18 de junho de 2015 | N° 18198
L. F. VERISSIMO
Atenas e Jerusalém
O ensaísta George Steiner pegou emprestado o título do livro
de Dickens Uma história de duas cidades para resumir sua tese sobre o legado
duplo que informou a cultura do Ocidente. As duas cidades de Dickens eram Paris
e Londres. As da tese do Steiner são Atenas e Jerusalém.
Para Steiner, vem da herança grega o nosso vocabulário político
e social, o pensamento lógico e a especulação científica, mas esse legado com
raízes na Atenas antiga teve que conviver, nem sempre pacificamente, com o
legado hebraico, que opõe à tradição helênica uma tradição de fé e transcendência,
e o conceito da lei como interpretação, sempre, de um imperativo moral.
Para Steiner, dois aspectos das duas tradições – o da razão
científica nascida em Atenas e o do messianismo hebraico – se juntam em três
figuras, Marx, Freud e Einstein, ao mesmo tempo produtos do judaísmo, da
estirpe dos velhos profetas, e inauguradores da modernidade. Os três traduziram
em termos seculares – Marx, na sua gana por justiça social, Freud, na sua
reinterpretação dos mitos da Criação, e até Einstein, na sua busca de uma ordem
cósmica – preceitos do judaísmo histórico. Através deles e de sua apostasia
revolucionária, somos todos, um pouco, filhos de Jerusalém.
Curioso é que – pulando das teorias para os nossos dias – pode-se
chamar de uma simétrica reversão de papéis a atual rebeldia dos gregos contra
os que querem obrigá-los a se sacrificar para contentar seus credores, em nome
da obediência às regras de um jogo viciado.
Forçando só um pouco a analogia: os gregos hoje invocam uma
razão moral, da herança hebraica, para não entregar seus filhos à voracidade do
capital financeiro. Atenas invadiu Jerusalém. Hoje é a Grécia que se opõe ao
amoralismo dominante e aos frios cálculos da deusa Austeridade, uma divindade
que não tolera contestadores, ainda mais com as calças na mão.
Ninguém acredita que o primeiro-ministro grego Alexis
Tsipras vá aguentar a pressão por muito mais tempo. Ele já fez concessões ao
FMI, ao Banco Central Europeu e à União Europeia, a trinca que pune quem não
paga, e agora está dizendo que vai esperar que os credores encontrem motivos
para perdoar a Grécia, no seu coração. Mas a deusa não tem coração.