WALCYR
CARRASCO
30/05/2014
21h49
A arte da pechincha
Na
Holanda, uma senhora que me atendia me passou o preço de um suvenir. Respondi: “Pela
dúzia?”
Adoro
pechinchar. Sou capaz de discutir por centavos. Como toda arte, a pechincha
exige talento e disposição. Em Israel e na Turquia, conheci templos, cidades
subterrâneas, lugares que fazem parte do patrimônio cultural da humanidade. Mas
uma das minhas melhores recordações são as lutas por desconto nos mercados árabes.
Em Israel, ao discutir o preço de uma mala comum, ouvi o que considero o maior
elogio, de um vendedor árabe.– Mister, you are so hard!
E
chegou no meu preço!
Em Istambul,
cheguei a ponto de devolver um kit de temperos de US$ 30. Eu só chegava a US$ 10.
Fingi que ia embora, o vendedor correu atrás de mim, entregou o kit e levou os
US$ 10.
Um
dos segredos na pechincha é ter cara de pau. Seja onde for. Na Holanda, perguntei
o preço de uma lembrança num quiosque de produtos típicos. A velha senhora que
me atendia deu o valor. Respondi: “Pela dúzia?”.
Seguiu-se
uma briga de duas horas por cada tamanquinho de porcelana, miniatura de moinho
de vento ou camiseta com a palavra Amsterdam. Um casal de japoneses acompanhava
a cena surpreso. A mulher chegou a inquirir um amigo que me acompanhava nas
compras: – Como você suporta ficar perto desse sujeito?
Como
acontece em todos os lugares do mundo, ela disparou o mais antigo refrão dos
vendedores: – Se eu vender por esse preço, serei demitida.
Respondi
que não acreditava, que ganharia aumento por vender tão caro. Durante a
batalha, falamos de nossas vidas. Com cerca de 80 anos, respondeu que era viúva
duas vezes e não pretendia casar mais, para não ter de fazer café e cuidar de
marido.
– Já
enterrou dois, enterre o terceiro – disse eu.
Rimos.
Uma boa discussão sobre pechincha entra em intimidades, brincadeiras capciosas,
falsas agressões. Terminamos quase nos abraçando, enquanto eu pagava as compras.
Nos
mercados árabes, o vendedor só respeita quem pechincha. Fica até um pouco
decepcionado quando alguém aceita o primeiro preço. O segredo é começar com um
décimo do valor pedido. Ou perguntar se aquele é o preço da loja toda, não do
tapete. Muitas vezes, terminei tomando chá com eles, satisfeitos, nos olhando
com respeito mútuo.
Muita
gente tem vergonha de pedir desconto. Bobagem. Seja nas feiras livres ou nos
grandes magazines, desconto sempre é possível. Em loja de cadeia de eletrodoméstico,
o vendedor diz que não, não. Depois responde:
– Vou
ver o que posso fazer.
Entra
no computador. Pois é. O programa já sugere várias categorias de preço. A
tabela e aquele para quem guincha como um porco estripado. Em certo momento,
ele diz: – Cheguei ao máximo. O computador não aceita abaixo disso.
É a
hora de chamar o gerente. Aí vem uma autorização extra! Mais abaixo! Já consegui,
em empresas que montam cozinhas e armários embutidos, meus 60%. Essas empresas
trabalham com margens boas de lucro, estão abertas a alternativas de pagamento,
diferenças à vista ou parcelado.
Em
lojas elegantes, que oferecem cafezinho e taça de champanhe, com vendedoras bem
trajadas, parece até feio pedir desconto. Não é. A maioria só não pede porque
parece falta de fineza chorar preço. Um aviso: o dinheiro é meu, é seu. Defendê-lo
é justo. Se, depois, algum vendedor me chamar de miserável pelas costas, qual o
problema? Fui fazer uma compra, não estabelecer amizade. De fato, os vendedores
tendem a se tornar mais amigos de quem pechincha. Na discussão, trava-se uma
relação mais próxima, mais humana e divertida.
Outro
dia, fui a uma loja de utensílios domésticos, num shopping sofisticado. Me interessei
por uns vasos. Na guerra estabelecida, veio a gerente. Ela ligou ao supervisor,
para chegarmos a 5% em três vezes. Pouco, mas melhor que nada. Mesmo grandes
grifes masculinas se deixam vencer, também nos 5%. Que sensação agradável, um
desconto!
Em
outras, reconheço, desconto é impossível. São joalherias, onde um brinco ou relógio
custa uma grana. Choro, choro e parcelo em dez vezes sem acréscimo, no cartão. Aí, já na porta, lamento com a gerente:
– Mas
nem um presente você vai me dar?
Já descolei
uma carteira de couro para passaporte, uma manta lindíssima de cashmere. Se
compro uma caixa de charuto, saio com cinzeiros, isqueiros, o que estiver dando
sopa. Seja na feira ou no shopping, meu negócio é pechinchar. Só é preciso
perder a timidez e ir em frente. No final, dá uma incrível sensação de vitória!