28 de junho de 2015 | N° 18208
ROBERTO ROMANO
Branco!
O branco, na Igreja primitiva, era marca de alegria, paz e
ressurreição. Na modernidade, a cor era o distintivo dos protestantes, que o
adotaram “para marcar a clara consciência e cumprir seus fins, manter a honra
divina e pública” (La Popelerière). Os batalhões huguenotes usavam lenços
brancos no pescoço, colorido da fé pura. A cor da roupa é um traço importante
na vida humana, sobretudo na esfera cultural.
No cristianismo, o culto se interioriza, muito por obra de
Paulo. A marca do crente não está apenas nas vestes e nas cores, mas reside na
consciência. Deus é adorado “em espírito e verdade”(João, 4:23). Na versão
grega do Evangelho, o verbo é grafado como “zeteo”, que significa “pesquisar”,
não em sentido filosófico, mundano. Na Primeira carta aos Coríntios, os judeus
são indicados como povo “semiótico” e os gregos são ditos “zetéticos”: “Os
judeus procuram sinais, os gregos sapiência”.
Mas Paulo interroga: “Onde está o sapiente? Onde o
gramático? Onde o inquiridor do tempo? Não fez Deus loucura da sabedoria
mundana?”. Os querelantes orgulhosos são condenados pelo apóstolo.
O ensino evangélico não é sábio, mas louco segundo “o mundo”
(1 Coríntios). O veto às lutas fica bem claro em Romanos, 14:1: “Ora, quanto ao
que está enfermo na fé, recebei-o, não em contendas sobre dúvidas”.
Todo o trecho é um hino de respeito ao próximo, mesmo que
ele faça e pense coisas reprováveis aos nossos olhos: “Mas tu, por que julgas
teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de
comparecer ante o tribunal de Cristo”.
Uma palavra chave em Paulo é “syneidesis”, a via interior
rumo a Deus, da qual a consciência é fonte. O termo encontra-se 30 vezes no
Novo Testamento, mas não aparece nos Evangelhos. Cristo usa a língua judaica
para nomear a consciência. Esta tem como sede o “coração”, lugar onde lutam a
luz divina e as trevas do remorso. “Bem aventurados os que têm o coração puro,
porque verão a Deus”(Mateus, 5:8). Quem obedece à syneidesis sabe que é pecador
e não condena o próximo, não é orgulhoso de sua verdade nem de sua prática
religiosa, política, cultural.
A Igreja cristã, mais ampla do que a católica e a reformada,
tem como tesouro ético comum a doutrina da syneidesis. Não raro, no entanto, a
consciência é violada pela arrogância dos que, nos corpos eclesiásticos, mantêm
postura farisaica. As fogueiras da Inquisição, as guerras religiosas,
violências dos que se diziam cristãos e agiram como feras, foram pecados
graves.
No seu saber louco, só eles eram bons e salvos, só eles
mereciam o Reino. Os inimigos religiosos falavam como se estivessem no trono
divino. Basta ler um poeta protestante magnífico, Paraíso Perdido, de John
Milton (1667), para ver que tal atitude é própria de Satã, não dos tomados pela
graça.
Dias atrás, uma criança de 11 anos foi apedrejada no Rio,
por usar o branco e o azul da Umbanda. Os apedrejadores, Bíblia sob o braço,
quase a mataram porque, disseram, a menina e seus pais iriam para o inferno. A
eles, e a seus açuladores, vale a leitura de Paulo e dos Evangelhos, sem mistura
de sinais e lucros ou dízimos que lembram Johann Tetzel, jamais Lutero.
Nos próximos dias, vestirei roupas brancas, cor da paz,
cristã ou da umbanda, em apoio aos feridos pelo demoníaco orgulho de quem se
julga superior e imagina ter o direito de ferir e matar o próximo. “E como
podes dizer a teu irmão: Permite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma
viga no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver
com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”(Mateus, 7: 4-5). Os que
atiraram as pedras se dizem evangélicos. Mentira. Eles são herdeiros de Caim,
malditos como ele.