quarta-feira, 17 de junho de 2015



17 de junho de 2015 | N° 18197
MOISÉS MENDES

Mamelucos

O interessante nessa história da professora americana branca que se apresentava como negra é que se trata de uma situação inusitada, mas plausível. A confusão pode existir, assim como um mestiço, um mameluco ou um pardo, como diz o IBGE, podem se apresentar como brancos.

As pessoas têm o direito de dizer o que são ou o que acham que são. Pois Rachel Dolezal definia-se como negra. Tinha os cabelos crespos, a pele morena e, diziam, jeito de negra. Michael Jackson esforçou-se para fazer o inverso – ter pele e jeito de branco –, mas não conseguiu.

Rachel tem 37 anos. É figura respeitada entre os americanos como ativista dos direitos dos negros e professora de estudos afro-americanos numa universidade em Spokane, no Estado de Washington. Até a semana passada, foi negra, ou considerou-se negra, com a aceitação dos que com ela conviviam. Os próprios pais decidiram desmascará-la.

Revelaram que ela é branca, descendente de alemães, tchecos e índios. Os pais tinham vergonha da filha que desejava ser negra? É a grande polêmica americana.

Em abril de 2001, eu e o fotógrafo Júlio Cordeiro fizemos uma reportagem em um baile funk no Gigantinho. Os bailes funk estavam no auge no Rio, mas estigmatizados como festas de arruaça, sexo e drogas.

Era o primeiro grande baile funk no Estado. Foi tudo tão normal como um fandango de CTG. Ficava evidente a intenção, inclusive dos brancos, de afirmar o funk dos tigrões e das tchutchucas como uma expressão da negritude da periferia.

Lembro de um personagem, o estudante Mário Roberto Gomes de Lima, de 18 anos. Júlio fotografou o guri da Restinga com uma camiseta preta e a inscrição no peito: 100% negro.

Mário não pegou ninguém na festa. Na madruga, foi embora de ônibus para a Restinga, sozinho mas feliz por ter participado de um evento histórico. Perguntei por que ele usava a camiseta com a frase e ele me disse: porque acho legal.

Só que todos viam (e eu escrevi na reportagem) que o guri era o que o IBGE define como pardo. Mas ele queria se apresentar como 100% negro. E daí? Eu imagino um encontro de Mário (hoje com 32 anos) com a Rachel pelo Facebook. Ele poderia, quem sabe, dizer à americana que seus pais nunca tiveram vergonha da camiseta que anunciava sua negritude integral.

Eu aqui, na minha condição de mameluco, só tento entender Rachel, a mameluca que deseja ser negra.