21 de maio de 2014 | N° 17803
PAULO SANT’ANA
Surdez na tomografia
Tenho muitas desvantagens por ser surdo, pouquíssimas
vantagens. Entre estas, a de não ouvir coisas desnecessárias.
Ontem, tive uma nítida e importante desvantagem.
Foi naquele imenso aparelho de tomografia, onde me colocaram
para tirarem fotografias do meu corpo.
Ocorre que, quando você entra naquele vasto cubículo, deve
obedecer a certas ordens do operador, que se comunica com o paciente
mandando-lhe avisos lá para o interior do tubo.
Pois bem, o operador operava ontem comigo: “Encha agora os
pulmões de ar e fique sem respirar até segunda ordem (passam-se então uns seis
segundos). Agora pode respirar”.
E por aí foram as ordens pelo alto-falante: “Agora encha os
pulmões de ar e depois os esvazie e tranque a respiração até segunda ordem
(espaço de tempo). Agora pode respirar”.
Isso tudo decorre normalmente com pessoas normais. Mas eu,
que sou surdo, não ouvi coisa nenhuma do que o operador me dizia e recomendava.
E com isso ficou inteiramente prejudicado meu exame. Afinal, eu respirava
quando era mandado trancar a respiração e o contrário.
Eu sentia que o alto-falante estava me mandando mensagens
mas eu não as ouvia ou as recebia truncadas, esse é o dilema dos quase surdos.
Depois, chamei o operador e consertei tudo. Ele repetiu o
meu exame comunicando-se comigo por sinais. Tudo bem.
Só que antes de entrar na sala tomográfica, uma assistente
fez um questionário comigo, me perguntando se eu era diabético (sim), se eu já
tinha tido choque anafilático (sim), se eu já tinha sido alvo de cirurgias com
anestesia (sim), se eu tinha reação alérgica contra um sem-número de
substâncias etc., etc.
Foram umas 20 perguntas, às quais respondi religiosamente.
Pois bem, no centro de tomografia e exames de imagens em
geral onde fui examinado (e em todos os demais locais onde fazem esses exames),
havia uma falha que constatei ontem, eles vão corrigir lá onde fui ontem, mas
todos têm imediatamente de corrigir. Antes da série de perguntas que fazem no
pré-exame, vão ter de colocar mais uma pergunta essencial: “Você é parcial ou
totalmente surdo?”. Senão, não vai dar para os surdos nem para os examinadores.
Lá onde fiz o exame, já me prometeram que corrigirão esse
defeito, incluindo doravante a pergunta sugerida por mim. Espero que os outros
locais também o façam.
É tudo uma questão básica de comunicação e eu sou apaixonado
por comunicação.
Esta parada eu ganhei.