Jaime
Cimenti
Relatos da vida selvagem
Sai
milênio e entra milênio, os seres “humanos” seguem violentos, com a
agressividade latente debaixo dos mantos e vernizes da “civilização”. Meu
professor de Filosofia no Julinho, lá por 1970, dizia que somos os mesmos, só que
agora com cigarro e abajur. Por aí. Somos uns bichos vestidos. Freud destampou-nos,
jogou umas luzes em nossos porões, mas seguem as brigas e as pauleiras.
Sábado
à noite me convidam para um cineminha. Achei que era tragicomédia, que ia me
divertir e distrair um pouco. Entro na sala, no Shopping Moinhos: Relatos
selvagens, produção do Almodóvar, direção de Damian Szifrón, com Ricardo Darín
e outros. O filme abriu a 38ª Edição da Mostra Internacional de São Paulo. É o
maior sucesso comercial da história recente do cinema argentino. O público e a
crítica elogiaram a película. Até concordo.
As
seis histórias de humor negro e mega-violência lembram Tarantino, só que nessas
narrativas os bandidos somos nós mesmos, pacatos cidadãos. Ao menos, até alguma
coisinha fazer nosso lado “animal selvagem” pular na jugular do próximo. O
pupilo de Almodóvar vai mais longe que ele para mostrar que estamos entre
civilização e barbárie. Ele é um Almodóvar punk.
Esse
fascínio de ver o próximo morrendo na nossa frente, se dando mal, se desgraçando,
sendo crucificado, apedrejado, violentado por gladiadores e tal é coisa mais
antiga do que contar histórias nas cavernas pré-históricas. A galera sempre
quis e quer mais é ver o circo pegar fogo, traçar churrasco de palhaço, comer
elefante assado e assistir programas de
TV, de rádio e debates que triturem os rostos , as almas e as vísceras dos
oponentes, para seu doce deleite.
O
interessante é ver parte da platéia, gente fina, elegante e sincera, senhoras e
senhoras de meia-idade, doutorados, vestidos com grifes, rindo das cenas em que
toneladas de massa de tomate e dezenas viram sangue e a brutalidade surge
normal como o nascer do sol. Interessante? Normal.
Depois
da violência na telona, é sair comentando sobre o último assalto, o último
crime e o último bate-boca nos parlamentos ou nas mídias e traçar um bom jantar.
Ah,
depois das agressões na telona e na telinha, nada mal pensar numa República,
mais, tipo assim, Republicana, com mais diálogo, paz, serenidade, algum espírito
de Natal e menos tensão. Feliz República Pacífica!
Jaime
Cimenti