20 de maio de 2014 | N°
17802
FABRÍCIO CARPINEJAR
Quando fugi de casa
Durante a infância, quem já não
tentou fugir de casa?
Minha fuga aconteceu aos seis
anos. Escolhi o fim da tarde para escapar de meus pais. Levei uma malinha. Fico
pensando o que tinha dentro dela. Lembro que nada que pudesse me sustentar nos
próximos dias. Criança não consegue pensar em mais de dois dias para a frente.
Carregava meu saco de bolitas, um
pião, cinco chocolates Bis, um pijama, e uma bola de futebol. Achava que isso
seria suficiente para o resto da vida. Não incluí nenhum produto de higiene –
como menino, abominava os banhos e as escovadas de dente.
Não me despedi, bati apenas a
porta com força. Caminhei 10 quadras para frente e decidi fazer um lanche na
praça. Já entendia que fugir de casa cansa e dá fome.
Comi o chocolate imaginando que
os pais e irmãos choravam com a minha partida, fariam equipes de busca para me
localizar, que receberia cartaz com meu rosto de desaparecido nos postes e
finalmente seria famoso.
Transcorreram 10 minutos e eu já
estava entediado. Dez minutos para uma criança não fazendo nada equivalem a uma
semana. Aguentei uma hora brincando de sonhar a tristeza familiar.
Mas começou a esfriar, a
escurecer, latidos e piares estranhos surgiram atrás de mim, não quis arriscar,
meus olhos ligaram o farol alto do medo. Com meus passos miúdos e derrotados,
retornei ao lar arrastando a mala.
Quando entrei na sala, jurando
que seria aclamado entre abraços e lágrimas, constatei que a mãe cozinhava, o
pai escrevia, os irmãos assistiam televisão. Todos tranquilos e ocupados com
alguma coisa, nem viraram o pescoço para me cumprimentar.
Abandonei a família e ninguém
reparou. Ninguém soube. Ninguém desconfiou.
Pretendia chamar atenção e não
vingou a estratégia. Qualquer despedida é uma maneira desesperada de ser
chamado de volta. Tive que suportar a frustração, a discrição do amor, a falta
de importância diante de tanta idealização.
Hoje vejo que coragem não era
sair de casa, mas voltar. Não amadureci fugindo, mas ao reconhecer minhas
fraquezas e regressar para a residência.