25
de maio de 2014 | N° 17807 MARTHA MEDEIROS
Quanta felicidade eu aguento?
“Te
desejo toda a felicidade que puder aguentar”. Foi com essa frase que uma pessoa
que gosta de mim encerrou seu e-mail, e fiquei petrificada diante do
computador, um pouco pela explosão de gentileza de alguém que nem conheço, e
outro tanto pela contundência que me fez pensar: quanta felicidade eu aguento?
Desde
que lancei um livro com a palavra “feliz” no título (a coletânea de crônicas
Feliz por Nada, de 2011) que respondo até hoje a uma infinidade de entrevistas
com esse mote: o que é, afinal, ser feliz?
Bom,
quando estou triste, estou feliz. Não sei se isso responde.
Felicidade
não tem a ver com oba-oba, riso frouxo, vida ganha. Isso é alegria, que também é
ótima, mas que não tem a profundidade de uma felicidade genuína que engloba não
só a alegria como a tristeza também. Felicidade é ter consciência de que estar
apto para o sentimento é um privilégio, e que quando estou melancólica, nostálgica,
introvertida, decepcionada, isso também é uma conexão com o mundo, isso também
traz evolução, aprendizado.
Feliz
de quem cresce. Mesmo aos trancos.
Infelicidade,
ao contrário, é inércia. A pessoa pode passar a vida inteira sem ter sofrido
nada de relevante, nenhuma dor aguda, mas atravessa os dias sem entusiasmo,
anestesiada pelo lugar comum, paralisada por seu próprio olhar crítico, que
julga aos outros sem nenhuma condescendência.
Para
ela, todos são fracos, desajustados ou incompetentes, e não sobra afetividade
nem para si mesma: se está sozinha ou acompanhada, tanto faz. Se lá fora o sol
brilha ou se chove, tanto faz. Se há a expectativa de uma festa ou a iminência
de uma indiada, tanto faz.
Essa
indiferença em relação ao que os dias oferecem é uma morte que respira, mas
ainda assim, uma morte.
Eu
reajo, eu me movo, eu procuro, eu arrisco – essa perseguição a algo que nem sei
se existe é a uma homenagem que presto à minha biografia. Nada me amortece,
tudo me liga, tanto aquilo que dá certo como também o que dá errado. Felicidade
é uma palavrinha enjoada, que remete só ao bom, mas dou a ela outro significado:
é uma inclinação abrangente e corajosa para a vida, que nunca é só boa.
Já a
infelicidade é uma blindagem contra o encantamento, é negar-se a extrair das
miudezas o mesmo feitiço que as grandezas proporcionam.
Eu
celebro o suco de laranja matinal, o telefonema de uma amiga, a saudade que eu
sinto de algumas pessoas, o sol caindo no horizonte, a luz que entra pela
janela do quarto ao amanhecer, a música que escuto solitária e que me remete a
uma inocência que já tive – e pelo visto ainda tenho. Celebro o já vivido e o
que está por vir, as risadas compartilhadas e o choro silencioso, e todas as
perguntas que um dia talvez sejam respondidas.
Como
esta: quanta felicidade eu aguento? Não sei. Que venha. Recusá-la é que não vou.