11 de janeiro de 2015 |
N° 18039
PAULO FAGUNDES
VISENTINI
A história como comédia: a Sony e a Coreia do
Norte
A política internacional
geralmente é enfadonha ou trágica, mas também pode ser divertida. Um importante
filósofo europeu disse que a história se repete, uma vez como tragédia e outra
como farsa ou comédia. Em dezembro de 2014, um episódio envolvendo uma comédia
juvenil caricata sobre o líder norte-coreano Kim Jong-un, o estúdio Sony e a
Coreia do Norte, resgatou a famosa frase.
Até então mostrado como um Estado
atrasadíssimo e à beira do colapso, essa nação foi acusada por autoridades
americanas, sem qualquer prova ou mesmo indício, de estar por trás do
sofisticado ataque cibernético de hackers, o qual teria revelado na internet
informações sigilosas da Sony. E, pior, de ter ameaçado realizar atentados a
salas de cinema que exibissem a película.
A “Guerra Fria”, encerrada na
semana anterior com o reatamento diplomático EUA-Cuba, reviveu com intensidade.
Por coincidência, quando Obama era atacado por sua leniência com o socialismo
cubano, pode retomar o velho discurso da Guerra Fria contra a Coreia do Norte,
e o acordo com Cuba fica esquecido. Espalhou-se, inclusive, o boato de que o
“terrorismo”, que passou a incluir os coreanos, teria selado um pacto com os hackers
para promover novas maldades. Mas foi, então, a Coreia do Norte a vitima de um
ataque cibernético que tirou seus sites do ar.
Todavia, o presidente da Sony,
“corajosamente”, voltou atrás e projetou o filme, sem se intimidar. O público
correu a assistir e a companhia lucrou milhões com o incidente. Membros do
Conselho de Segurança da ONU aproveitaram a ocasião para propor o indiciamento
de Kim Jong-un por “crimes contra a humanidade”, embora ele esteja no poder há
apenas três anos e o regime seja hoje muito mais tolerante do que no passado. É
uma perigosa banalização do conceito, que pode esvaziá-lo.
A família Kim, apesar do discurso
antiamericano recorrente e legitimador, tem um gosto curioso. O jovem líder,
que cursou o colégio na Suíça, é um tipo comunicativo e informal. Nada a ver
com o personagem do filme, ao qual provavelmente assistirá. Seu pai, segundo a
ex-Secretária de Estado Madeleine Albright, era apaixonado por cinema e possuía
a maior coleção hollywoodiana que ela já vira. Seu irmão mais velho, com a
família, foi barrado em Tóquio em 2001 com passaportes falsos, quando viajava
para a Disneylândia.
Conforme os interesses do
momento, a Coreia do Norte pode ser atrasada ou letal, a ponto das pessoas se
tornarem incapazes de diferenciar ficção e realidade. Seu regime é inaceitável
nesta metade do mundo, mas o caso é um exagero. As ameaças, reais ou forjadas,
representam uma indispensável ferramenta da política e da psique humana.
Todavia, não se deve abusar, mesmo que o ridículo e a comedia não tenham
limites.
PAULO FAGUNDES VISENTINI
É HISTORIADOR, PROFESSOR TITULAR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UFRGS. ESCREVE
MENSALMENTE