04
de dezembro de 2014 | N° 18003
L.
F. VERISSIMO
Má fase
“Rebaixamento”
tem uma conotação meio fúnebre, tem não? Soa como enterro, sepultamento, algo
definitivo. Claro que não é nada disso. O time que cai para a segunda divisão
tem um privilégio que nenhum morto tem, o de poder voltar. O Fluminense, por
exemplo, foi rebaixado até as cavernas do inferno e voltou espetacularmente, à vida
e à primeira divisão. Qualquer grande clube pode ser vítima dessa maldição que
ronda o mundo do futebol, que é a má fase. A terrível má fase.
Quando
entra numa má fase – um misterioso período da vida de um clube em que nada dá
certo e os vexames se acumulam – não há o que fazer. A má fase é como um vírus
de origem desconhecida e terapia impossível que derruba grandes e pequenos do
mesmo modo. A única maneira de enfrentar uma má fase é como se enfrenta uma
tormenta: esperando que passe. (Tentar melhorar a administração do clube e o
seu plantel também ajuda, claro.)
A
torcida do Botafogo tem um consolo adicional para a má fase do seu time. Existe
a velha máxima, dita com um certo orgulho fatalista, de que certas coisas só
acontecem com o Botafogo. Não é verdade, ninguém está livre de sucumbir a fases
ainda piores do que a dele – veja-se o Vasco.
Mas,
no caso do Botafogo, a dor do rebaixamento é atenuada pela lembrança de que o
clube tem uma vocação para o drama. Viver um momento de completa descrença no
time é reafirmar, ao mesmo tempo, o folclore que o diferencia de todos os
outros. Assim, quanto pior for a situação do time, melhor a literatura que o
cerca.
O
rebaixamento fortalecerá o folclore. Sofreremos como nenhuma outra torcida, e
voltaremos dos mortos em 2015 – está bem, talvez 2016 – purgados e triunfantes.
E a estrela solitária se erguerá das cinzas, como já aconteceu antes, e
brilhará no céu da pátria outra vez.
O
COMEÇO
Leitura
recomendada para os nostálgicos da ditadura: a entrevista com o historiador
Pedro Henrique Pedreira Campos publicada pela Folha de S. Paulo na
segunda-feira. Pedro Henrique é o autor do livro Estranhas Catedrais – As
empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, recém publicado. Na sua
pesquisa de quatro anos para o livro, ele estudou a participação das
empreiteiras no golpe de 64 e a sua relação com o governo militar que se seguiu
e os casos de corrupção, que na época eram acobertados porque não existia
fiscalização, a imprensa era censurada e qualquer crítica era considerada
contestação ao regime.
O
poder das empreiteiras, que nasceu no governo Juscelino, aumentou com seu
acesso direto ao Estado ditatorial e sobreviveu ao fim da ditadura, com os
mesmos maus hábitos. Pedro Henrique diz que, na era dos militares, a
apropriação do Estado pelas empreiteiras era até maior do que o que está sendo
revelado hoje por instituições democráticas como o Ministério Público e a
Polícia Federal. Mas também reconhece que foram mantidas certas estruturas, em
relação à distribuição de cargos e aparelhamento político, que facilitam a
corrupção.