sexta-feira, 21 de novembro de 2014


21 de novembro de 2014 | N° 17990
 DAVID COIMBRA

As perguntas que teremos de responder

Se fosse gastar mais de um parágrafo escrevendo sobre gente que clama por intervenção militar no Brasil, me sentiria tão vazio quanto se gastasse mais de duas linhas com gente que sai à rua pelada. A diferença é que estes, os pelados, não fazem mal a ninguém, são apenas bizarros, e aqueles, os saudosos da ditadura, fariam mal, se sucesso tivessem; são patéticos.

Dilma foi reeleita com legitimidade. Só poderá ser arrancada do cargo com legitimidade, como o foi Collor. Os escândalos de corrupção podem levar a tanto? Aí já é outra discussão. Aí quem protesta contra o governo também o faz com legitimidade e tem toda a razão de ganhar o cimento das avenidas e pedir cabeças em bandejas, até porque esse caso policial está só no início.

A corrupção corre como seiva pelo caule do governo, é verdade, mas também é verdade o que os governistas alegam em defesa: que esse mal não é novo. Paulo Francis morreu denunciando roubalheira na Petrobras, e isso se deu em 1997, em meio ao governo Fernando Henrique.

A diferença é que, agora, a corrupção está mais entranhada na administração pública, é mais sistêmica, mais caudalosa e, principalmente, está sendo comprovada. E não porque o governo teve “vontade política”. Isso é balela. Dizer que o atual governo “permite” as investigações é o mesmo que dizer que os militares “concederam” a volta da democracia. A redemocratização e a independência da Polícia Federal, do Ministério Público e da imprensa são conquistas da sociedade brasileira, e não fruto da benevolência do governo. De qualquer governo. Ao contrário: este governo (e outros) calaria a imprensa, ataria o Ministério Público e sabotaria a Polícia Federal, se lhe dessem instrumentos para isso. Já tentou e, pelo menos por enquanto, não conseguiu.

O que há no Brasil é um quadro novo, com instituições fortalecidas pela prática democrática e uma ferramenta legal que foi aperfeiçoada nos últimos anos: a delação premiada.

Esse juiz, Sergio Moro, pode, bem sustentado pelo Ministério Público, pela Polícia Federal, pela imprensa e pela população, ele pode transformar a República. Aliás, abre parêntese: vale pagar R$ 4 mil a mais de salário para um juiz desses? Fecha parêntese.

Retomando: o que a magistratura e a PF estão realizando pode ser algo renovador e saudável para o país, pode fundar um Brasil diferente, se houver punição dos responsáveis por todos esses crimes. Agora: a punição atingirá os atuais e os ex-governantes? Essa a primeira pergunta palpitante.

Tome Fernando Henrique. Ele foi ministro das Relações Exteriores e da Fazenda no governo Itamar, e depois duas vezes presidente da República.

Tome Dilma Rousseff. Ela foi ministra-chefe da Casa Civil, foi ministra das Minas e Energia, foi a “mãe do PAC” e foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras no governo Lula, e agora entrará no seu segundo mandato como presidente da República.

Com tamanha bagagem de um e outra, é de se duvidar que não soubessem das irregularidades que grassam pelos corredores do poder, mas, por conhecer o comportamento e a história de um e outra, é de se duvidar que sejam corruptos. Ninguém irá dizer que Dilma e Fernando Henrique enriqueceram no Planalto. Não enriqueceram.

Surgem, então, perguntas mais sofisticadas. A passividade de governantes e ex-governantes será o suficiente para levá-los à punição? A sociedade brasileira terá estrutura para, em nome da estabilidade, conviver com um governo que a enganou? O governo conseguirá dirigir o país sustentado tão somente pelos argumentos de que em outras gestões também houve roubo, de que todos os ladrões são iguais e que, saindo um grupo corrupto, outro entrará em seu lugar?


São questões que o Brasil provavelmente terá de debater em breve, quando o resto do lixo for regurgitado pelos esgotos de Brasília. Mas sempre dentro da legalidade, sempre dentro da norma constitucional, sem essas ridicularias de intervenção militar. Disso, nem me ocupo. A isso, prefiro perder tempo teorizando sobre os pelados de Porto Alegre.