14 de junho de 2015 | N° 18193
CARPINEJAR
Amor vira-lata
Ela não aceita que chamem seu namorado de feio, diz que ele
é apenas desarrumado.
Ela não aceita que chamem seu namorado de vesgo, diz que ele
olha para todos os lados por segurança.
Ela não aceita que chamem seu namorado de vampiro, diz que
ele tem um sorriso de criança.
Ela não aceita que chamem seu namorado de confuso, diz que
ele procura a palavra certa.
Ela não aceita que chamem seu namorado de estranho, diz que
só é estranho aquilo que a gente não conhece.
Ela não aceita que chamem seu namorado de retraído, diz que
ele é apenas educado.
Ela não aceita que chamem seu namorado de tolo, diz que ele
é um sonhador.
Ela não aceita que chamem seu namorado de desocupado, diz
que ele estuda muito e um dia será famoso.
Ela suspira descrevendo o que é a mão dele suando na mão
dela, o quanto se arrepia quando ele beija sua testa, o quanto se sente
orgulhosa de andar abraçada nele, o quanto logo que se afasta já quer voltar
para perto, o quanto a saudade elimina os defeitos, o quanto o coração bate
inesperado quando ele deseja uma “Boa aula” ou comenta que “Foi bom te ver”.
Ela não aceita que falem mal de seu namorado. Porque não é
qualquer um, é seu namorado, é o homem que ela escolheu entre todos os homens
que ela viu passar.
A beleza vem de sua verdade, de nenhum outro lugar mais
seguro. Ninguém tira e ninguém atrapalha sua crença. Não serão os pais, os
amigos, os colegas que a farão pensar o contrário. O sentimento não muda de
opinião.
Ela me apresentou seu namorado em Teresina, quando
participava do Salão do Livro do Piauí (Salipi):
– Não é lindo?
Eu achei mesmo o menino lindo. O menino encabulado atrás
dela. O menino escondido na moldura crespa dos cabelos dela. O menino e sua
leoa. O menino e sua protetora. O menino que amadurecerá protegido por aquela
mulher, que conseguirá superar os preconceitos e o bullying pela devoção
milagrosa.
Não há como desmanchar um amor vira-lata. Porque o vira-lata
não foi escolhido pela sua formosura, mas definido pelo território insondável
da ternura.
Adota-se um vira-lata pelo jeito torto que anda, pelo lampejo
do olhar miúdo e de pobres cílios, pela carência de seus meneios.
Um vira-lata será chamado pelo nome, não pela sua raça e
pedigree.
O vira-lata tem resistência, tem humildade, tem sabedoria de
rua.
O vira-lata será sempre grato. Não precisa de nada para ser
feliz; basta ser simplesmente amado.