30 de junho de 2015 | N° 18210
ENERGIA
Avanço barrado pela rede elétrica
Baixa qualidade e capacidade restrita travam modernização de
uma em cada duas pequenas e médias propriedades no Estado. Melhorias exigem um
investimento de pelo menos R$ 1,6 bilhão
Nos confins do Estado, certos horários são proibidos para o
banho. É que se um vizinho liga o chuveiro, o outro pode não conseguir terminar
de ordenhar as vacas, porque a rede não suporta a carga.
Embora seja o terceiro
colocado no ranking nacional de cobertura elétrica no campo, o Rio Grande do
Sul tem 250 mil pequenas e médias propriedades – metade do total, estima o
setor – que encontram na qualidade da energia um entrave para a expansão e
modernização. Baixa potência, fornecimento precário e falta de manutenção são
ingredientes que, somados, causam um apagão de desenvolvimento.
Levantamento da Secretaria de Minas e Energia mostra que,
dos 161 quilômetros
de rede rural, 53% são monofásicas. E os custos para alterar a carga, que cabem
ao produtor, muitas vezes inviabilizam a compra de aparelhos mais potentes. Cálculos
da secretaria indicam que seria necessário investir R$ 1,6 bilhão para
transformar todas as cargas em trifásicas.
– Muitos gostariam de modernizar, mas a energia é limitante.
Não adianta fazer planos se a estrutura não é capaz – avalia o assessor de política
agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado (Fetag-RS), Márcio
Langer.
É o caso de Gibrair e Juciane Vichnowski, de Erechim. A família
queria construir mais um aviário, mas as constantes quedas de energia e o fato
de a rede cruzar a propriedade travam a obra. Embora tenha carga trifásica, a
casa ficou no escuro, em média, três vezes por semana só no mês passado.
Juciane disse ter avisado várias vezes a RGE de que os postes
podiam tombar. Em janeiro, um temporal os fez cair em efeito dominó, e a saída
foi alugar um gerador. Como 2,5 mil aves morreram, a produtora busca na Justiça
ressarcimento pelo prejuízo de R$ 10 mil:
– A rede é muito antiga.
Em nota, a RGE informou que faltou energia por 23 horas na
propriedade devido à grande demanda de atendimentos emergenciais. Sobre a
retirada de rede, informou já ter programado vistoria no local para identificar
as ações cabíveis.
Propostas ainda no papel
Diretor da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Fábio
Avancini Rodrigues diz que o problema não está só no tipo de rede, mas na
distribuição, o que resulta em produtividade menor, em especial no arroz (100%
irrigado), e perdas na produção avícola e leiteira. Para Rodrigues, a solução
passa por investimento e mais ação dos órgãos reguladores:
– Energia é insumo de produção. No grão, quilo de carne ou
litro de leite, a energia é um componente, como adubo ou terra. E se tem deficiência
em uma parte, há quebra na produção.
A falta de energia estável e de qualidade pode agravar ainda
mais o êxodo rural, além de ser empecilho para diversificar a produção, alerta
o presidente do Sistema Ocergs/Sescoop, Vergilio Perius.
– Se não houver energia forte, teremos um problema social
muito grave, porque as pequenas propriedades vão ser absorvidas pelas grandes,
que têm energia – avalia.
Uma das saídas, segundo ele, seria a criação de uma linha de
crédito acessível para que os produtores pudessem alterar a carga das
propriedades, o que requer investimentos de R$ 15 mil a R$ 50 mil.
A Secretaria de Minas e Energia está mapeando as
necessidades por região. Segundo o secretário Lucas Redecker, um projeto para
buscar verba, via financiamento externo, deve ficar pronto em até 60 dias. O
foco é transformar redes monofásicas e bifásicas em trifásicas. Uma das opções
de fonte de recursos seria o Banco Mundial.
– Ainda estamos discutindo, mas o produtor e o Estado devem
ter contrapartida – frisa o secretário.
Proposta semelhante, que prevê investimentos de União,
Estado, empresas e produtores, foi levada ao Ministério de Minas e Energia pela
Comissão da Agricultura da Assembleia, que debaterá o tema na segunda-feira. Diretor
de Gestão do Setor Elétrico da pasta, Marcos Franco Moreira diz que o pedido
está em análise e que um grupo de trabalho deve ser criado.
cleidi.pereira@zerohora.com.br
"A situação é crítica, em especial no verão. Energia
tem, falta força".
Márcio langer assessor da fetag-rs
"Existe tecnologia para ser implantada, mas falta potência
na rede elétrica".
Fábio rodrigues diretor da farsul
"Em Erechim, no norte do Estado, Juciane e Gibrair
Vichnowski já tiveram prejuízo de R$ 10 mil e adiaram a construção de um aviário
devido à qualidade precária da energia".
Promessa de mais recursos
Concessionárias e cooperativas permissionárias planejam
investir neste ano pelo menos R$ 220,9 milhões na melhoria da qualidade de
energia no campo – 16,6% a mais do que o desembolsado em 2014.
O maior valor deve ser aplicado pelas 15 cooperativas
associadas à Federação das Cooperativas de Energia, Telefonia e Desenvolvimento
Rural do Estado (Fecoergs): R$ 90 milhões. O superintendente, José Zordan, diz
que estão previstas obras como melhorias e construção de redes, troca de
transformadores e construção de subestações. A AES Sul pretende investir R$ 85
milhões, e a CEEE, R$ 45,9 milhões. Procurada, a RGE não informou sua previsão.
Para o gerente de energia elétrica da Agência Estadual de
Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs), Nilton Telichevesky,
o problema é que a demanda rural cresceu e os investimentos não acompanharam. Ele
explica que, até 2010, se um produtor precisasse fazer uma obra para melhorar o
fornecimento, teria participação de 90%. Desde então, obras para quem consome
até 50 kw viraram responsabilidade das concessionárias, exceto se for preciso
troca de fase (de monofásico para bifásico, por exemplo).
A Agergs sugere que os produtores de uma mesma localidade se unam e peçam aumento de carga alegando que isso resultará na “expansão do setor
elétrico” – investimento previsto nos contratos de concessão como
responsabilidade da empresa, que será ressarcida depois. Se o pedido for
negado, a Agergs promete ajudar na negociação. O gerente admite, porém, que a
falta de pessoal desafia a associação, que tem apenas 30 dos 66 funcionários de
nível superior previstos na lei que a criou.
Enquanto a AES Sul promete investir 4,9% a mais na,
comparado a 2014, a
CEEE prevê um aumento de 61,6% e a Fecoergs, de 12,5%. Já a RGE não se
pronunciou.
O" Estado praticamente atingiu a universalização na área
rural, mas com o conceito de levar a luz e não energia. As pessoas se
satisfaziam em ter lâmpadas e eletrodomésticos, mas hoje a demanda cresceu".
Nilton telichevesky - gerente de energia elétrica da agergs