sábado, 24 de maio de 2014


24 de maio de 2014 | N° 17806
 NÍLSON SOUZA

DES-CAN-SAR!

Moro nas proximidades de dois quartéis, na zona sul da Capital. De minha casa ouço o toque da corneta e reconheço ainda alguns sons do meu tempo de caserna: descansar, sentido, meia-volta volver, ombro arma (que a recrutada identificava pela comparação com a palavra atochador, pronunciada em ritmo lento), apresentar arma... Também ouço o ruído dos disparos na linha de tiro e me lembro nitidamente do cheiro de pólvora, que provocava nos jovens soldados um misto de fascínio e temor. Atirei até com metralhadora de derrubar avião. Nunca mais quero pegar uma arma na mão.

Pois os meus vizinhos andam muito ativos nos últimos dias. Pela manhã, quando saio para caminhar, encontro vários grupos de jovens correndo os seis quilômetros de calçadão, sob o comando de um superior (sargento, suponho) que os motiva com cantorias militares e gritos de guerra. Se o próximo combate for verbal, ganharemos certamente. A moçada está bem de pulmões.

Menos um gordinho, que ia bufando na rabeira da fila na última segunda-feira. Um dos líderes (um cabo, suponho) foi destacado para acompanhá-lo, para não permitir que ele se atrasasse demais ou parasse. Cheguei a assistir a parte do diálogo, ou do monólogo, pois um falava e o outro, com cara de dor, apenas tentava respirar:

– Não tens vergonha? Tu tens 18 anos e não me acompanha, eu, que já estou com mais de 30?

Envergonhado ou não, o jovem parou no meio do caminho com a mão na altura do baço. O outro, então, ficou sapateando em volta dele e elevou o tom das críticas. Passei ao largo, imaginando que o pobre rapaz ia pagar alguns apoios quando voltasse caminhando para o quartel.


Torço para que ele seja o corneteiro do pelotão. Corneteiros e taifeiros, pelo que me lembro, tinham certas regalias, incluindo o direito a uns quilinhos a mais.