ELIO GASPARI
Bolsa para todos, ou para ninguém
Com dinheiro da Viúva, cozinha-se
de novo um mimo para os metalúrgicos e para as montadoras em crise
No ano passado as montadoras de
veículos dispensaram 12,4 mil trabalhadores. Neste ano a Volkswagen disse que
dispensará mais 800, e a Mercedes-Benz, 244. Disso resultaram greves nas duas empresas.
Para um começo de ano, nada pior, e isso é apenas o começo. Só o tempo dirá se
Dilma Rousseff e Joaquim Levy vivem no mesmo país, mas o bafo do desemprego de
metalúrgicos acordou uma velha ideia: a empresa dispensa o trabalhador e ele
vai para casa com uma parte do salário.
O pulo do gato está na identidade
de quem paga. Copiando-se uma iniciativa alemã, a empresa pagaria uma parte, e
a Viúva, outra. Seria a Bolsa Metalúrgico, ou Bolsa Montadora. Isso num governo
que acaba de mandar ao Congresso uma medida provisória apertando as exigências
feitas a todos os trabalhadores para o acesso ao seguro-desemprego.
Essa ideia já apareceu no início
de 2014, quando as vendas de veículos começaram a cair. A analogia com o modelo
alemão é mistificadora. Lá, a crise que criou esse gatilho ocorreu em 2009,
quando a venda de veículos caiu 30%, o PIB contraiu-se 4%. Em Pindorama a
situação é diferente. Ademais, nos últimos anos o mercado de veículos foi
estimulado por uma renúncia fiscal de R$ 12,3 bilhões e nem todas as montadoras
estão perdendo competitividade.
Não faz sentido botar dinheiro da
Viúva para socorrer metalúrgicos e montadoras. Se o mecanismo é bom, deveria
valer também para todos os outros setores da economia e para todas as
categorias de trabalhadores.
O governo tem dinheiro para ficar
com parte da conta? O doutor Levy sabe que não. No seu discurso de posse o novo
ministro da Fazenda fez uma crítica do patrimonialismo, "a pior
privatização da coisa pública". Citando o historiador Raymundo Faoro,
apontou os malefícios do Estado centralizador, com os viscondes e marqueses do
império.
Tudo bem, muitos são os males do
Estado, mas Faoro mostrou, num quadro do século 19 que persiste no 21, que há
gente na outra ponta do problema. Ele escreveu o seguinte:
"O empresário quer a
indústria, mas solicita a proteção alfandegária e o crédito público. Duas
etapas constituem o ideal do empresário: na cúpula, o amparo estatal; no nível
da empresa, a livre iniciativa."
CONEXÕES
É compreensível que as
inves-tigações das petrorroubalheiras partam de indícios para lapidar
suspeitas. Ainda assim, uma coisa é juntar peças de um quebra-cabeças, e outra
é construir teorias a partir de simples conexões.
A visitou B que telefonou para C
e reuniu-se com D pode significar alguma coisa, mas qualquer relação de A com D
precisará ser provada.
Num exemplo com personagens bem
mais divertidos que os maganos das petrorroubalheiras:
Em 1938 o milionário Joseph
Kennedy namorou a atriz alemã Marlene Dietrich. Mais tarde, Marlene namorou Marilyn
Monroe, que por sua vez namorou o presidente John Kennedy, que em 1963 namorou
La Dietrich.
E daí? Não se pode dizer Joseph e
seu filho John tenham dormido juntos.
ELETROSURINAME
A Eletropaulo levou nove horas
para atender ao pedido de um hospital que ficara sem energia. Um parto foi
realizado com iluminação de celulares, e um bebê foi ventilado manualmente.
A empresa diz que foi um problema
pontual. Tudo bem.
Na próxima vez que o presidente
da Eletropaulo, doutor Britaldo Soares, pedir uma audiência ao ministro de
Minas e Energia, ele poderá marcá-la para as 10h, recebendo-o às 19h, com as
luzes ligadas.
FIM DE UM TIPO
O presidente François Hollande é
a encarnação de um desastre, mas, por pior que seja seu desempenho, ele terá um
mérito histórico: mandou para o lixo a figura do socialista francês, um sujeito
que a gente não entende, mas de quem se gosta, sem saber direito por quê.
OS FUNDOS NA FRENTE
O próximo capítulo das
petror-roubalheiras começou a deslocar-se na direção dos grandes fundos de
pensão de estatais. A conta é simples: em quase todas as transações das
empreiteiras, elas entravam com projetos e amizades, mas o dinheiro saía desses
fundos.
Por exemplo: o aeroporto de
Guarulhos foi entregue a um consórcio liderado pela empreiteira OAS. Nele, são
parceiros os fundos Petros e Funcef, dos servidores da Petrobras e da Caixa. Em
setembro passado o Petros tinha um deficit de R$ 5,5 bilhões, e o do Funcef
estava em R$ 4,9 bilhões.
CAUTELAS BANCÁRIAS
Há dezenas de contas de
brasileiros bloqueadas em bancos europeus. Em alguns casos, os bloqueios foram
pedidos pelo governo, em outros, foi por precaução dos bancos. Na ponta
nacional, em pelo menos um grande banco, por cautela, foram afastados alguns
gerentes e superintendentes por cujas mesas passaram negócios outrora
magníficos.
FRITURA
Há um mistério no lance da
irritação da doutora Dilma com as declarações do ministro Nelson Barbosa sobre
o salário mínimo. Ela estava na praia. Entende-se que pediu-lhe uma
retificação, mas isso poderia ter sido feito discretamente, sem a teatralização
de uma reprimenda escolar.
Se o acompanhamento sinfônico
dado ao episódio saiu do Planalto, o que há por lá não é mais uma frigideira. É
grelha mesmo.
DOIS COCOS
A ação da Petrobras caiu abaixo
de R$ 10. Custa menos que dois cocos nos quiosques de Ipanema, onde cada um sai
por R$ 5.
CHIORO CULPA O CLIENTE DO PLANO
DE SAÚDE
O ministro da Saúde, comissário
Arthur Chioro, gostaria que a sociedade brasileira debatesse melhor a questão
do financiamento da saúde. Leia-se, mais impostos. Numa entrevista à repórter
Ligia Formenti, ele mostrou que é um homem de novas ideias. Novas e ruins.
Referindo-se aos planos de saúde privados, disse o seguinte:
"O que não dá é as pessoas
quererem ter um plano de saúde e não pagar o valor real. É o famoso 'finjo que
estou te cobrando' e você 'finge que está pagando'".
As "pessoas" pagam o
que as operadoras cobram. Pelo que diz o ministro, se há planos de saúde que
enganam clientes, a responsabilidade não seria das empresas, mas dessas
"pessoas", os clientes, consumidores. De onde Chioro tirou a gracinha
do "finjo que estou te cobrando e você finge que está pagando?" Ele
ganha uma viagem a Cuba se souber de uma operadora que "finge"
cobrar. Quando o ministro da Saúde diz que existe alguém que "finge que
está pagando", simplesmente ofende aqueles que desembolsam suas
mensalidades.
Na mesma entrevista, Chioro
mostrou que "no final de contas fica um jogo entre um que não quer que use
(os serviços médicos) e outro que quer usar". Tudo bem, mas quem
"quer usar" pagou. E aquele que "não quer que use" recebeu.