sábado, 29 de novembro de 2014

WALCYR CARRASCO
28/11/2014 21h20 - Atualizado em 28/11/2014 21h26

Preço fixo

A lei que proíbe descontos acima de 5% nos livros deu certo na Europa. É uma proteção válida

Estive na Feira de Frankfurt neste ano, onde dei uma palestra sobre a criação do personagem. É a maior feira de livros do mundo. Ser convidado pela própria direção do evento lustrou meu ego. Não imaginava um espaço tão grande dedicado somente a livros. Eram 8.000 metros quadrados, divididos em vários pavilhões, por nacionalidades. Na noite anterior mal dormi, por ser minha primeira palestra em inglês. Tenho um sotaque pavoroso. Depois, concluí: numa feira com tantas nacionalidades presentes, quem não tem? Para meu alívio, ganhei aplausos. Foi bom. Quando a gente reflete sobre um tema, aprende um pouco mais, não é?

Me surpreendeu conviver com um vibrante mercado editorial. Conheci mais. Soube que Alemanha, França, Inglaterra, Espanha têm a lei do preço fixo para livros. Nas promoções, os descontos só podem chegar a 5%. Pode parecer errado. Quem não quer desconto? O problema é maior – e merece atenção.

Desde sempre, livrarias e sites, como o Submarino, vendem livros com descontos em promoções especiais. A entrada da Amazon no país aumentou a política de descontos.

Para ganhar mercado, a Amazon chega a vender livros por um valor mais baixo do que compra das editoras. Exatamente. Perde dinheiro na venda. Um dos últimos casos foi Guga, um brasileiro.  Na Amazon, saía menos que o preço da editora. A chegada da Amazon teve vários lances de bastidores. Inicialmente, exigiam 70% das editoras. Para elas, sobraria 30%. Como o autor costuma ganhar de 10% a 15% do preço de capa, houve imensas dificuldades de negociação. Ficaram, até onde sei, nos 50% de praxe. Aí veio a outra questão: a estratégia para dominar o mercado com preços mais baixos.

Do ponto de vista de quem compra, ótimo. Inicialmente. Essa política comercial leva a um domínio absoluto. Sou cliente da Amazon americana há anos e sei quanto é competente. Oferece livros dentro de meus interesses de leitura. Os pedidos chegam rapidamente. Os sites, mesmo o nacional, funcionam agilmente. A Amazon produziu uma quebradeira entre as livrarias. Imaginem o que acontecerá no Brasil, principalmente com as pequenas.

Quando meu livro Juntos para sempre saiu pela Editora Arqueiro, seguidores do Twitter me escreviam – não havia nenhum exemplar em sua cidade. A distribuição da Arqueiro é das melhores. Mas as pequenas livrarias dependem de um trabalho de formiguinha de distribuidores regionais.

 Portanto, se a Amazon perder dinheiro para ganhar mercado, ganhará o domínio absoluto da venda de livros no Brasil. Pelo menos é o que pensam os editores. Eles já se movimentam. Recentemente, o Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel) e a Associação Nacional de Livrarias (ANL) organizaram um seminário sobre o tema. Paralelamente, algumas editoras pararam de vender à Amazon.

– Se continuar assim, em pouco tempo dependeremos só dela. A Amazon ditará as regras – diz um editor.

O catálogo Avon, um dos maiores canais de venda de livros do país, também pratica preços abaixo do mercado. Mas a Avon é uma empresa de cosméticos, escolhe somente alguns títulos para promover.

O maior comprador de livros no país é o governo. Por meio de seu programa de incentivo à leitura, o PNLL, compra e distribui não só didáticos, mas literatura, a escolas, bibliotecas. Obviamente, uma compra governamental, pelo volume, ganha descontos especiais. Digo por mim: certa vez vendi 2 milhões de exemplares de um único título, Os miseráveis, traduzido e adaptado por mim. A editora fez um preço superespecial, e todos saímos sorrindo.

A luta pela lei do preço fixo é uma tentativa para conter a Amazon. Há ressalvas: o preço só valeria por alguns meses, no calor do lançamento; compras governamentais ficariam de fora.

A lei deu certo nos países europeus, com uma válida proteção do mercado. É preciso ter agilidade para implantá-la. Poucos editores confessam, mas são obrigados, ao adquirir os direitos de um best-seller de calibre, a comprar um pacote de títulos sem expressão, a traduzi-los e a lançá-los. Isso tira espaço de autores nacionais. Gráficas também estão quebrando. Há editoras que imprimem seus livros na China. Não entendo como imprimir na China e transportar o livro para cá seja mais barato. Mas é. A luta pelo preço fixo pode parecer contrária ao leitor. Mas só num primeiro momento. Seu resultado será a defesa de nosso mercado cultural.