21 de junho de 2015 | N° 18201
MARTHA MEDEIROS
Nem todo mundo
Nem todo mundo quer ser campeão, presidente, celebridade. Há
quem queira apenas viver de um jeito que não seja julgado por ninguém
A gente acredita que existe um senso comum regendo nossos
gostos e opiniões, porém somos sete bilhões pensando e vivendo de forma muito
distinta uns dos outros.
Nem todo mundo é regido pelo dinheiro, por exemplo. Dinheiro
é bom, é necessário e, quanto mais, melhor – mas esse “mais” não obceca a todos.
Há quem troque o “mais dinheiro” por “mais sossego” e “mais tempo ocioso”. Qual
o sentido de trabalhar insanamente se já se tem o suficiente para viver com
dignidade?
Nem todo mundo gostaria de morar numa mansão com uma dezena
de quartos e espaço de sobra para se perder: tenho uma amiga que desistiu do
apartamento cinematográfico onde morava, pois ela não conseguia enxergar os
filhos nem conversar com eles – eram longos os corredores e muitas as portas. Parecia
que a família vivia num hotel, e não num lar. Trocou por um apartamento menor e
aproximaram-se todos.
Nem todo mundo prefere mulheres com cara de boneca e corpo
de modelo, ou homens com rosto de galã e corpo de fisiculturista. Imperfeições,
exotismo, autenticidade, um look de verdade, natural, sem render-se a uma busca
sacrificada pela beleza, ah, o valor que isso ainda tem.
Nem todo mundo gosta de bicho, de doce, de praia, de ler, de
criança, de festa, de esportes, e nem por isso merecem ser expulsos do planeta
por inadequação crônica. Seus prazeres estão fora do catálogo da normalidade e
ainda assim são criaturas especiais a seu modo, enquanto que outras pessoas
podem cumprir todas as obviedades consagradas e isso não adiantar nada na hora
da convivência: são ruins no trato, fracas de humor e voltadas para o próprio
umbigo, apesar de seu exemplar enquadramento social.
Nem todo mundo veio ao mundo para brigar, para reclamar,
para agredir, para difamar, para fofocar, para magoar, para atrapalhar – hábitos
de muitos, até arrisco dizer que da maioria, já que é mais fácil chamar a atenção
através do nosso pior do que do nosso melhor. O pior faz barulho, o pior ganha
as manchetes, o pior gera comentários, o pior recebe os holofotes, o pior causa
embaraço. Porém, há os que vieram em missão de paz e não se afligem pela
discreta repercussão de seus atos.
Nem todo mundo quer casar, quer filhos, quer fazer faculdade.
Nem todo mundo quer ser campeão, presidente, celebridade. Há quem queira apenas
viver de um jeito que não seja julgado por ninguém, há quem queira apenas se
expressar de um modo menos exuberante e mais íntimo, há quem queira apenas
passar pela vida nutrindo a própria identidade, não se preocupando em
colecionar seguidores, admiradores e afetos de ocasião.
Sem jogar pra torcida, há quem queira apenas estar bem
consigo mesmo.