quarta-feira, 21 de maio de 2014


21 de maio de 2014 | N° 17803
FÁBIO PRIKLADNICKI

UMA CRISE BEM-VINDA

De vez em quando, ainda visito lojas que vendem CDs e DVDs, estas mídias que muitos consideram à beira da extinção. Sinto-me como aqueles fiéis de seitas apocalípticas que fazem ranchos de mantimentos para se preparar para a chegada do fim do mundo (nunca entendi muito bem esta lógica: se o mundo vai acabar, por que comprar comida?).

Lembro dos velhos tempos em que ainda havia bons balaios de CDs nas lojas de departamento. Em meio a muitas porcarias, consegui álbuns de Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Elis Regina, assim como raridades de Candeia e Carlos Cachaça. Entenda: coletâneas caça-níqueis estão sempre aí, mas discos de carreira nunca foram muito fáceis de encontrar.

Volta e meia, estão esgotados. Por muito tempo, procurei nas lojas, sem sucesso, o Araçá Azul (1972), último que me faltava do Caetano. Agora, parece que voltou, mas outros títulos dele desapareceram. E assim vamos.

As grandes gravadoras multinacionais nunca cuidaram da música brasileira com o mesmo desvelo que dedicam aos artistas do Exterior. Sim, é verdade que a brilhante geração da MPB forjada nas décadas de 1960 e 1970 teve o apoio dos grandes selos, mesmo que ao custo de muita pressão por vendas. Quando chegou a era do CD, esses ídolos não ganharam as edições definitivas que eles e os fãs mereciam.

Lá fora, clássicos do jazz e da canção norte-americana foram relançados com faixas extras e encarte caprichado, incluindo textos analíticos, fotos e ficha técnica completa. Por aqui, se você tivesse as letras das canções, já deveria se dar por satisfeito. Nomes importantes da MPB estiveram disponíveis apenas em caixas de CDs de pequena tiragem. Ou você gastava muita grana para comprar 10 ou 15 discos de uma vez – e rápido – ou ficava sem nada.


Com a crise da indústria fonográfica, as multinacionais passaram a se dedicar quase exclusivamente ao que dá dinheiro. Artistas brasileiros de relevância migraram para selos menores, que cuidam melhor de suas obras. E os jovens colocam suas faixas na internet de graça. A crise da indústria fonográfica fez bem para a música brasileira. Lamento apenas que as raridades trancafiadas nos calabouços das multinacionais tenham, hoje, ainda menos chance de voltar a público. Nesse cenário, você condenaria um sujeito que compartilhasse um disco de Carlos Cachaça fora de catálogo há tempos?