13
de dezembro de 2014 | N° 18012
CLAUDIA
LAITANO
Cafajeste
ostentação
Há o
sujeito que cometerá as piores vilanias sem jamais tomarmos conhecimento. O
cafajeste low profile age com a discrição e a meticulosidade de um relojoeiro.
É muito difícil flagrá-lo ou responsabilizá-lo por seus atos – e, quando sua
verdadeira natureza vem à tona, muitas vezes já é tarde demais para qualquer
tipo de justiça ou reparação.
Ninguém
está livre de conviver com o cafajeste discreto sem ter a mínima ideia do que
ele faz ou pensa, e ele é tão mais perigoso quanto mais difícil é reconhecê-lo.
Há no seu teatro de polidez e bons modos, porém, o reconhecimento tácito de que
existem comportamentos, opiniões e mesmo inclinações patológicas de caráter que
devem permanecer ocultas da maioria razoável – como uma suástica escondida no
fundo de uma piscina.
No
outro extremo da torpeza, encontramos o cafajeste modelo ostentação, aquele
tipo que não apenas não esconde as barbaridades que pensa, por mais que elas se
choquem com a pauta mínima de bom senso e civilidade observada pela maioria,
como se orgulha do fato de ser “autêntico” e de não se curvar ao “politicamente
correto”.
O
paladino das trevas percebe a si próprio como o arauto de um paraíso perdido –
um mundo em que se sentia mais seguro e poderoso, mas que ele sabe, melhor do
que ninguém, que não existe mais. Sua infausta nostalgia é compartilhada por
pessoas que pensam e sentem como ele, mas não dispõem da tribuna – ou da
ousadia – para proferir em público o que resmungam na intimidade e nas caixas
de comentários anônimas da internet.
Se o
cafajeste low profile assusta pela inteligência e pela capacidade de agir sem
chamar a atenção, adaptando-se ao hospedeiro como um vírus que busca aumentar
suas chances de sobrevivência, o cafajeste ostentação normalmente é considerado
tolo ou mesmo inofensivo. Como um resfriado: incomoda, é inconveniente, mas não
é sério. É muito fácil tomá-lo por louco ou simplório, o que lhe dá
tranquilidade e espaço para exercitar seu histrionismo de opereta sem ser
incomodado.
O
cafajeste low profile é cosmopolita e capaz de adaptar-se a qualquer cenário ou
paisagem, dado que age longe do escrutínio público. O cafajeste ostentação, por
sua vez, é provinciano. Terá o espaço e a feição que as circunstâncias lhe
oferecerem. Se habita uma sociedade suficientemente permissiva e atrasada para
colocá-lo diante de uma caixa de ressonância que amplia seu delírio, continuará
testando os limites de indignidade até encontrar algum ponto de resistência. Se
encontrar.
O
cafajeste ostentação sobrevive menos pela aprovação de quem se sente
representado por ele do que pelo grau de tolerância da sociedade que o hospeda.
Enquanto se aceitar, passivamente, que qualquer tipo de vilania seja
justificado por uma ideia distorcida de democracia, que legitima a violência e
a incitação ao crime, o cafajeste fanfarrão vai continuar crescendo. Não como
um resfriado, mas como um câncer.