LUIZ
FELIPE PONDÉ
O mercado do
narcisismo
Todo
mundo muito bonitinho na fita, vendendo a pose de que é uma geração de
evoluídos
Uma
nova geração de seres humanos parece estar chegando. Alguns arriscam chamar de
"novos jovens".
Uma
geração que não sofre das fraquezas comuns dos mortais. No terreno dos afetos,
ciúmes e inseguranças comuns no mundo romântico, eles parecem ter resolvido um
drama muito antigo que é o medo de não ser amado.
Desde
a separação da atriz Gwyneth Paltrow e seu ex-marido Coldplay no ano passado e
suas declarações no Facebook de que "agora" a família deles estava
melhor e que eles não sofreram com o fim do casamento, uma enxurrada de casais
bem resolvidos desfilam na passarela. Nós, os miseráveis ultrapassados, que não
sabemos o que fazer com nossas inseguranças, babamos de inveja desta geração de
bem nascidos sem ciúmes.
Eu,
que desconfio de todo mundo bem resolvido, não engulo esse papinho furado
típico do marketing de comportamento. Não creio no avanço moral da humanidade,
duvido dessas declarações felizes. Mas, se são falsas, de onde elas saem?
Fácil
de adivinhar: saem do velho e bom narcisismo contemporâneo. Esta cultura,
baseada no fracasso do investimento na prole e em vínculos duradouros, cai bem
num mundo de gente bem resolvida. Existem até psicoterapeutas e psicanalistas
que começam a abraçar a causa da cultura do narcisismo afirmando que
narcisistas são melhor adaptados ao mundo contemporâneo porque não sofrem dos
sofrimentos imaginários dos neuróticos que idealizam o amor.
Isso
mesmo, um desses dias a psicanálise, que tanto resistiu às baboseiras do século
20, tombará sob o peso do mercado do narcisismo.
O
mercado do narcisismo, além de investir em apartamentos singles com um parque
de diversão na área social, vende, basicamente, estilos de vida e modas de
comportamentos. Essas modas se concentram no cotidiano. Alimentação, lazer,
trabalhos sem muito vínculo, relacionamentos solúveis na busca de autoestima.
A
simples ideia de que narcisistas resolvem melhor a vida já demonstra a raiz da
hipótese: a solução para a insolúvel vida afetiva é não ter muitos afetos afora
aqueles que são autorreferenciais. Todo mundo muito bonitinho na fita, se
roendo por dentro, mas vendendo a pose de que é uma geração de evoluídos.
A
tese segundo a qual esse comportamento seria uma evolução psíquica nasce, ao
final, da aceitação de uma certa vertente do pensamento pós-moderno. Esta tese
pressupõe que, terapeutas, ao supor que pessoas "blasés" com relação
a solidez dos vínculos são, na realidade, pessoas com pouco amadurecimento
psíquico, e, portanto, doentes, fere a natureza essencialmente socio-histórica
do ser humano. Complicado? Nem tanto.
O
pensamento pós-moderno tem uma vertente "otimista" segundo a qual
tudo é historicamente construído, e, portanto, muda. Nada é perene. Não existe
uma "natureza humana" (ponho entre aspas o termo para que os
inteligentinhos não venham com suas críticas de Facebook ao conceito de
natureza humana) a nos atormentar desde as trevas da ancestralidade. Tudo muda,
basta você mudar sua alimentação ou forma de se locomover na cidade. Um novo
estilo de se vestir gera toda um processo de evolução anímica.
Seguindo
este raciocínio, supor que o "normal" seria as pessoas buscarem
relacionamentos perenes (e que aqueles que não o fazem seriam, portanto,
imaturos) é ser anacrônico e fazer demandas atávicas para jovens que superaram
a necessidade desses mesmos relacionamentos mais consistentes.
Não
é à toa que um comportamento light como esse é, normalmente, acompanhado de
baixa fertilidade (por escolha ou mesmo por causas psicossomáticas). Filhos
demandam uma certa perenidade e bastante generosidade. Características pouco
comuns em narcisistas.
Agora,
se você tem um paciente que parece um zumbi alegre na vida afetiva, não assuma
que ele deveria ser diferente. Assuma que você é um ultrapassado e que pessoas
pós-modernas podem ser bem resolvidas e não precisam de afeto como você. Por
isso, elas são tão bonitinhas o tempo todo em eventos culturais por aí. Flanam
pelo mundo livremente porque (quase) ninguém depende delas. Fofos e velozes.