada para eleitores de Trump. O mundo acorda para duas ideias. Uma, de que a desinformação era um problema sistêmico e não tinha mecanismos de controle porque não havia regulação, nem transparência, nem responsabilidade. A outra foi de que o modelo de negócios dessas empresas estava amadurecido, e era publicidade. A Meta, por exemplo, tem 99% de seu faturamento com anúncios.
Outro tipo de publicidade?
São empresas que usam a vigilância e os dados sensíveis dos usuários, tanto pessoais quanto comportamentais, para distribuir anúncios personalizados. Nesse momento, ainda há crença de que a desinformação está a serviço de ideologia, de estratégias políticas.
E não está?
Não, ajudou a consolidar uma indústria que ganha muito dinheiro. Com desinformação, o custo de produção é quase nulo. Usa inteligência artificial, copia conteúdo, distorce e vende tudo pelo mesmo valor da informação de qualidade. É um mercado infinitamente mais lucrativo. As big techs ganham dinheiro com a informação legítima, a ilegítima, no mercado formal, no informal e no ilegal. Com tudo.
Faz sentido considerar "censura" a regulação?
Não, há inversão da narrativa. Hoje, as plataformas são as grandes censuradoras, porque moderam conteúdo sem qualquer transparência. A liberdade de expressão que existe é só das big techs, de mais ninguém. Todo mundo está suscetível às decisões e às vontades das plataformas. Se houver difamação, não tem para quem recorrer. Só à Justiça, que vai demorar, e até lá a reputação foi embora. E se uma pessoa tiver uma conta encerrada, for alvo de moderação, também não tem a quem recorrer. A plataforma não responde por isso. A censura que existe hoje é 100% da plataforma. Não sabemos o que acontece.
Como vê a decisão no STF?
São as plataformas que decidem qual é a visibilidade, quais são os conteúdos vistos e quais não serão. O artigo 19 (do Marco Legal da Internet) se torna inconstitucional por liberar essas empresas de uma responsabilidade muito séria. Hoje, têm imunidade absoluta, a menos que descumpram ação judicial. Isso é esdrúxulo em uma sociedade em que todas as conversas, todos os negócios, são determinados por algoritmos. O que o STF discute é apenas tornar inconstitucional o artigo que blinda as únicas empresas que não precisam se responsabilizar sobre seus negócios.
Como avalia a regulação da União Europeia?
Conseguiram regulamentar, mas não estão conseguindo implementar. Há muita negociação política, muitas ameaças de Trump, com troca de cargos de pessoas que tinham pulso firme.
Casos como a morte de uma menina desafiada em rede social podem elevar a pressão?
A pressão popular é a única forma de obrigar o Congresso a regular, e o governo, a implementar medidas. O lobby dessas empresas é muito forte no mundo inteiro. A pressão é a forma de ameaçá-los a não serem eleitos novamente. É fundamental explicar que é problema coletivo, não individual. Vejo matérias que tentam "mostrar" como se proteger, se o filho está sofrendo é porque os pais não monitoram o que faz na internet. É impossível parar isso no nível individual. É preciso tratar desse problema coletivamente. _
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