PAULO
SKAF
São Pedro é inocente
Não é
só a falta de chuvas que ameaça o abastecimento de água em São Paulo, mas
principalmente a falta de gestão e de investimentos
Na
sexta-feira passada, dia em que o volume de água armazenado no sistema
Cantareira caiu abaixo de 14% pela primeira vez, as ações da Sabesp subiram na
Bolsa.
A
boa notícia (para os investidores) que suplantou a má notícia (para a população
de São Paulo) foi o anúncio do pagamento de mais de R$ 500 milhões de
dividendos aos acionistas da empresa. Elas explicam por que São Paulo sofre
hoje o mesmo tipo de insegurança hídrica de dez anos atrás.
Enquanto
a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado) distribuiu R$ 4,8 bilhões
de lucro aos seus acionistas no Brasil e no exterior de 2004 a 2013, a empresa não cumpriu as diretrizes
da outorga do sistema Cantareira de 2004, que previa ações e investimentos para
atender às demandas da população.
Nada
contra uma companhia remunerar bem seus acionistas, pelo contrário. Mas uma
empresa como a Sabesp deve ter como prioridade abastecimento e tratamento de água.
A
Sabesp é uma empresa de economia mista, sob o controle do governo paulista,
responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 363
municípios paulistas. A outorga é uma concessão da União e do Estado para que a
Sabesp possa manejar os recursos hídricos e cumprir suas funções.
A
outorga do sistema Cantareira foi renovada em 2004, justamente o ano em que
outra seca severa fez o governo de então, também comandado por Geraldo Alckmin (PSDB),
fazer a mesma coisa que faz agora: pedir que a população economize água e
torcer por chuvas. Não seria assim com planejamento e gestão.
A
outorga que autorizou a Sabesp a operar o sistema Cantareira de 2004 a 2014 já deixava claro o que
devia ser feito. 1) Reduzir a dependência do sistema criando fontes
alternativas. 2) Combater as grandes perdas de água. 3) Aumentar a coleta e o
tratamento do esgoto.
O
governo do Estado de São Paulo não só sabia o que precisava ser feito, como
tinha o dever legal de fazê-lo. Portanto, a escassez de água não é apenas
causada pela seca, mas também pela falta de planejamento e gestão dos recursos
de uma empresa de serviço público essencial à saúde, ao bem-estar e à atividade
econômica.
Apesar
de seu corpo técnico de alta competência, a Sabesp não só não fez o que deveria
como não vem conseguindo elevar sua eficiência. Dos cerca de 3 trilhões de
litros captados anualmente, ela perde 750 bilhões em vazamentos na coleta e
distribuição, segundo dados da própria Sabesp. Em relação aos esgotos domésticos,
a Sabesp trata apenas 64% daqueles sob sua responsabilidade.
Assim,
além de faturar R$ 11 bilhões por ano e impor uma tarifa caríssima a seus usuários,
a empresa continua lançando esgotos não tratados diretamente em córregos e rios
do Estado, o que, além de inconstitucional, polui importantes mananciais de
abastecimento da região metropolitana de São Paulo.
Se
um industrial ou gestor privado tivesse registro como esse, seria severamente
punido pelas leis ambientais e de defesa do consumidor.
A
indústria, aliás, faz a sua parte. Grande parcela da produção industrial
paulista capta e trata sua água com meios próprios e alta eficiência e devolve 100%
dos seus efluentes devidamente tratados, atendendo à legislação. A Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo inclusive premia empresas que adotam as
melhores práticas de uso responsável da água.
São
Paulo enfrentou problema semelhante ao que vivemos hoje dez anos atrás. O
governo do Estado tinha a obrigação e os recursos para cumprir as diretrizes
definidas na sua outorga, que evitariam a repetição do estresse hídrico atual. Mas
a Sabesp preferiu privilegiar seus acionistas com uma gorda política de
dividendos.
Não é
só a falta de chuvas que ameaça o abastecimento de água em São Paulo, mas
principalmente a falta de gestão e de investimentos.
PAULO
SKAF, 58, é presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
e do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo)