13 de junho de 2015 | N° 18192
CLÁUDIA LAITANO
Filhos do medo
Do que os meus pais tinham medo quando eu era adolescente?
Talvez de que eu engravidasse cedo ou fugisse para o Nordeste com um cabeludo
vendedor de brincos de coco. Comparados aos pais de hoje, os meus eram
terrivelmente inocentes a respeito dos insidiosos perigos que se escondem em
todas as esquinas do mundo, incluindo nossas artérias e a esfera cósmica.
A pergunta agora é: do que os pais não têm medo hoje? Da
gordura trans ao aquecimento global, passando pelos insondáveis desdobramentos
da dependência tecnológica, em relação aos nossos filhos temos medo de quase
tudo o que se move. E porque ceder ao medo virou sinônimo de ser sensato e
ensinar a ter medo parece ser a mesma coisa que ensinar a ser responsável, nos
sentimos quase recompensados quando percebemos que nossos filhos mimetizam a
bunda-molice que aprenderam em casa.
Talvez o medo de ter um enfarte aos 40 anos nos tenha
ensinado a fazer exercícios, comer menos carne e não fumar, mas viver sempre
com medo, sinto informar, também tem lá seus riscos. Para começar, o medo é
amoral. Quem se sente sob a ameaça de um exército inimigo (de doenças, de
imprevistos, mas também de humanos de outras tribos) acaba acreditando que a
violência e a intolerância podem ser estratégias legítimas de defesa – mesmo quando
a ameaça é apenas fantasiosa. Outra desvantagem não desprezível do medo é que
ele torna nosso mundo mais chato e limitado – o que pode ser um enorme problema
quando você tem 16 anos.
Nos últimos tempos, alguns filhos de pais muito medrosos têm
praticado pequenos gestos de coragem – como andar de bicicleta em cidades que
não foram preparadas para reduzir o número de automóveis ou se divertir em ruas
ou parques que não deveriam ser frequentados em determinados dias e horários.
Uma ousadia modesta, eu sei, mas que pode fazer uma grande diferença em uma
cidade de porte médio como Porto Alegre, além de marcar uma posição que
claramente diferencia esses garotos dos seus pais – e apenas isso já seria um
bom motivo para transgredir.
Minha filha de 16 anos esteve na Serenata Iluminada da
Redenção na semana passada. Ela não costuma frequentar parques com os amigos,
muito menos à noite. Ela tem medo – e a mãe dela mais ainda –, mas nós duas
concordamos que todas as iniciativas para tornar a cidade menos medrosa merecem
o nosso apoio. Por isso ela superou o receio dela – e eu tentei superar o meu.
De todos os riscos a que ela poderia estar exposta, o de que deixasse de fazer
parte do impreciso grupo dos “cidadãos de bem” merecedores de proteção foi o
único que não me ocorreu. Estávamos acostumados, os cidadãos de classe média
que frequentam parques no centro da cidade, a sermos tratados com a deferência
– infelizmente nem sempre dispensada a todos os estratos sociais e a locais
públicos menos nobres – da presunção de inocência. Não mais. Onde as pessoas
têm medo da polícia e a polícia têm medo das pessoas, ninguém é inocente até
que se prove o contrário.
O medo dos bandidos tem nos trancado em casa – e isso já é
ruim. Mas se evitar a rua e fugir do convívio significa estar de acordo com o
que as autoridades esperam dos “cidadãos de bem”, é como se estivéssemos em
pleno estado de sítio, vivendo uma distopia social mais sombria do que todas as
histórias do Cavaleiro das Trevas.