segunda-feira, 5 de janeiro de 2015


05 de janeiro de 2015 | N° 18033
DAVID COIMBRA

É bom ser da imprensa burguesa

Eu faço parte da imprensa burguesa. É legal. Todo dia 5 recebo meu salário direitinho e não dependo de financiamento oficial. Quer dizer: não preciso ficar elogiando o governo. Já pensou ter de elogiar, por exemplo, a nomeação de Aldo Rebelo como ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação?

Seria dureza.

Não que ache Aldo Rebelo má pessoa, não o conheço o suficiente para dizer se ele é boa ou má pessoa, mas, por sua atuação como homem público, posso, sim, dizer que o homem é uma espécie de inimigo exatamente da ciência, da tecnologia e da inovação.

Aldo Rebelo, imagine, foi autor de um projeto que propunha proibir a adoção de inovações tecnológicas nos órgãos públicos, com a justificativa de preservar empregos. Não é uma ideia nova. Alguns já a tiveram no começo da Revolução Industrial. Mas, de lá para cá, caiu em desuso, como a sangria como método terapêutico.

O raciocínio do ministro é o seguinte: para assegurar o trabalho das datilógrafas e dos operários das fábricas de máquinas de escrever, não haveria computadores no serviço público brasileiro. Sério! O ministro da Inovação Tecnológica apresentou um projeto contra a inovação tecnológica!

Outro projeto, digamos, original de Aldo Rebelo foi aquele famoso que queria proibir o uso de palavras de raiz estrangeira no Brasil. O YouTube, por exemplo, seria chamado de “Tutubo”. Nessa linha nacionalista há outra proposta de Aldo Rebelo, esta mimosa: a de substituir as festinhas de Halloween pelo Dia Nacional do Saci-Pererê.

Para evitar que você comece a chorar de rir, vou citar só mais um projeto do nobre parlamentar comunista (só podia). É o célebre “Pró-Mandioca”, que obrigaria o acréscimo de 10% de raspa do brasileiríssimo aipim à farinha de trigo da qual se faz o pão.

Mas vá que você não ache importante esse ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Certo. Talvez não seja muito importante mesmo. Mas o da Educação é, não é? Claro que é, inclusive o novo lema do governo é “Brasil, pátria educadora”. Lindo. Só que o flamante ministro da Educação, Cid Gomes, diz que os professores não devem trabalhar por dinheiro. Segundo ele, o presidente, os ministros, os senadores, os governadores, os deputados, os vereadores, os policiais e os professores devem trabalhar só por amor; se quiserem dinheiro, devem procurar a iniciativa privada. Parece que os professores e os policiais concordam com o ministro, eles só trabalham por amor. Agora falta convencer os senadores, governadores, deputados, ministros, vereadores...

Isso ainda é pouco, acredite, porque o novo ministro dos Esportes, um pastor com apropriado nome de lateral-direito, George Hilton, foi expulso do PFL sob acusação de corrupção.

Vou repetir: ele foi expulso do PFL por ser acusado de corrupção. Você entende o que isso significa? O homem foi expulso DO PFL! Do PFL, entendeu? Pê Efe Ele! Por corrupção!

Credo. Aliás, outros dois novíssimos ministros, Gilberto Kassab e Kátia Abreu, também vieram do PFL, e o Garotinho vai para uma vice-presidência do Banco do Brasil, e o ministro dos Transportes enfrenta processos na Justiça e já foi condenado a devolver R$ 70 milhões aos cofres públicos, e a Petrobras...

Deixa assim.


É o que basta para me solidarizar com os jornalistas sustentados pelo governo e que têm de achar meios de elogiá-lo. Vou continuar aqui, na trincheira segura da imprensa burguesa, criticando o governo de vez em quando. Pelo menos até o PT conseguir aprovar seu famoso projeto português de censura. Aí, bom, sempre posso contar para vocês como o marido da Gisele Bündchen se saiu no jogo dos Patriots.