12
de abril de 2014 | N° 17761
NÍLSON SOUZA
A
mordaça
S ábado
é o meu dia livre. Esse descompromisso semanal me torna melhor observador do
mundo. Então, capto histórias corriqueiras da vida, no passeio pelo calçadão,
na feira, na vizinhança.
Caminho
em marcha acelerada, como fazia no quartel e como recomendava o doutor
Moriguchi. Ainda assim, ouço fragmentos de conversas de outros frequentadores
do local:
– Dói
tanto, que não consigo nem abrir os olhos – diz a senhora da bengala, passos
lentos, amparada pela acompanhante.
– Não
corre, Dudu! – grita a mãe para o menininho que cai na grama e prossegue
engatinhando na direção da pracinha.
– Ele
disse que eu era lindinha e que queria dançar comigo – conta uma adolescente
para a outra, ambas sentadas num banco de madeira.
Penso
na esfinge da lenda: três pernas ao anoitecer, quatro ao amanhecer e duas ao
meio-dia.
Sou
semianalfabeto em verduras e legumes, mas não perco a feira de produtos orgânicos.
Observava intrigado uma espécie de capim grosso numa das bancas quando dois
fregueses falaram ao mesmo tempo:
– Quanto
é o alho-poró?
A
vendedora olha para ambos:
– Custa
três e cinquenta, mas só tem esse maço.
Os
pretendentes, uma mulher e um homem, se fitam. Quem levará? – me pergunto. Ela
toma a iniciativa:
– Três
ramos para você, três para mim.
A
solidariedade entre estranhos custou pouco: R$ 1,75 para cada um.
O
menino tem cinco anos e descobriu uma fórmula para ser ouvido: inventa raps. A
mãe já não suporta a chorumela diária. É o rap do motorista, o rap do futebol,
o rap da escola, tudo o que passa por sua rotina vira discurso cantado. É o próprio
bardo das aventuras de Asterix. Qualquer coisa é motivo para uma cantoria que
ninguém quer ouvir. Com uma diferença: ele sempre pede licença para a mãe antes
de soltar o verbo. Já ouvi várias vezes esse diálogo:
– Mãe,
posso cantar?
– Não,
agora não. Vê se fica quieto um pouco.
– Mas
eu não consigo...
Outro
dia ele obteve a licença e repetiu 150 vezes a mesma frase, mais ou menos como
fazem os rappers profissionais, até que a plateia de dois ouvidos chegou à exaustão.
– Vou
te botar uma mordaça! – disse a mãe.
A
resposta do gabrielzinho pensador foi demolidora:
– Aí
eu não vou poder mais dizer que te amo.