21 de junho de 2015 | N° 18201
L. F. VERISSIMO
As aventuras da família Brasil
GPS
E tem aquela do cara que conversava com seu GPS. Instalara
um GPS no carro porque precisava fazer viagens pelo interior do Estado, muitas
vezes em território desconhecido, e o GPS lhe mostrava os caminhos a tomar. Mostrava
e dizia, pois o GPS falava. Tinha uma voz feminina, um pouco autoritária, mas não
desagradável.
– Em 700 metros ,
vire à direita, e logo em seguida à esquerda.
Quando o homem se enganava e não seguia suas instruções, a
voz não perdia a calma. Dava novas instruções para corrigir o erro,
pausadamente e sem fazer comentários. E o homem nunca deixava de se admirar com
aquilo: de algum lugar do espaço, um satélite o seguia, e uma voz etérea – como?
saindo de onde? – lhe dizia o que fazer, baseada na informação do satélite. E o
satélite via tudo e nunca errava. Era como um deus em órbita estacionária da
Terra.
Mas um dia o homem discordou do satélite. Depois de ouvir as
instruções da voz, disse:
– Não mesmo. E ouviu a voz dizer: – O quê?
– Esta estrada eu conheço bem, e sua direção não está certa –
disse o homem, antes de se dar conta de que a voz estava dialogando com ele. A
voz estava dialogando com ele!
– Vai por mim – disse a voz.
E o homem, apavorado (“Devo estar ficando louco”, pensou),
obedeceu e descobriu que o satélite tinha razão. O caminho indicado era mais
curto do que o que ele conhecia. E quando chegaram ao destino desejado mais
cedo, pelo atalho, a voz disse:
– Viu só?
O homem e a voz passaram a conversar. Ficaram íntimos. Agora
a voz terminava cada instrução com um “querido”. E tornou-se confidente do
homem, que lhe contava sua vida e pedia sua orientação. Era muito sozinho. Gostava
de uma moça, mas ela ainda não sabia. Ele deveria declarar-se?
– Declare-se – mandou a voz. – Será?
– Vai por mim.
Ele estava descontente no trabalho. Tinham lhe oferecido
outro cargo, em que não precisaria viajar tanto. Deveria aceitar? Sim, disse a
voz. Ele estava ficando estressado com tantas horas sozinho nas estradas.
Noutro dia, ele declarou que sua vida era uma porcaria e que
ele não queria mais viver.
– Vire para a esquerda, agora! – ordenou a voz.
– Peraí. Se eu virar para a esquerda vou invadir a outra
pista.
– E ser amassado por uma jamanta, certo. Não é isso que você
quer?
Depois, a voz do GPS mandou:
– Daqui a 200
metros , vire para a direita.
– Onde nós estamos indo?
– Um hospital psiquiátrico que eu conheço. Esta nossa
conversa é obviamente uma alucinação sua. Você precisa de tratamento.
– Você acha? – Vai por mim.