sexta-feira, 23 de maio de 2014


ANDREA CALABI
TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma questão de gestão

A crise das universidades decorre de suas próprias decisões, adotadas de forma independente. O governo simplesmente repassa valores

Ao contrário do que afirma ex-reitor João Grandino Rodas, em seu artigo "O orçamento da USP", publicado pela Folha na quarta-feira (21), a crise da universidade não se deve ao modelo de financiamento. Dados recentes mostram que não houve diminuição de arrecadação de ICMS no Estado de São Paulo.

Em uma escala mais longa, verifica-se que entre 2007 e 2013 a receita de ICMS cresceu 83% em termos nominais, ou seja, 31% em termos reais, descontada a inflação. A receita obtida pela arrecadação do imposto no ano passado foi de R$ 119 bilhões, 6,4% maior do que em 2012, incluindo os programas de parcelamentos.

A vinculação de recursos do ICMS às universidades paulistas nasceu com um decreto de 1989, com o percentual de 8,4%. Em 1993, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) paulista determinou a destinação de 9% da quota-parte estadual do imposto às universidades, valor majorado para 9,57% na LDO de 1995 e mantido desde então, de forma que os repasses acompanham a evolução do ICMS. O governador Geraldo Alckmin comandou o absoluto respeito ao repasse imediato das parcelas devidas às universidades. No ano passado, foram transferidos R$ 8,30 bilhões. A USP recebeu R$ 4,36 bilhões, a Unesp R$ 2,03 bilhões, e a Unicamp R$ 1,91 bilhão.

Nesse sentido, o "quadro de dificuldades" a que o ex-reitor se refere deve-se mais à gestão dos recursos por parte do corpo diretivo das universidades do que ao volume dos repasses. Dados da Evolução de Receitas e Despesas da USP, disponíveis no site da instituição, mostram que em 2013 a universidade gastou além da conta: recebeu R$ 4,36 bilhões e gastou R$ 5,37 bilhões. No início de 2013, a USP tinha R$ 3,3 bilhões em caixa e, ao final desse ano, esse valor caiu para R$ 2,7 bilhões.

Os presidentes das Associações de Docentes da USP, Unicamp e Unesp faltam com a verdade no artigo "A conta que não fecha", publicado pela Folha no mesmo dia, ao se referirem aos programas de parcelamento de débitos como "artimanhas governamentais" que resultam em "desfalques inaceitáveis".

Apenas o Programa Especial de Parcelamento do ICMS de 2013 rendeu nesse ano aos cofres do Estado R$ 6,3 bilhões. Parte dessa arrecadação adicional foi parar no caixa das universidades --R$ 106 milhões apenas na USP. A acusação de que o Estado não repassa os juros cobrados sobre a arrecadação do ICMS atrasado e em programas especiais de parcelamento não possui o menor embasamento legal. A LDO lhes destina 9,57% do ICMS, e não das receitas adicionais associadas à cobrança do tributo em atraso.

Surpreende o ataque à Nota Fiscal Paulista, principalmente porque os cidadãos, ao solicitá-la, contribuem para formalizar as operações comerciais do ICMS, combater a sonegação do imposto e aumentar a arrecadação, base dos repasses às universidades. Ao pleitear que as devoluções aos consumidores não devessem ser subtraídas da base de cálculo dos repasses, os autores mostram desconhecimento da lei que instituiu o programa.

A atual crise que enfrentam as universidades estaduais decorre de suas próprias decisões, adotadas de forma independente. O governo do Estado simplesmente repassa valores para que elas administrem.

Em São Paulo, a Constituição Estadual determina que 30% das receitas tributárias sejam destinadas às despesas com educação, percentual superior ao exigido pela Constituição Federal, que é 25%. São Paulo cumpre sistematicamente a regra, fiscalizada com rigor pelo Tribunal de Contas do Estado.

Dos 30% das receitas, os R$ 8,30 bilhões correspondentes às três universidades atendem a um quadro de 60 mil servidores ativos e inativos. Os R$ 22,20 bilhões restantes vinculados à educação servem a uma rede de 510 mil servidores, incluindo os 240 mil professores ativos da rede estadual. São 180 mil alunos das três universidades e 4,3 milhões de alunos no nível fundamental, médio e do ensino técnico.

O ICMS é a maior fonte de recursos do Estado de São Paulo. As três universidades paulistas recebem do Tesouro estadual uma alta proporção daquele que é seu mais importante tributo, o que reflete o comprometimento do governo do Estado de São Paulo com o ensino superior.


ANDREA CALABI, 68, é secretário da Fazenda do Estado de São Paulo