21 de maio de 2014 | N°
17803
FÁBIO PRIKLADNICKI
UMA CRISE BEM-VINDA
De vez em quando, ainda visito
lojas que vendem CDs e DVDs, estas mídias que muitos consideram à beira da
extinção. Sinto-me como aqueles fiéis de seitas apocalípticas que fazem ranchos
de mantimentos para se preparar para a chegada do fim do mundo (nunca entendi
muito bem esta lógica: se o mundo vai acabar, por que comprar comida?).
Lembro dos velhos tempos em que
ainda havia bons balaios de CDs nas lojas de departamento. Em meio a muitas
porcarias, consegui álbuns de Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Elis Regina,
assim como raridades de Candeia e Carlos Cachaça. Entenda: coletâneas
caça-níqueis estão sempre aí, mas discos de carreira nunca foram muito fáceis
de encontrar.
Volta e meia, estão esgotados.
Por muito tempo, procurei nas lojas, sem sucesso, o Araçá Azul (1972), último
que me faltava do Caetano. Agora, parece que voltou, mas outros títulos dele
desapareceram. E assim vamos.
As grandes gravadoras
multinacionais nunca cuidaram da música brasileira com o mesmo desvelo que
dedicam aos artistas do Exterior. Sim, é verdade que a brilhante geração da MPB
forjada nas décadas de 1960 e 1970 teve o apoio dos grandes selos, mesmo que ao
custo de muita pressão por vendas. Quando chegou a era do CD, esses ídolos não
ganharam as edições definitivas que eles e os fãs mereciam.
Lá fora, clássicos do jazz e da
canção norte-americana foram relançados com faixas extras e encarte caprichado,
incluindo textos analíticos, fotos e ficha técnica completa. Por aqui, se você
tivesse as letras das canções, já deveria se dar por satisfeito. Nomes
importantes da MPB estiveram disponíveis apenas em caixas de CDs de pequena
tiragem. Ou você gastava muita grana para comprar 10 ou 15 discos de uma vez –
e rápido – ou ficava sem nada.
Com a crise da indústria
fonográfica, as multinacionais passaram a se dedicar quase exclusivamente ao
que dá dinheiro. Artistas brasileiros de relevância migraram para selos
menores, que cuidam melhor de suas obras. E os jovens colocam suas faixas na
internet de graça. A crise da indústria fonográfica fez bem para a música
brasileira. Lamento apenas que as raridades trancafiadas nos calabouços das
multinacionais tenham, hoje, ainda menos chance de voltar a público. Nesse
cenário, você condenaria um sujeito que compartilhasse um disco de Carlos
Cachaça fora de catálogo há tempos?