sábado, 27 de junho de 2015




28 de junho de 2015 | N° 18208
ROBERTO ROMANO

Branco!

O branco, na Igreja primitiva, era marca de alegria, paz e ressurreição. Na modernidade, a cor era o distintivo dos protestantes, que o adotaram “para marcar a clara consciência e cumprir seus fins, manter a honra divina e pública” (La Popelerière). Os batalhões huguenotes usavam lenços brancos no pescoço, colorido da fé pura. A cor da roupa é um traço importante na vida humana, sobretudo na esfera cultural.

No cristianismo, o culto se interioriza, muito por obra de Paulo. A marca do crente não está apenas nas vestes e nas cores, mas reside na consciência. Deus é adorado “em espírito e verdade”(João, 4:23). Na versão grega do Evangelho, o verbo é grafado como “zeteo”, que significa “pesquisar”, não em sentido filosófico, mundano. Na Primeira carta aos Coríntios, os judeus são indicados como povo “semiótico” e os gregos são ditos “zetéticos”: “Os judeus procuram sinais, os gregos sapiência”.

Mas Paulo interroga: “Onde está o sapiente? Onde o gramático? Onde o inquiridor do tempo? Não fez Deus loucura da sabedoria mundana?”. Os querelantes orgulhosos são condenados pelo apóstolo.

O ensino evangélico não é sábio, mas louco segundo “o mundo” (1 Coríntios). O veto às lutas fica bem claro em Romanos, 14:1: “Ora, quanto ao que está enfermo na fé, recebei-o, não em contendas sobre dúvidas”.

Todo o trecho é um hino de respeito ao próximo, mesmo que ele faça e pense coisas reprováveis aos nossos olhos: “Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo”.

Uma palavra chave em Paulo é “syneidesis”, a via interior rumo a Deus, da qual a consciência é fonte. O termo encontra-se 30 vezes no Novo Testamento, mas não aparece nos Evangelhos. Cristo usa a língua judaica para nomear a consciência. Esta tem como sede o “coração”, lugar onde lutam a luz divina e as trevas do remorso. “Bem aventurados os que têm o coração puro, porque verão a Deus”(Mateus, 5:8). Quem obedece à syneidesis sabe que é pecador e não condena o próximo, não é orgulhoso de sua verdade nem de sua prática religiosa, política, cultural.

A Igreja cristã, mais ampla do que a católica e a reformada, tem como tesouro ético comum a doutrina da syneidesis. Não raro, no entanto, a consciência é violada pela arrogância dos que, nos corpos eclesiásticos, mantêm postura farisaica. As fogueiras da Inquisição, as guerras religiosas, violências dos que se diziam cristãos e agiram como feras, foram pecados graves.

No seu saber louco, só eles eram bons e salvos, só eles mereciam o Reino. Os inimigos religiosos falavam como se estivessem no trono divino. Basta ler um poeta protestante magnífico, Paraíso Perdido, de John Milton (1667), para ver que tal atitude é própria de Satã, não dos tomados pela graça.

Dias atrás, uma criança de 11 anos foi apedrejada no Rio, por usar o branco e o azul da Umbanda. Os apedrejadores, Bíblia sob o braço, quase a mataram porque, disseram, a menina e seus pais iriam para o inferno. A eles, e a seus açuladores, vale a leitura de Paulo e dos Evangelhos, sem mistura de sinais e lucros ou dízimos que lembram Johann Tetzel, jamais Lutero.


Nos próximos dias, vestirei roupas brancas, cor da paz, cristã ou da umbanda, em apoio aos feridos pelo demoníaco orgulho de quem se julga superior e imagina ter o direito de ferir e matar o próximo. “E como podes dizer a teu irmão: Permite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma viga no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”(Mateus, 7: 4-5). Os que atiraram as pedras se dizem evangélicos. Mentira. Eles são herdeiros de Caim, malditos como ele.