sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Jaime Cimenti

Relatos da vida selvagem

Sai milênio e entra milênio, os seres “humanos” seguem violentos, com a agressividade latente debaixo dos mantos e vernizes da “civilização”. Meu professor de Filosofia no Julinho, lá por 1970, dizia que somos os mesmos, só que agora com cigarro e abajur. Por aí. Somos uns bichos vestidos. Freud destampou-nos, jogou umas luzes em nossos porões, mas seguem as brigas e as pauleiras.

Sábado à noite me convidam para um cineminha. Achei que era tragicomédia, que ia me divertir e distrair um pouco. Entro na sala, no Shopping Moinhos: Relatos selvagens, produção do Almodóvar, direção de Damian Szifrón, com Ricardo Darín e outros. O filme abriu a 38ª Edição da Mostra Internacional de São Paulo. É o maior sucesso comercial da história recente do cinema argentino. O público e a crítica elogiaram a película. Até concordo.

As seis histórias de humor negro e mega-violência lembram Tarantino, só que nessas narrativas os bandidos somos nós mesmos, pacatos cidadãos. Ao menos, até alguma coisinha fazer nosso lado “animal selvagem” pular na jugular do próximo. O pupilo de Almodóvar vai mais longe que ele para mostrar que estamos entre civilização e barbárie. Ele é um Almodóvar punk.

Esse fascínio de ver o próximo morrendo na nossa frente, se dando mal, se desgraçando, sendo crucificado, apedrejado, violentado por gladiadores e tal é coisa mais antiga do que contar histórias nas cavernas pré-históricas. A galera sempre quis e quer mais é ver o circo pegar fogo, traçar churrasco de palhaço, comer elefante assado  e assistir programas de TV, de rádio e debates que triturem os rostos , as almas e as vísceras dos oponentes, para seu  doce deleite.

O interessante é ver parte da platéia, gente fina, elegante e sincera, senhoras e senhoras de meia-idade, doutorados, vestidos com grifes, rindo das cenas em que toneladas de massa de tomate e dezenas viram sangue e a brutalidade surge normal como o nascer do sol. Interessante? Normal.

Depois da violência na telona, é sair comentando sobre o último assalto, o último crime e o último bate-boca nos parlamentos ou nas mídias e traçar um bom jantar.

Ah, depois das agressões na telona e na telinha, nada mal pensar numa República, mais, tipo assim, Republicana, com mais diálogo, paz, serenidade, algum espírito de Natal e menos tensão. Feliz República Pacífica! 
Jaime Cimenti