sábado, 29 de novembro de 2014


30 de novembro de 2014 | N° 17999
L. F. VERISSIMO

Improvisos

Mike Nichols e Elaine May formavam um par cômico. Os dois em início de carreira. Parte do número deles consistia em pedir que alguém da plateia sugerisse um tema sobre o qual improvisariam. E, mais, que o público também sugerisse o tom e o estilo do improviso. Por exemplo: a queda do Império Romano contada como uma opereta da Belle Époque, ou Guerra e Paz numa versão gospel.

Os dois inventavam, na hora, cenas, diálogos e letras de acordo com os pedidos, e nunca eram menos que brilhantes. Quando o duo se desfez, Mike Nichols foi ser um diretor de teatro e cinema famoso, Elaine May uma roteirista, diretora e atriz não tão famosa. Nichols morreu na semana passada. May, me informa o Google, ainda está viva.

Imaginei como eles atenderiam a um pedido para contar o que se passa no Brasil, hoje, no estilo de um filme noir americano dos anos 40.

– O sujo do Al (“Maleta”) Youssef está contando tudo. Dando nomes, cifras, tudo. Eles chamam de delação premiada. Eu chamo de canalhice.

– Precisamos matar esse canário.

– Difícil. Ele está na gaiola. – Gaiola? – Prisão.

– Ah. Não tem ninguém da nossa gangue lá dentro que possa envenená-lo?

– Você está brincando? Toda a nossa gangue está lá dentro!

Dilma indecisa quanto à formação do seu ministério, num solilóquio shakespeariano:

“Ser ou não ser de esquerda, quando a direita me chama como um abismo...

Ser autêntica e atrair a ira de um Congresso rebelde e de um mercado que treme como num sismo?

Ou esquecer ideais e aceitar os conselhos de alguém que não sou eu

E escolher o Levy e a Katia Abreu?”

A falta d’água, em São Paulo, recontada como uma parábola bíblica:

“E Deus apareceu para Alckmin e disse: ‘Suas preces foram ouvidas, choverá 40 dias’. E Alckmin disse: ‘Sério?’. E Deus disse: ‘Palavra de Deus’. E instruiu: ‘Construa uma arca, pois a chuva trará um grande dilúvio que cobrirá São Paulo, e só os que estiverem na arca sobreviverão’. E Alckmin disse: ‘Senhor, obrigado pela boa intenção, mas...’.

E ponderou: em vez de fazer chover por 40 dias e submergir São Paulo, por que Deus não regulava a quantidade do que cairia sobre o Estado, como sempre fizera, e mandasse apenas o bastante para encher os reservatórios? Não era preciso nada espetacular como 40 dias de chuva, ou pouco prático como uma arca em que coubesse todo mundo.

Ou quase todo mundo. Sim, porque haveria a questão política: quem incluir e quem excluir da arca? Quem salvar do dilúvio para reconstruir São Paulo quando as águas baixassem? Não poderia ser só gente do PSDB, por mais que isso fosse o recomendável. Outra coisa: só seria possível construir a arca com auxílio do governo federal. Deus teria que aparecer para a Dilma, também, e convencê-la a ajudar. Depois, haveria a questão de dividir os créditos pela obra. O PT fatalmente iria querer ser reconhecido. E outra coisa... Mas Deus já estava se afastando, dizendo ‘Esquece, esquece...’


Alckmin ainda gritou: ‘Quem sabe 10 dias de chuva? Quinze?’. Mas Deus já tinha desaparecido”.