terça-feira, 20 de maio de 2014



20 de maio de 2014 | N° 17802
DAVID COIMBRA

ATÉ COLLOR TEM MÉRITOS

Collor também acertou. Pronunciar essa frase num país maniqueísta como o Brasil é uma temeridade, mas repito: também acertou. Fiquei pensando nisso depois de ler a bela entrevista que Klécio Santos fez com ele, publicada na edição de domingo de ZH, matéria que vale um mês de assinatura do jornal. Hoje, mais de 20 anos depois do impeachment, acontece um fenômeno espantoso com esse personagem complexo da República: não aparece ninguém, mas ninguém!, que o tenha apoiado na época. O que é curioso, porque Collor foi eleito com milhões de votos. Será que todos os seus eleitores faleceram de lá para cá?

Óbvio, Collor errou muito mais do que acertou, o que ele até reconhece na entrevista. No entanto, o governo dele teve a coragem de suprimir muitos órgãos absolutamente inúteis, que serviam apenas para sugar recursos do Estado, e de abrir a economia para o Exterior, permitindo a modernização de áreas como a indústria automobilística, a telefonia e todo o vasto mundo digital.

O problema é a imagem que fica para a posteridade. Collor sempre será visto como um sujeito meio desvairado. Por culpa dele próprio. Entrevistei-o em 1989. Era um tipo que impressionava, de cima do seu metro e noventa de altura, mãos do tamanho de raquetes de tênis, olhos esbugalhados e energia explosiva. Durante um comício, terminado o discurso, ele simplesmente pulou do palanque no meio da massa e saiu marchando com uma passada que só podia ser acompanhada na corrida.

As pessoas iam abrindo caminho, meio assustadas com aquela demonstração de destemor. O comportamento messiânico valeu-lhe a eleição, mas, depois, na Presidência, ele continuou sendo um bizarro, um novo Jânio Quadros e, como Jânio Quadros, terminou o governo precocemente, em vergonha e melancolia.

Collor e Jânio Quadros são inegavelmente vilões da História. São os presidentes mais excêntricos da República. Se fossem césares da Roma antiga, seriam Nero, Calígula, Heliogábalo, Cômodo. Se fossem ditadores modernos, seriam Mussolini, Idi Amim, Kadafi. Digo isso tudo para ressaltar que, de certa forma, Collor merece o rótulo recebido. Porém, por mais marqueteiro que fosse, e era, ele jamais conseguiu explorar seus méritos. A antipropaganda foi mais forte.

Agora não adianta mais espernear. O que fica é a imagem consolidada. Veja o caso do Grêmio e a sua Arena. O Grêmio foi capaz de, com recursos próprios, levantar um dos melhores estádios do Brasil, um estádio flamante, cheio de qualidades, mas o Grêmio só diz da Arena o que a Arena tem de ruim. É o caso mais neurótico de antipropaganda que já vi no futebol.

Os dirigentes do clube foram capazes de semear dúvida onde antes só havia orgulho. Mais do que erro tático, trata-se de um erro estratégico, e erros estratégicos se eternizam. A Arena poderia ser um Lula ou um Juscelino – desses, nada do que se diga desfará a imagem de malandros vitoriosos. Os gremistas estão transformando a Arena num Jânio ou num Collor – esses, nenhuma ponderação lhes salvará do folclore da História.

OS ARRUMADORES

Alguns (raros) jogadores são arrumadores de time. Mauro Galvão, sozinho, arrumava uma defesa. Mauro Galvão era capaz de carregar companheiros toscos, como Odvan, para a glória da Seleção Brasileira.

Mas Mauro Galvão fazia seu trabalho de mudança em silêncio. Outros, como Figueroa, Oberdan e Sandro Goiano, mudaram times com o verbo, com a afronta, com o queixo erguido e o peito estufado.

Há também os que elevam um time com sua técnica pura: Falcão e Carpegiani; Tadeu Ricci e Valdo; Jonas e, agora, Aránguiz. A movimentação de Aránguiz transformou o time do Inter. Ele não apenas dá o passe correto, ele faz o cruzamento insinuante; ele não apenas chega de surpresa na área inimiga, ele entra na área, arremata e faz o gol; ele descobre espaços onde antes só havia o negror da defesa inimiga, ele sabe se posicionar para fechá-los quando necessário.


Aránguiz é o trunfo do Inter de 2014.