15 de junho de 2015 | N° 18194
DAVID COIMBRA
A caneta, governador
Conheço o governador Sartori há 25 anos. Em 1990, eu era repórter
de política e fazia o setor da Assembleia Legislativa, e ele era um jovem e já escolado
deputado estadual do PMDB. Tomei muitos cafezinhos no gabinete de Sartori em
busca de conversa inteligente e informação exclusiva. Sempre alcancei a
primeira meta, nunca a segunda.
Sartori é o tipo de político irritante para o repórter,
porque ele não se deixa fascinar pelas luzes da imprensa. Isso faz com fique
quase indiferente à possibilidade de ter mais projeção. Então, é difícil
extrair dele uma declaração polêmica, uma frase um pouco mais agressiva ou fora
do tom. As declarações do Sartori serão sempre ponderadas, e a ponderação é um tédio.
Às vezes, eu queria que ele dissesse algo e ele simplesmente parava, ficava
refletindo, tomando uma decisão, e só depois de longos segundos falava o que
queria, só o que queria, sem jamais se arriscar.
Foi assim que Sartori se tornou governador. Na campanha
eleitoral, Ana Amélia havia surgido como alternativa a um PT cada vez mais
desgastado. No momento em que ela explodiu nas pesquisas, o PT fez o que sempre
faz com os inimigos que teme: deflagrou, sobretudo na internet, um processo de
ridicularização da imagem de Ana Amélia. O PT é muito eficiente nisso, com suas
equipes que poderiam ser chamadas de “desumanizadoras da rede”.
Ana Amélia, portanto, foi devidamente “desumanizada”. Só que
o PT nada ganhou com isso. Ao contrário, aquela agressividade transformou-se
num travo azedo ao paladar do eleitor. Estava aberto um espaço por onde Sartori
se imiscuiu.
Nesse momento, Sartori compreendeu o que tinha de fazer: o mínimo
possível. Froner dizia, quando o time estava nessas condições: “Fura a bola! O
jogo acabou!”
Fura a bola. Ou seja: não é preciso mais construir jogada
alguma, não é preciso mais fazer gol, a vitória está garantida, desde que nada
de novo aconteça.
Foi por isso que Sartori passou a impressão de ser um bonachão
sem ideia alguma. Nada mais equivocado. Sartori sabia o que queria, e sabe
ainda.
Aprendi a respeitar a prudente teimosia de Sartori. Agora,
ele tem um plano, e acredita que o plano pode dar certo. Enquanto não der
certo, Sartori e o Rio Grande do Sul irão sofrer. Faz parte do processo de
controle da enfermidade do Estado.
O problema, nestes casos, ocorre quando os efeitos
colaterais do tratamento são tão fortes, trazem tanto mal-estar ao paciente,
que ele desiste, prefere continuar doente e suportar as consequências. É o que
está se dando, de forma particularmente aguda, com a área vital da segurança pública.
O efetivo das Polícias Militar e Civil, que já era pequeno,
está diminuindo a cada dia, simplesmente porque os policiais estão se
aposentando e não estão sendo substituídos. As pessoas estão com medo, no Rio
Grande do Sul.
Sartori precisa atenuar esse efeito colateral antes que seja
tarde demais. E ele tem o remédio à disposição. Com um canetaço, o governador
pode liberar a nomeação dos 2 mil e 500 PMs e dos 660 policiais civis aprovados
em concurso. Um único golpe é capaz de viabilizar todo o tratamento. Como
disse, conheço Sartori, e não é de hoje. Como há 25 anos, posso vê-lo parado,
refletindo, com a caneta na mão, prestes a tomar uma decisão. Tome a decisão
certa, governador Sartori. Use essa caneta.