segunda-feira, 30 de novembro de 2015



30 de novembro de 2015 | N° 18371
PREMIAÇÃO

OS VENCEDORES DA FESTA DO CONHECIMENTO

3º PRÊMIO RBS DE EDUCAÇÃO e Logus A Saga do Conhecimento revelam os vencedores em uma tarde de integração no Araújo Vianna

Foi uma tarde em que os holofotes se voltaram para a educação. O 3º Prêmio RBS de Educação e o game Logus – A Saga do Conhecimento, promovidos pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e pelo Grupo RBS, premiaram seus vencedores no sábado, em Porto Alegre, durante a Festa do Conhecimento, evento que transformou o Auditório Araújo Vianna em uma grande confraternização entre estudantes e professores de escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

O 3º Prêmio RBS de Educação reconheceu as melhores ações de incentivo à leitura em escolas dos dois Estados, e o game Logus, que mobilizou mais de 7 mil estudantes, revelou a equipe campeã da saga. Lucia Ritzel, gerente-executiva da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, afirmou que a evolução dos projetos é evidente a cada edição do evento:

– O prêmio dá visibilidade aos educadores, e isso estimula outros profissionais a pensarem em novas estratégias de leitura.

Com um projeto sobre Nelson Rodrigues, Carolina Karro da Piedade foi a primeira vencedora anunciada, na categoria Escola Privada. Professora de língua portuguesa, literatura e produção textual do Colégio Ulbra São João, em Canoas, ela promoveu seis meses de imersão na obra do jornalista e escritor pernambucano com alunos do 3º ano do Ensino Médio.

– O projeto rendeu muitos frutos, os alunos criaram o hábito de ler literatura brasileira. Eu estou muito contente com esse prêmio – comemorou Carolina.

Em Escola Pública, a vencedora foi a professora de língua portuguesa Jessica Colvara Chacon. Ela inseriu a leitura na rotina de duas turmas de 9º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Arlindo Stringhini, de Guaíba, com o estudo de obras em formato de diário.

JÚRI POPULAR REGISTRA MAIS DE 700 MIL VOTOS

O júri popular escolheu o professor Francisco Paulo Rodrigues Mestre, que leciona música na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Jairo Brum, do município de Guaporé. Ele concorria na categoria Escola Pública com um projeto chamado Audiolivro do Bem, em que duas turmas do 5º ano do Ensino Fundamental transformaram livros infantis em relatos gravados.

Na categoria Jovens Protagonistas, a estudante Roberta Ferrari, 16 anos, da Escola Estadual de Educação Básica Prudente de Morais, de Osório, foi a campeã entre os gaúchos.

Pelo projeto, idealizado com outros três colegas, estudantes do Ensino Médio selecionam fábulas de Esopo e de La Fontaine, propõem uma releitura e as apresentam a alunos do Ensino Fundamental. Roberta foi eleita pelo júri popular, que, somado à categoria das escolas, tanto do Rio Grande do Sul quanto de Santa Catarina, contabilizou mais de 700 mil de votos.

– Agora é trabalho duro para colocar nosso projeto em prática – comemorou.

Detalhe zh

No Prêmio RBS de Educação, os educadores vencedores recebem R$ 11 mil e suas instituições, R$ 6 mil. Os jovens protagonistas mais votados ganham R$ 12 mil, e suas escola R$ 3 mil.

PROJETOS INSPIRADORES

ESCOLA PÚBLICA Jessica Colvara Chacon, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Arlindo Stringhini, de Guaíba ESCOLA PRIVADA
Confira os vencedores do Rio Grande do Sul no 3º Prêmio RBS de Educação e no game Logus
Carolina Karro da Piedade, do Colégio Ulbra São João, de Canoas
JOVENS PROTAGONISTAS
Roberta Ferrari, da Escola Estadual de Educação Básica Prudente de Morais, de Osório
JÚRI POPULAR
Francisco Paulo Rodrigues Mestre, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Jairo Brum, de Guaporé
MAIOR TORCIDA
Escola Estadual de Educação Básica Prudente de Morais, de Osório
LOGUS
Escola Estadual de Educação Básica José Plácido de Castro, de Relvado



30 de novembro de 2015 | N° 18371 
DAVID COIMBRA

O que salva a vida


Houve tempo em que voejava pelo mundo um bichinho chamado periquito-da-carolina. Era uma incomum espécie de papagaio que se estabelecera no norte do planeta. Você sabe: os papagaios, como os cariocas, não gostam de frio.

O periquito-da-carolina encantava por sua beleza. Tinha penugem verde-esmeralda e a cabeça dourada. Era um passarinho pacífico, que gostava de se empoleirar em bandos nos galhos das árvores. Por isso, tornava-se alvo fácil para os caçadores. Seu comportamento era peculiar: quando um homem atirava num grupo, os sobreviventes voavam, assustados, mas, imprudentemente, davam meia-volta para acudir os feridos. E os caçadores disparavam de novo, abatendo-os às centenas.

Charles Peale, autor do livro Ornitologia Americana, descreveu, no século 19, um episódio em que atirou várias vezes contra esse belo passarinho:

“A cada descarga sucessiva, ainda que montes deles caíssem, a afeição dos sobreviventes parecia aumentar, pois, após algumas voltas, eles tornavam a pousar perto de mim, olhando para os companheiros abatidos com sintomas tão manifestos de compaixão e preocupação, que me desarmaram totalmente”.

O periquito-da-carolina, um bicho que não fazia mal algum ao homem, foi extinto pelo homem. Repare: Peale amava os pássaros. Estudou-os. Escreveu sobre eles. E, ainda assim, os matava. Isso é coisa nossa, dos seres humanos. Estamos sempre procurando motivos para matar.

Agora mesmo, um homem assassinou três pessoas numa clínica de planejamento familiar, no Colorado. Matou por ser contra o aborto e “a favor da vida”. Ou seja: extinguiu vidas para defender a vida.

Alguém haverá de dizer que isso é coisa do homem branco, capitalista, que... Balela.

Pegue o índio brasileiro, que tem fama de ser bonzinho. O índio brasileiro é responsável pela extinção da maioria dos grandes animais do continente. Havia, nas Américas, pelo menos 30 espécies de animais de porte avantajado, maiores do que pumas e ursos, que simplesmente desapareceram, devido à ação dos índios. Preguiças com o dobro do tamanho de um elefante, felinos ferozes, aves imponentes, todos foram extintos pelos indígenas muito antes da chegada do homem branco.

A diferença entre os índios e os europeus era o avanço tecnológico. Como os europeus contavam com armas melhores, conseguiam, em poucas décadas, acabar com espécies que os indígenas levariam centenas de anos para liquidar.

A sede de matar é a mesma em todos os homens, porque todos fazemos parte da mesma espécie, o sapiens.

O que pode preservar a vida de outras espécies, e a da nossa própria, não é um retorno à existência nômade, como levava a maioria dos índios, nem a abdicação à tecnologia.

Ao contrário. O que pode preservar a vida é o desenvolvimento.

Até o século 19, os bichos, as mulheres, as crianças e a natureza eram vistos e tratados de forma diferente (os homens também eram tratados de forma diferente). Foi o aumento do volume de conhecimento que mudou a maneira como o ser humano se vê e a maneira como ele vê o mundo em que habita.

Nunca, em 4 bilhões de anos da história da vida, a vida foi tão defendida, preservada e estudada como agora. Nesse tempo, 99,9% das espécies foram extintas, a maioria delas não por culpa do homem. Mas agora, graças ao homem, a vida tem sido protegida, e a natureza também, como prova a conferência do clima, ora realizada em Paris.

É a ciência que nos empurra para a civilidade, é a ciência que pode nos defender. É a ciência que ilustrará homens primitivos, como o matador do Colorado, ou os fanáticos do Estado Islâmico. A ciência dos países desenvolvidos, das democracias capitalistas, do mundo onde as diferenças são respeitadas. Só a ciência nos salvará.


30 de novembro de 2015 | N° 18371 
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

BAD JESSICA


Jessica Jones é uma mulher poderosa em sua fragilidade emocional. Detetive particular daquelas de catálogo, que tem escritório todo esburacado e muitos casos para resolver, em boa parte, com ela mesma. Ela é durona, sensível, beldade e capaz de enfrentar criminosos e sedutores com o mesmo olhar de quem não está nem aí para nada. Ou seja: Jessica Jones é personagem de quadrinhos.

Os quadrinhos, em suas diferentes formas e estilos, têm uma coisa em comum. São juvenis – no mínimo por conta de quem os cria. Quem desenha as histórias sabe tudo de desenho, quem cria e escreve não sabe nada da vida.

Jessica Jones se diferencia da maior parte dos quadrinhos por ser adulta, pelo menos na intenção. Se você tem idade suficiente para ver a série, vai descobrir que existem cenas de sexo, mesmo que parcialmente cobertas por lençóis e cobertores, no melhor estilo roliudiano. Jessica é uma mulher moderna, e não seduz, declara. O que quer, ela faz, a não ser que seja impedida pelo seu arqui-inimigo, o bad, bad, bad Killgrave.

Killgrave é ruim de doer, de beliscar criancinha no metrô. Ele também controla a mente dela e de outras mulheres, no que Jessica Jones não é assim tão feminista, para este colunista. O mundo gira, mas os culpados de praticamente tudo que acontece são eles, esses seres detestáveis aka homens.

A série é um sucesso, mais um, da Netflix, que os emplaca com uma frequência que deve deixar muito executivo de Roliú enlouquecido. De melhor, na minha opinião, fica ela mesma, Jessica. De pior, de novo na opinião desse que vos atormenta, o fato de a série vir não da vida e de suas convexidades, mas dos quadrinhos, que acreditam que a Terra e todos os seus personagens são planos.

Jessica Jones não tem um pingo de realidade nas veias, o que não quer dizer nada, porque estamos falando de quadrinhos. A série é bacana, se faz ver, e está ali para qualquer um ver. Portanto, veja, uai.

30 de novembro de 2015 | N° 18371 
L. F. VERISSIMO

Darwin desmentido


Richard Nixon, aquele incompreendido, certa vez defendeu a nomeação de um correligionário notoriamente medíocre para um cargo federal com o argumento que a mediocridade também precisava ser representada no governo. Certo o Nixon. No caso brasileiro, por exemplo, uma maioria de congressistas capazes e honestos convive com uma boa amostra da mediocridade nacional, que não pode se queixar de estar sub-representada. 

O que mantém nossa fé na democracia representativa é a esperança, seguidamente frustrada mas sempre renovada, de que os bons prevalecerão sobre os ruins. E que uma elite moral e intelectual acabará vindo à tona, nas duas casas do Congresso, por um processo darwiniano de seleção natural. Mas a realidade política brasileira insiste em desmentir o Darwin. 

A evolução, nos nossos Legislativos, tem produzido não líderes por mérito, mas líderes por esperteza processual, como Eduardo Cunha e Renan Calheiros, e a sobrevivência dos piores. Como é que alguém como o Delcídio Amaral chega a líder da bancada do governo no Senado, se não como um prêmio à mediocridade prestativa?

O bom dessa trama florentina de delações, conspirações nos bastidores e traições em que vive a pátria desde que o juiz Moro pôs-se a campo, é que nunca faltam novidades para nos surpreender. Agora entrou em cena o filho do Cerveró, o ator Bernardo Cerveró, que, leio, fez sucesso recentemente numa peça infantil chamada O Principezinho do Deserto ou coisa parecida, e cujo gravador fatídico registrou tudo que se dizia numa reunião com o Delcídio para combinar a fuga do seu pai antes que ele contasse o que sabe sobre o escândalo da Petrobras. 

Bernardo levou sua gravação ao Ministério Público. O Pequeno Príncipe do Saint-Exupéry jamais imaginou que um dia poderia derrubar uma República. Não sei se Bernardo leu o livro, mas talvez, antes de entregar a gravação, se lembrasse de uma das frases do Príncipe: “Só conheço uma liberdade, a liberdade do pensamento”. Foi a liberdade que Bernardo preferiu para o seu pai.

Não adianta suspirar por um Congresso acima de suspeitas e livre de lideranças lamentáveis, o que equivaleria a suspirar por menos democracia ou por uma humanidade perfeita. Contentemo-nos com eventuais derrotas da mediocridade.

sábado, 28 de novembro de 2015

O AMOR NÃO SOBREVIVE DE PROMESSAS:

Não prometa que irá mudar. Mude! Não prometa que será mais atencioso. Seja! Não prometa amar para sempre. Ame! Palavras e promessas dissolvem-se ao sabor dos ventos, atitudes fincam raízes naquilo que se sustenta como amor verdadeiro.

Diariamente, acabamos por fazer promessas de que mudaremos em algo, tanto para nós mesmos quanto para os outros. Prometemos não faltar à musculação, não dar ouvidos a gente chata, não exagerar nos doces ou na cerveja. Prometemos xingar menos, não fofocar, ajudar mais em casa, estudar bastante. E, como previsto, na maior parte das vezes não cumprimos nada daquilo.
Prometermos a nós mesmos alguma mudança de comportamento significa que estamos incomodados com a forma como vivemos, ou seja, temos consciência de que estamos agindo como não deveríamos em alguns aspectos de nossas vidas. Ter essa consciência daquilo que devemos mudar é bom, no entanto, apenas saber o que é preciso ser feito, sem fazê-lo, de nada adiantará. Continuaremos caminhando aos tropeços.
No caso das promessas feitas ao outro, então temos a consciência, da mesma forma, de que a maneira como estamos compartilhando nossas vidas precisa ser mudada, pois percebemos que poderíamos ser muito melhores do que somos, no sentido de alimentar um relacionamento mais forte e acolhedor. Concordamos com as cobranças alheias, ainda que sob protestos, na certeza de que caminhamos com meias verdades e, mesmo assim, permanecemos emocionalmente estacionados no mesmo lugar. Continuaremos respirando com dificuldades.
É preciso, pois, que passemos a praticar e a viver aquilo que teorizamos no plano das ideias e dos discursos, de modo a que tornemos nossos relacionamentos mais harmônicos e sinceros. Isso porque, muitas vezes, sabemos muito bem quais são as ações necessárias ao enriquecimento de nossos encontros diários, ao passo que teimamos em incorrer - seja por falta de coragem, seja por comodismo - nos mesmos vícios que somente emperram a vivência completa de uma entrega verdadeira.
É injusto iludir as carências alheias com promessas que sabidamente não se cumprirão, bem como é inútil prometermos a nós mesmos mudanças que não teremos coragem de assumir. Embora o outro muitas vezes se deixe iludir, agarrando-se às nossas juras, na esperança de que o amor dê certo, jamais nos isentaremos de nossa parcela de culpa, por nutrir sonhos vãos de quem poderia estar feliz longe de nós, distante dos terrenos arenosos das incertezas a que nos apegamos.
Não prometa que irá mudar. Mude! Não prometa que será mais atencioso. Seja! Não prometa amar para sempre. Ame! Palavras e promessas dissolvem-se ao sabor dos ventos, atitudes fincam raízes naquilo que se sustenta como amor verdadeiro. Qualquer um pode discursar e escrever com propriedade sobre as bases com que se constrói um relacionamento, mas poucos se lançam corajosamente aos encontros da vida, fazendo o que for, na lida diária, para que o amor sobreviva e se renove a cada ventania, mais forte, mais calmo, mais vivo, mais amor.
Ousemos, enfim, cumprir nossas promessas, porque ser um desses poucos corajosos equivale nada menos do que a ser e fazer gente feliz de verdade.

QUEM AMA A SI MESMO, CERTAMENTE, APRENDEU A AMAR:


Amar é estar bem consigo mesmo, porque se você não é autossuficiente pra se cuidar e estar bem com você mesmo, não vai conseguir achar paz de espírito do lado de fora. Quando aprendemos a nos amar, nos bastamos, e tudo que não for completo, tudo que for tão raso, tudo que não vier pra somar, melhor sumir.


Dia desses li um comentário de um leitor que dizia que se entregar demais era um erro. Acho que amar demais nunca é um erro. O erro é se entregar por inteiro pra alguém que é metade. O erro é doar-se com toda intensidade pra alguém que não é capaz. O erro, é desacreditar, inclusive no amor, por tão pouca pessoa. O erro não está em você se doar demais, o erro está em quem não consegue reconhecer alguém capaz de realizar o amor. Você não se torna trouxa por ter dado tudo de si pra alguém que não te deu nem metade, você se torna trouxa por insistir em ser importante pra alguém que te trata com tanta irrelevância. As decepções servem justamente pra te fortalecer, você tem todo direito de se reservar e ir com cuidado da próxima vez, mas não tem o direito de, sequer, deduzir que o amor é um erro.
O erro é esquecer de você e viver o outro, é deixar tua vida pra depois por outra pessoa, porque amar é justamente o contrário. É viver a tua vida, permitindo que o outro a conheça. É aceitar que o outro entre na tua vida e não ter medo de que ele possa um dia ir embora, porque quando você aceita a sua liberdade, você aceita também que as pessoas são livres e que podem partir a qualquer momento. Amar é estar bem consigo mesmo, porque se você não é autossuficiente pra se cuidar e estar bem com você mesmo, não vai conseguir achar paz de espírito do lado de fora. Imagina que o amor próprio é a tua base, e não egoismo, você vai precisar dele pra te levar só onde te traga paz, pra te fazer ficar só onde for realmente justo. E se tem uma coisa que o amor não é, é injusto.
O erro é perder tempo com gente que só te faz perder a cabeça, é reclamar da ausência do outro que nunca se tornará presença porque se o outro tivesse realmente afim, você não estaria perdendo tanto tempo assim pelos mesmos motivos. O erro é esperar demais de alguém que nunca cumpre, e expectativas sempre geram péssimas frustrações.
Amar não é um erro. O erro é correr atrás de alguém que nunca está na mesma direção que você. Primeiro que, se for amor ele não vai correr de você, ele vai preferir ficar do teu lado, assistindo um filme, ou comendo Sushi, ou tomando uma gelada, ou fazendo qualquer coisa que te torne uma das poucas pessoas mais importantes ao ocupar o tempo e a vida dele, sem que ele precise se preocupar. O erro é insistir em quem não soma, só consume, em que sempre encontra um motivo pra te falar sobre seus defeitos e que nunca enxerga os seus acertos. O erro são pessoas mais ausentes que presentes, e dessas, você também não precisa. O erro é ficar com alguém que só acumula desculpas e promessas, que te coloca sempre na espera de que um dia vai mudar e vai te fazer bem. Se alguém precisa realmente mudar pra te fazer bem, você não precisa dessa pessoa.
Amar não é um erro. O erro é esquecer de si mesmo, é esquecer que você só consegue encontrar alguém que te faça bem, quando estiver bem com você. Quando aceitar que você mesmo é capaz de se fazer muito bem, você terá segurança suficiente pra aceitar que ficar com alguém que te faz mal não faz sentido, que o apego é até bonito, mas só quando alguém tem o mesmo apreço por você, quando existe envolvimento e sentimento suficiente ao ponto de sentir que amor nos faz mais importante pro outro, caso contrário, o desapego é o melhor caminho pra indecisão. Se alguém insiste em te mudar, esse alguém não gosta de quem você é. Quando aprendemos a nos amar, nos bastamos, e tudo que não for completo, tudo que for tão raso, tudo que não vier pra somar, melhor sumir.
 autor: Iandê Albuquerque.
Fall lovelies:

AONDE MORAM AS PESSOAS INTERESSANTES?

 :


Está cada vez mais difícil encontrar alguém que não se perca dos seus próprios anseios, que não fique com medo das ondas, que tire os pés da areia e se entregue por inteiro, que não seja superficial como tanta gente fácil de encontrar.
Depois de um longo relacionamento, me vi conhecendo pessoas e descartando, fiquei muito seletiva, não por buscar a perfeição mas por falta de afinidade, por não cometer nem aceitar os mesmos erros. Decepções diversas, pensei em desistir, cansei de tentar. De tanto que a gente apanha, é difícil sentir tudo outra vez. Aposto que você me entende. A gente se reserva pra se preservar, é como se a gente caísse na real de que a maturidade que a gente tinha não era o suficiente pra manter a gente no pé, daí a gente cai como fruta podre e depois tenta renascer, das sementes a gente tenta se reinventar e o tempo ajuda a gente. De uns meses pra cá, parei pra pensar por onde andam as pessoas, que como eu, procuram alguém interessante o suficiente pra deixar a gente mais a vontade, pra acordar com a cara marcada de lençol, pra encostar o rosto no ombro e entender que aquele gesto não é só um gesto de carinho, aquele gesto é uma cumplicidade de almas, uma ligação de vidas diferentes, um encontro de olhares, é uma poltrona pra ver as estrelas sem sentir o tempo passar, é um corpo que ali te propõe um momento pra refletir enquanto a brisa do mar bagunça o teu cabelo. Mas confesso que está cada vez mais difícil encontrar alguém assim. Alguém que saiba ser feliz também sozinho, que não se perca e não me perca, que não se perca dos seus próprios anseios, que não fique com medo das ondas, que tire os pés da areia e se entregue por inteiro, que não seja superficial como tanta gente que encontrei.
As pessoas estão cada vez mais com preguiça de se dispor, de ter que voltar ao inicio e contar toda história da vida de novo. As pessoas não dão e nem esperam mais respostas de ninguém, elas não suportam mais ter que responder alguém que não sejam seus amigos. Não ligam, deixam pra depois. As pessoas esquecem umas das outras com tamanha facilidade. Quando não se interessam mais dizem estar ocupadas, não prestam atenção, somem. As pessoas se interessam pelas características que existem nas fotos das redes sociais, pelo que diz uma bio de quatro linhas sobre o outro. Fica fácil se arriscar, fica mais fácil ainda desistir de tudo mesmo quando nem começou. As relações são instantâneas e os amores cada vez mais efêmeros. ''Eu te amo'' se tornou ''bom dia''. As pessoas namoram porque não querem se manter solteiras por tanto tempo, ou por medo de ficarem sozinhas, por acharem que ir ao cinema acompanhado ou tomar um sorvete e conversar sobre séries é mais legal quando se tem alguém, ou pra fazer ciúmes ao ex, pra mostrar que deu a volta por cima, que conseguiu se envolver com outra pessoa (e muito provavelmente fez tudo isso porque não esqueceu do ex ainda), ou porque querem mudar os status nas redes sociais, ou porque acham que ter alguém pra preencher alguns espaços vazios é melhor que não ter ninguém. Namoram por qualquer coisa, menos por amor, e é justamente por isso que as relações hoje em dia não duram, dá ''match'' mas não dão em nada.
E eu não sei exatamente se o problema é meu, por ter me tornado o mais seletiva possível porque as pessoas que já passaram por mim me causaram alguma decepção, ou se está mesmo difícil encontrar alguém interessante no meio de tanta gente que se esquiva. Talvez o problema esteja exclusivamente em eu me desinteressar tão rapidamente quando alguém erra feio comigo, porque eu já não tenho mais paciência pra admitir erros, engolir defeitos, porque o meu medo a essa altura do campeonato é perder tempo, é ficar com pessoas que me fazem perder tempo. Nesse receio de perder, eu acabo perdendo também as oportunidades que me aparecem, em busca de alguém que cuide de mim como estou disposto a cuidar, alguém que não me machuque, não me decepcione, e talvez eu esteja em uma busca sem fim porque as pessoas não são perfeitas, as pessoas erram, eu sei. Mas talvez, essa seletividade que eu tenho, sirva pra eu nunca me abandonar, sempre me encontrar quando eu mais precisar e quem sabe, quando estiver bem comigo mesmo, encontrar alguém que me acolha, que esteja disposto a enfrentar todas as tempestades, que mergulhe nas mais profundas partes de mim, alguém cheio de imperfeições mas que não me abandone por conta das minhas, alguém que dê passos pra frente comigo, que desperte em mim vontade de ser e dar sempre o meu melhor. Tá cada vez mais difícil encontrar alguém que puxe a gente, que desperte o nosso interesse, sabe? Alguém que faça a gente continuar com um companhia tranquila e sem cobranças. Alguém que se conecte com a gente além do mundo virtual e mensagens de bom dia.
Não sei se eu me tornei desinteressante ou se esse tanto de gente que passou por mim só serviu pra me tornar mais exigente e maduro. Queria muito poder sair, num dia qualquer, e acabar esbarrando em quem fosse realmente interessante, inteiro e necessário pra mim. Em alguém que me apresentasse novas loucuras e manias, e que não se afastasse de mim só porque eu não consegui agradar em algum momento. Alguém que fosse maduro o suficiente pra entender que eu sou esquecido de vez em quando. Alguém que amadureça comigo, juntos. Que dispute pra escolher qual filme assistir, que jogue o travesseiro pra me acordar, que não necessariamente me observe enquanto durmo, mas que algumas vezes, durma antes de mim e me deixe provar no silêncio das situações o gosto sincero de quando a gente se entrega sem pensar duas vezes.
Enquanto isso, eu continuo me dedicando ao trabalho e às viagens que pretendo fazer. Levo os cachorros pra passear no final da tarde, leio alguns desses textos que falam sobre como as pessoas se perdem umas das outras sem nem terem se encontrado. Hoje, eu quero ser somente meu e de mais ninguém, e só saio daqui por alguém que seja capaz de me tirar do meu limbo e me faça sentir que, de fato, valerá a pena compartilhar o meu tempo e ocupar a minha vida com alguém. Enquanto não acontece, assumo um relacionamento sério comigo mesmo, já que gente interessante parece estar em extinção.

FOI MAIS FORTE DO QUE EU.


Romy Schneider:


Muitas vezes a auto sabotagem é um sinal de que você está indo para o caminho errado ou depressa demais ou com a companhia equivocada. Muitas vezes algumas coisas dão errado apesar do nosso enorme esforço porque lá no fundo nós queremos que dê errado mesmo. O inconsciente, muitas vezes, desconstrói a minuciosa e árdua trama tecida pelo consciente. Muitas vezes, o inconsciente impede que o consciente realize os seus propósitos e o que aparentemente parece uma derrota é a vitória do inconsciente, do nosso lado mais verdadeiro, com menos tabus, com menos travas, com menos mas e poréns.


Quantas vezes não ouvimos ou não falamos para os outros ou para nós mesmos no silêncio do quarto e no caos do coração "Foi mais forte do que eu"? Quantas vezes não lutamos incansavelmente por um projeto sem sucesso e tempos mais tarde percebemos que o fracasso foi a melhor coisa que poderia ter nos acontecido? Quantas vezes não ouvimos as pessoas falarem que certas perdas são para o nosso bem e que devemos ter cuidado com aquilo que desejamos pois os nossos sonhos podem se tornar realidade? Ou pesadelo.
Quantas vezes não insistimos no mesmo tipo complicado de relacionamento, cometendo os mesmos velhos erros , nos enredando nas mesmas teias de mentiras, meias palavras e jogos de gato e rato? Quantas vezes não afirmarmos querer algo, mas não movemos uma palha para conseguir? Quantas vezes não temos a sensação de que não estamos vivendo e sim assistindo à vida e que uma parede de vidro nos separa de tudo aquilo que queremos tocar?
A maioria das pessoas não vive. Sobrevive. E não me refiro à sobrevivência material. Me refiro a ter uma vida significativa, em que a nossa potencialidade atinge seus níveis máximos, numa deliciosa histeria festiva. Me refiro a uma felicidade que é só nossa, que não tem a ver com aquilo que disseram que é bom pra gente. Uma felicidade despudorada, autêntica, construída por nossas mãos, moldada por nossas mãos como argila fresca. Uma felicidade que descobrimos e desbravamos com espírito de conquistador.
Muitas vezes, sem nos darmos conta, nos auto sabotamos. Falamos sim com cara de nojo ou falamos não com olhos suplicantes. Nos inscrevemos para um processo seletivo, mas não estudamos para a prova ou vamos fazer um entrevista de trabalho sem a motivação necessária. Falamos que queremos uma relação séria, mas enviamos mensagens exatamente do contrário. Falamos que valorizamos X, mas sorrimos e os olhos brilham quando vemos Y. Racionalmente, aceitamos ou rejeitamos determinadas ideias, mas emocionalmente sentimos de forma diferente. Quantas vezes não afirmamos pensar de um modo e sentir de outro? Como se houvesse uma guerra dentro da nossa mente?
Muitas vezes a auto sabotagem é um sinal de que você está indo para o caminho errado ou depressa demais ou com a companhia equivocada. Muitas vezes algumas coisas dão errado apesar do nosso enorme esforço porque lá no fundo nós queremos que dê errado mesmo. O inconsciente, muitas vezes, desconstrói a minuciosa e árdua trama tecida pelo consciente. Muitas vezes, o inconsciente impede que o consciente realize os seus propósitos e o que aparentemente parece uma derrota é a vitória do inconsciente, do nosso lado mais verdadeiro, com menos tabus, com menos travas, com menos mas e poréns.
Sim, muitas vezes, fazemos algo que é mais forte do que a gente. Mais forte do que esta ínfima parcela que conhecemos a respeito de nós, tão moldada e adaptada às necessidades sociais. Tão escrava dos desejos e expectativas alheias. Tão submissa a um modelo de felicidade que incorporamos como nosso. Quando algo for tentado muitas vezes e por muitas vezes der errado, talvez seja caso de parar para pensar se queremos realmente aquilo que nos despreza ou escapa das nossas mãos.

EU TENHO MEDO DE VIDAS PROGRAMADAS.


Monica Bellucci:

Podemos ser qualquer coisa,em qualquer tempo, em qualquer lugar. Entre todas as escolhas, escolhemos ser felizes.
Sabe aquela música do Kid Abelha: A vida que me ensinaram como uma vida normal/Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal/Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso/Mas isso é menos do que tudo,/É menos do que eu preciso.
Sempre concordei demais com essa música, como é possível que nossos destinos estejam programados desde sempre? Como que a vida pode ser delimitada por fases pré determinadas?
Tipo, você aproveita a infância mas já se preparando para a faculdade, então você encara quatro ou cinco anos de curso que supõe-se serem os melhores da sua vida. Depois disso, você deve arrumar um bom emprego que faça você atingir seu sucesso profissional até os trinta, porque sabe né, se você não tiver sucesso até os trinta está fadado ao fracasso.
Vem então a vez do casamento. Você casa com seu namorado de anos, pois poxa, não há mais nada que as pessoas possam querer na vida do que depois de passar os melhores anos estudando e arrumar o emprego dos sonhos, o próximo passo da vida é casar com o amor da sua vida.
Depois vem os filhos. Dois pelo menos, um casal de preferência. E vocês viverão com a família feliz que devem ser, na sua casa financiada em 20 anos, com seus carros parcelados em 5 deles e pagando mensalidades absurdas pela educação de qualidade que seus filhos precisam, pois é lógico, eles precisam passar por esse ciclo vicioso.
Mas e se... e se você descobrir a sua verdadeira vocação só aos 35, depois de duas faculdades a alguns empregos de merda? E se o amor da sua vida só aparecer pelos 40? E se você decidir que é ok não ter filhos, porque você quer contribuir de outras formas com o mundo? E se você acha que ter uma casa e um carro não tem muita importância e prefere sem um nômade viajando por aí?
Não me entendam mal, não sou contra a faculdade, nem contra o casamento ou qualquer princípio que a sociedade moderna nos impõe. Eu só acho que temos escolha!
Não precisamos viver conforme os padrões estabelecidos a muito tempo. O ser humano não é padrão, nossas vivências nos fazem diferentes de todos os outros que estão ao nosso redor, não existem duas pessoas totalmente iguais, muito menos uma massa que tenha que seguir um mesmo ciclo.
Nós somos o que desejamos ser, escolhemos o que queremos ser, quando e como. Não baseie suas escolhas pela sociedade, baseie-se por aquilo que te faz feliz, pelo que faz seu coração bater mais forte. Seja casando aos 25 ou aos 90, sendo engenheiro ou contador de histórias, sendo um fracasso com problemas matemáticos mas um sucesso cantando no chuveiro.


29 de novembro de 2015 | N° 18370 
MARTHA MEDEIROS

Sexo casual


Por mais que o sexo seja livre, considero um desperdício utilizá-lo apenas como sessão de aeróbica

A maioria das pessoas com quem convivo é casada ou está num namoro estável, mas outro dia almocei em São Paulo com uma amiga solteira, com pouco menos de 30 anos, e acabamos tendo uma conversa interessante sobre os novos formatos de relacionamentos amorosos, tudo por causa de um livro que ambas havíamos lido. Estou falando de Pagando por Sexo, do cartunista Chester Brown, em que, por meio de uma história em quadrinhos, o autor conta por que desistiu do amor romântico em troca da prostituição. Polêmico, mas um retrato interessante da desilusão atual.

Qual a importância do sexo nas relações? A monogamia ainda se sustenta? Só sexo basta?

Foi quando nós duas começamos a falar sobre rolos, essa modalidade tão em uso atualmente. Relações sem compromisso, sem rotina, sem fidelidade, sem ciúmes. Apenas com sexo de vez em quando. Precisa mais?

Essa minha amiga comentou que conhecia outra garota na faixa dos 30 que dizia já ter transado com 650 caras. Não sou boa em matemática, mas resolvi calcular: supondo que ela tenha vida sexual desde os 15, vem transando com um homem diferente a cada oito ou nove dias, ininterruptamente, sem contar as recorrências. Se não for uma profissional do ramo, é uma boba que gosta de contar vantagem. Se não for uma coisa nem outra, então o mundo mudou mais rápido do que consegui acompanhar.

Em que momento o romantismo morreu?

O rolo é vantajoso. O sem isso e sem aquilo pode ser muito benéfico numa etapa da vida em que a ninguém tem mais paciência para investimentos afetivos sérios, mas essa racionalização não me parece afrodisíaca.

Por mais que o sexo seja livre, pleno e ótimo, considero um desperdício utilizá-lo apenas como sessão de aeróbica. Pode ser sem compromisso, sem rotina, sem fidelidade e sem ciúmes, mas que graça terá se não houver um encantamento mínimo, um brilho se insinuando no fundo do olho?

Sexo casual também é encontro. E, como tal, se torna mais estimulante quando se vale de alguns aditivos que passam longe da cama. Um Whatsapp no meio da tarde dizendo que bateu saudade, um telefonema no fim da noite pra dizer “dorme bem”, uma confidência trocada, um cuidado em não magoar, pequenas gentilezas que fazem parte do jogo. Jogo? Sim, jogo. É ou não é uma relação entre adultos? Então sem falsa inocência. É um jogo.

Não se está falando de amor pra sempre, e sim de um relacionamento sem vínculos, mas que nem por isso precisa evitar pequenas graciosidades que tornam a confluência mais terna. Porque senão passa-se o rodo em centenas e só o que se leva disto é uma boa pontuação no ranking.

Sem apego, sem sentimento, sem exclusividade, sem troca, sem planos. Nada contra, cada um sabe de si. Mas acho mais palpitante com.



29 de novembro de 2015 | N° 18370 
CARPINEJAR

Fiador da desgraça

O que eu já vi de pessoas que não amam mais acabarem se envolvendo em projetos duradouros como casamento e filhos. Ensaiam o discurso do fim e alteram bruscamente a rota quando confrontados.

Em vez de recuar, apressam os passos. Em vez de soltar as amarras de uma relação problemática, apertam os laços. Em vez de sair, entram ainda mais dentro de casa. Em vez de dizer a verdade, prestam declarações eternas. Em vez de quitar os juros emocionais, realizam mais dívidas.

Estão a um triz da separação e compram anéis de noivado ou marcam igreja ou decidem ter uma criança.

Confundem a porta de saída com a de entrada, e se lançam com unhas e dentes para uma última e redentora chance, que não mudará em nada o desgaste de um longo isolamento a dois.

A boca desmente o desejo e complica o desenlace. A palavra expressa exatamente o inverso das verdadeiras intenções. Se era difícil largar, será impossível a partir de agora.

Sempre me chamou atenção o quanto existem casais caminhando ao contrário de suas decisões. Talvez por culpa. Talvez pela vergonha da solidão. Talvez pela ilusão de se ver mais responsável pela felicidade do outro do que pela própria felicidade. Talvez por comodismo. Talvez para evitar a decepção de quebrar uma promessa. Talvez pela necessidade de ser melhor do que realmente é. Talvez por não admitir que fracassou. Talvez por faltar forças para recomeçar. Talvez por entender o tempo como investimento e achar que se dedicou excessivamente para jogar tudo fora. Talvez por supor que o ruim é, ao menos, conhecido.

Qualquer que seja o motivo, o melindre de decepcionar e desagradar impulsiona os maiores erros. O receio é de quê? Que no fundo ela ou ele fale mal de você? Mas não tem como controlar os pensamentos alheios nem dentro da convivência, muito menos fora.

Trata-se de uma atitude fóbica, parecida com a vertigem: é tanto o medo de cair que a vontade é cair mesmo para terminar logo com o medo.

Você percebe o esgotamento da rotina e assume pendências para os próximos cinco anos. Pretende ir embora e começa uma reforma sem precedentes. Pretende ir embora e adquire um cachorro. Pretende ir embora e interrompe o anticoncepcional.

Não há limites para o boicote. Você se afoga nas lágrimas e nada em direção a uma dor maior. Você tenta disfarçar o que sente fazendo o oposto, e aumenta as expectativas e engrossa as mentiras.

Na vida amorosa, o “não” vive se escondendo perigosamente no “sim”. Até terminar do pior jeito, deixando alguém plantado no altar ou com uma criança no colo.



29 de novembro de 2015 | N° 18370 
LETÍCIA DUARTE

Amigo-secreto


Meu amigo-secreto disse que os servidores do Estado deveriam dar graças a Deus por terem estabilidade. Veja bem, num momento de tanta crise, tanta gente perdendo emprego... realmente! Que ninguém cometa a ingratidão de reclamar por causa de salários parcelados. Ele já tinha avisado um tempo atrás que os professores que quisessem receber o piso do magistério deveriam ir ao Tumelero. Como ninguém nunca pensou nisso antes? Quem avisa amigo é, amigão da massa!

Meu amigo-secreto é militante do partido que comanda o governo federal há 12 anos. Ele assistiu à prisão de um senador da sua turma nesta semana, com gravações para lá de comprometedoras. Mas o meu amigo não se convenceu. Sabe o que ele descobriu? Que o tal senador não era ver-da-dei-ra-men-te do partido dele, mas um “tucano que militava no PT”. Veja só, quanta injustiça neste mundo! É só por coincidência que o tal senador era líder do governo.

Meu amigo-secreto é banqueiro e foi preso com o senador, também acusado de tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava-Jato. Há dois anos, ele aparecia na lista dos cem líderes com a melhor reputação no Brasil – e era o 14º homem mais rico do Brasil. E a seu ladinho na mesma lista tão distinta, estava quem? O maior empreiteiro do país, também preso na Lava-Jato. Viva a reputação que faz girar a indústria da corrupção! Será que servem Moët & Chandon na cadeia VIP?

Meu amigo-secreto é taxista em Porto Alegre e tem medo do Uber, acha que o novo serviço é uma afronta a seus direitos. Por isso, ajudou a espancar um motorista da concorrência no estacionamento de um supermercado. Que ninguém venha dizer que eles não oferecem benefícios na corrida! Espancamento grátis exclusivo, que luxo!

Meu amigo-secreto comenta tudo o que vê nas redes sociais. Ele escreveu uma mensagem xingando o médico Drauzio Varella de “fdp” por ser “a favor do aborto”. Deve ser porque o amigo defende a vida, né? O estranho é que em seu perfil do Facebook ele se identifica com uma foto do Estado Islâmico. O mascarado aparece de pé, ao lado de dois prisioneiros ajoelhados, na clássica imagem que antecede as decapitações do grupo terrorista. Com gente que já nasceu o amigo não se importa.

Meu amigo-secreto ocupa o cargo mais importante da Câmara dos Deputados. Ele apresentou projetos para dificultar o acesso das mulheres ao aborto legal e impedir a adoção de crianças por casais homossexuais. Tudo porque é um grande defensor da família brasileira. Defende tanto, que usou o nome da própria mãe como senha das contas que mantinha em segredo na Suíça para receber propina. Mas problema mesmo são as mulheres hereges, né? “Afinal de contas, o povo brasileiro merece respeito!”, como diz o slogan do nobre deputado em seu portal na internet.

Meu amigo-secreto é um cidadão de bem. Distribui rosas no Dia da Mulher, mas quando ouve uma notícia de estupro pergunta se a vítima não estava com roupas inadequadas.

Meu amigo-secreto passa o dia reclamando do país mas não gosta de política, então na hora da eleição escolhe os candidatos que lhe parecem mais simpáticos na televisão. Dorme tranquilo, achando que não tem nada a ver com tudo isso que está aí.



29 de novembro de 2015 | N° 18370 
ANTONIO PRATA

Mexeriqueira em flor


Olivia vem correndo, para na minha frente, mostra o caroço de mexerica e faz a pergunta favorita de seus dois anos e meio de vida: “Papai, o que é isso?”. Quase sem tirar os olhos do jornal – com essa displicência da qual vou me arrepender muito quando ela for grande e já tiver suas próprias respostas –, digo “É um caroço”.

Olivia, porém, continua ali, ansiosa, olhando pro caroço, olhando pra mim. Óbvio, “caroço” não significa nada e ela quer, ou melhor, precisa saber que diabo de bolinha é aquela que estava dentro da fruta. Abaixo o iPad, explico que se a gente puser aquele caroço num vaso nasce uma planta e a planta vira uma árvore e a árvore dá um monte de mexerica. Como um céu nublado se abrindo ao sol em efeito “time-lapse”, a curiosidade dá lugar ao deslumbre. “Papai, vamos plantar o caroço?! Vamos plantar o caroço?! Vamos plantar o caroço?!”. Vamos plantar o caroço.

Saímos pro jardim, enfiamos o caroço num pequeno vaso amarelo, onde jazem os restos semimumificados de uma violeta – e só me dou conta da encrenca em que me meti quando, de volta ao sofá, vejo minha filha acocorada, imóvel, lá fora. “Olivia, que que cê tá fazendo aí?”. “Esperando a árvore.”

Explico que não é assim. Que demora. Que a gente tem que regar e aguardar uns dias, mas a minha suposta calma esconde uma ponta de pânico: e se essa semente não brotar? Será, sem dúvida, a maior frustração daqueles 30 meses de vida. Ao deitar a cabeça no travesseiro, relembro minhas palavras com um eco bíblico: “Se a gente puser o caroço num vaso... aso... aso... Nasce uma árvore... ore... ore...”.

São dias de angústia na Alameda dos Araçás. A cada manhã, Olivia me faz ir direto do berço ao jardim. Voltando da escola, a primeira parada é o vaso amarelo. Regamos juntos. Olhamos a terra de perto, por minutos a fio. Ela metralha perguntas: que tamanho terá a árvore? Vai poder comer mexerica antes do almoço? Vai poder levar mexerica pra escola? Respondo sem olhá-la no olho.

Na terceira noite de tribulação, proponho à minha mulher um esquema fraudulento. Compramos uma muda. Plantamos na madrugada. Ou arrumamos logo uma mexeriqueira em flor, cheia de frutas, já com balanço e casa na árvore. A Julia só me faz uma pergunta: “Caso a semente não germine, será que é a Olivia quem não vai aguentar a frustração?”.

Brigo com a Julia, critico sua psicanálise de botequim e viro pro lado ciente de que ela tem toda razão. Percebo que, desde o apito inicial de Brasil e Alemanha, não acalento nenhuma esperança. De lá pra cá, foi tudo 7 x 1. Sete a um na política. Sete a um na economia. Onde não tem lama, é deserto: uma aridez total. E, de uma hora pra outra, essa semente que vai virar planta que vai virar árvore que vai dar um monte de mexerica. Ou não vai?

Na quarta manhã, nem tenho coragem de ir lá fora. Abro a porta e deixo a Olivia sair correndo. Engulo a seco. Então ouço seus gritos de euforia. Vou apressado até o vaso amarelo: ao lado dos despojos da violeta nasceu, tímida e espalhafatosa, uma Maria Sem Vergonha. “Papai! Você plantou uma flor! Você plantou uma flor! Você plantou uma flor!”. Olivia abraça a minha perna, dá uns pulos pela grama, depois segue pra sala, com passos decididos, para cuidar de outros assuntos.


29 de novembro de 2015 | N° 18370 
L. F. VERISSIMO

Debutantes

As três almoçavam juntas todas as terças-feiras. Amigas antigas, mesma idade (o lado ainda ensolarado dos 30), casadas, sem filhos.

Heloísa fora a última a se casar.

– E então? – quis saber a Carol. – Então o quê?

– O casamento, como vai? – Vai ótimo!

– É tudo que você imaginava? – Que pergunta, Carol! Claro que é!

A Carol parecia amarga, por alguma razão. Logo a Carol, a mais divertida das três. A que organizava as reuniões dos casais. A que cantava nas festas.

– Diz a verdade, Helô – insistiu Carol. – O Rui é tudo o que você esperava?

– É um homem maravilhoso. Eu estou felicíssima.

– Felicíssima, Helô? – Está bem. Felicíssima é exagero. Mas estamos muito bem.

A Maria Helena interveio. – Por que esse interrogatório, Carol?

– Porque eu acho que nós estamos vivendo uma mentira. Três mentiras. Nós três. Nenhum dos nossos maridos é maravilhoso. Nossas vidas não são maravilhosas. No outro dia, eu estava olhando o Edgar roncando na frente da televisão e me dei conta. Então é isso? Minha vida é isso?

– Carol – disse a Maria Helena –, o que mais você quer da sua vida? Você é uma mulher saudável, sem problemas de dinheiro, com um marido que pode não ser um galã, mas...

– Não é o Edgar. Você não entende? O Edgar roncando na frente da televisão é só um detalhe. É tudo. É o futuro que me espera. O futuro que nos espera. É a vida que nós nunca vamos ter.

– Que vida você queria, afinal, Carol?

– Quer saber? Eu queria que minha vida fosse uma comédia romântica.

– Ora, Carol... – Uma comédia romântica americana.

– Mas isso não existe, Carol. Só existe no cinema. Na vida real, ninguém...

– É isso! A vida real. Nós não fomos feitas para a vida real. Nós merecemos mais do que a vida real. Lembra do nosso baile de debutantes? Nós não estávamos lindas? A vida que nos esperava era outra, sorridente, muito diferente da vida real. A vida real não é para debutantes.

Então, Carol levantou-se e disse que iria embora.

– Mas nós ainda não pedimos o almoço! – protestou Maria Helena.

– Eu estou sem fome. E hoje sou uma péssima companhia. Até terça que vem.

Quando Carol se foi, Heloísa comentou:

– O Rui não ronca, eu acho.

Você precisou perdê-la..


 Você precisou perdê-la para se lembrar do quanto amava seu sorriso, do quanto gostava de escutar o som da sua risada e de como era bom a sensação dela encostando a cabeça em seus ombros. Você precisou perdê-la para se dar conta quantas vezes ela precisou de você, e você não estava lá por ela. Você precisou perdê-la para perceber todas as vezes que ela suportou tudo sozinha, superou sozinha, e o mais triste: você percebeu todas as vezes em que ela amou sozinha. Ela amou sozinha, ela aguentou as dores sozinha. Você não ligava, não dava importância. Você era egoísta. Desde que estivesse bom para você, você não ligava para como ela se sentia. Você pensou que ela estaria sempre ao seu lado, e ela queria estar, mas você não deu motivos para ela permanecer. Você pensou que ela não se cansaria, não se afastaria, não iria embora, realmente ela não queria, mas ela não tinha mais motivos para ficar. Seu erro foi achar que a vida dela girava em torno de você, por um bom tempo girou, mas a felicidade dela não dependia de você. Você era apenas uma pessoa que ela pensou que seria capaz de caminhar lado a lado, de compartilhar a vida, de ser felizes juntos. Mas depois de tantas chances perdidas, tantas palavras jogadas, tanto sentimento desperdiçado, ela percebeu que você não seria capaz de valorizá-la como ela merecia e muito menos de amá-la como deveria. Ela não precisava de você, na verdade nunca precisou. Ela só queria sua companhia, seu amor. Mas você não percebeu isso enquanto ela estava do seu lado e lutando para dar certo, e agora que ela se foi, já é tarde demais. Sinto muito. "

_ Barbara Flores.__

Amy Adams:


RUTH AQUINO
27/11/2015 - 20h11 - Atualizado 27/11/2015 20h17

O PT contaminado


A única bancada que fechou questão pelo voto secreto foi a do PT, para esconder a posição sobre Delcídio

Foi o maior rompimento de barragem de lama na Nova República. As palavras turvas que jorraram da boca do líder do governo Dilma no Senado inundaram o Congresso e o país, mas, especialmente, o PT e suas bases, soterrando esperanças e convicções. O partido está mais dividido que nunca. Quantos anos serão necessários para recuperar a bacia das almas desse acidente ou crime? Onde a lama vai parar? Boias de contenção me parecem em vão.

Os bons petistas, idealistas, não sabem mais em quem acreditar. Eles se contorcem para ficar à margem, para não ser atingidos e contaminados pelos rejeitos tóxicos da bandidagem institucionalizada. O protagonista desse último filme B pertence à “cúpula da turma do Lula”. Lula foi cabo eleitoral de Delcídio do “Amoral”, ops, Amaral. Lula saiu em carro aberto em Mato Grosso do Sul, pediu o voto dos companheiros para o governador, suou a camisa. 

Mais um traidor, ex-presidente? Ou, como o senhor disse, “um idiota” que fez “uma trapalhada”, uma “coisa de imbecil”? Será que, como os já condenados – o ideólogo Zé Dirceu e o tesoureiro João Vaccari Neto –, Delcídio figurará como guerreiro do PT na história revisitada do partido? Ou será sumariamente expulso, como querem os camaradas linha-dura? A expulsão de Delcídio impedirá que a lama tinja de laranja o lago do Palácio do Planalto?

Um guerreiro, quase um terrorista suicida, que não hesitou em tentar calar a todo custo, pelo suborno e pelo tráfico de influência, um delator preso. Com o nobre objetivo de livrar sua cara, a cara do partido e a cara da presidente na compra da refinaria de Pasadena nos Estados Unidos em 2006, Delcídio planejou fugas mirabolantes do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró pelo Paraguai com destino à Espanha. Delcídio se gabou de pressionar juízes do STF. Delcídio prometeu melar a Lava Jato, anular sentenças.

Ah, mas, segundo o PT, Delcídio “agia por conta própria” e não “a mando do partido”, embora fosse o principal articulador de Dilma na mais alta casa de nosso Parlamento. Delcídio não merece compaixão nem solidariedade – ou merece? Nem o PT se decide. 

Na sessão no Senado, a maioria dos senadores do PT quis a volta do obscurantismo e apoiou o voto secreto para que eleitores não soubessem sua posição sobre a prisão de Delcídio. A única bancada que fechou questão a favor do voto secreto foi a do PT. E, mesmo assim, não conseguiu a fidelidade de todos os seus. 

Também entre os poucos que votaram a favor de soltar Delcídio, o PT foi maioria: nove dos 13. Tudo acompanhado ao vivo pelas redes sociais e pela TV Senado. Era um velório, no qual foi enfim desafiada a expressão dúbia “imunidade parlamentar” – usada no Brasil para garantir impunidade para crimes comuns, e não para proteger o direito constitucional do legislador. 

Ganhou a compostura. Ganharam as instituições. Mas, para os senadores, foi “um dia trágico”. De nervos expostos, de vísceras reviradas. E de clara divisão no PT e no PMDB. O presidente do Senado, Renan Calheiros, o grande aliado de Dilma e representante do vice Michel Temer, perdeu em tudo o que votou. Falou indignado contra “o Poder (Judiciário) que prendeu um senador em exercício de mandato sem culpa formada”. O Supremo respondeu, pela emocionada ministra Cármen Lúcia: “Criminosos não passarão sobre juízes”.

No fim, restou a Renan submeter-se ao plenário e atacar o PT por negar qualquer solidariedade a Delcídio. “A nota do PT sobre esse episódio, além de intempestiva, é oportunista e covarde”, disse Renan. Para onde foi o código de ética entre mafiosos? O senador Delcídio está preso. Por crime inafiançável, flagrante e permanente. Não era um dos “nossos”?

Para variar, Dilma não sabe o que faz. Uma hora, a presidente se rende à ala de Rui Falcão e apoia a nota. Outra hora, Dilma se rende a assessores que recomendam cautela. Não vamos abandonar nem isolar nosso querido Delcídio. E se ele também se torna delator premiado? Que “solidariedade” ele mostrará ao PT se for jogado às traças? Nenhuma.

Calou fundo no coração de muitos petistas o que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ex-ministro da Educação, disse na véspera do rompimento da barragem de Delcídio. Uma fala cândida e premonitória.

“Quando você tem um sonho de transformar a sociedade em favor da igualdade e você se desvia para se apropriar de recursos ou para beneficiar quem quer que seja, você está cometendo dois crimes: o primeiro é colocar a mão em recurso público, o segundo, você está matando um projeto político (...) Não tenho nada contra quem quer ganhar dinheiro, mas não venha para a política (...Se vier,) garanta que você não vai matar o sonho das outras pessoas.” O sonho de Haddad virou pesadelo. O prefeito de São Paulo não está sozinho. Tem uma multidão com ele.


28 de novembro de 2015 | N° 18369
EDITORIAIS

PELO RETORNO À NORMALIDADE


A prisão do senador Delcídio Amaral e o dilema político vivido pelo Senado para chancelar a decisão do STF não podem servir de motivo para a paralisação dos trabalhos legislativos no momento em que o país depende do ajuste fiscal para sair da crise. O desafio do governo e das lideranças parlamentares é retornar o mais rapidamente possível à normalidade, deixando o episódio criminal para a Justiça, para o Ministério Público e para a Polícia Federal.

O momento é de compreensível pânico no Congresso, especialmente entre os investigados pela Operação Lava-Jato. Na lista inicialmente divulgada pelo Ministério Público Federal, há 13 senadores e 24 deputados, incluídos os dois presidentes das casas legislativas. Mas a maioria dos parlamentares continua com legitimidade para apreciar matérias que exigem imediata definição.

A principal delas é a aprovação da meta fiscal de 2015, que autoriza União, Estados e municípios a fecharem o ano com um déficit de R$ 119 bilhões.

O projeto, que precisa ser aprovado em sessão conjunta, deveria ter sido votado na última quarta-feira, quando estourou o escândalo em torno do senador Delcídio Amaral. Também o governo teme que o Congresso traumatizado acabe recolocando na ordem do dia a pauta do impeachment.

Só que não se trata de salvar o governo ou o mandato dos parlamentares ameaçados pela Lava-Jato. Trata-se, isto sim, de salvar o país, de superar uma crise econômica que exaure as forças do setor produtivo e causa desemprego crescente. É por isso que deputados e senadores têm que superar a perplexidade e unir esforços no sentido de levar adiante o ajuste fiscal, destravando o Legislativo e proporcionando condições para que a nação supere esse episódio turbulento de sua história.



28 de novembro de 2015 | N° 18369 
NÍLSON SOUZA

IDEIA DE JERICO

Depois de décadas de trabalho escravo pelo desenvolvimento do Nordeste, os jumentos começaram a ser trocados por motos, que são mais rápidas e mais ágeis no transporte de passageiros e mercadorias. Porém, em vez de receberem a merecida aposentadoria, com pasto verde e água fresca, os burricos passaram a ser abandonados por seus donos na beira das estradas, tornando-se um incômodo para o trânsito e para as autoridades. 

Em várias cidades, há milhares de animais vagando pelas várzeas e pelas margens das rodovias. Por isso, quando recentemente um empresário chinês procurou a ministra Kátia Abreu, da Agricultura, manifestando interesse em importar 1 milhão de jegues por ano, cheguei a pensar que na Ásia eles poderiam ter uma vida melhor.

Ledíssimo engano. Ao ler com mais atenção a notícia, percebi que a intenção do mandarim é abastecer os açougues locais e também a indústria de cosméticos. Ainda que me revolte o estômago, até entendo que um país com 1 bilhão e 300 milhões de bocas para alimentar possa consumir sem remorsos qualquer tipo de carne. Mas acho insuportável a ideia de enviar nossos burricos para os laboratórios de tortura dos fabricantes de perfume e maquiagem. Sei que eles já fazem testes com coelhos e outros bichinhos, o que também é execrável, mas o jumento – como rezava o padre Vieira e cantava o Gonzagão – é nosso irmão.

Quem leu Platero e Eu, do espanhol Juan Ramón Jiménez, jamais deixará de olhar com ternura para um jegue. Na prosa poética e sensível do escritor andaluz, o burrinho de aço e prata ganha sentimentos mais do que humanos, ouve, pensa e age como um ser verdadeiramente superior, é paciente e servil, mas também forte e resistente na hora do trabalho. Não são assim todos os jumentos?

É difícil de entender por que a palavra asno virou ofensa. O próprio Jiménez desenvolve a tese de que os homens bons deveriam ser chamados de asnos, e os asnos maus deveriam ser chamados de homens. Uma convicção eu tenho: asnos jamais teriam uma ideia de jerico como essa de lançar produtos químicos nos olhos dos animais para saber se o rímel não causará desconforto às madames.

Nem tudo está perdido, porém. Cresce no Nordeste um movimento de defesa dos jegues, que já conseguiu criar em Petrolina, Pernambuco, o Parque Ecológico de Proteção ao Jumento, destinado a abrigar animais abandonados. Espero que mantenham os chineses à distância.



28 de novembro de 2015 | N° 18369 
DAVID COIMBRA

Muito obrigado

Foram tantas distrações com Delcídios, que nem falei sobre o feriado do Thanksgiving, o Dia de Ação de Graças. É uma data pela qual os americanos nutrem muito apreço, desconfio de que mais do que pelo Natal.

Tudo fecha, todo o comércio, o que é significativo, porque aqui o comércio fica aberto sempre, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Acho uma data muito bonita. Um dia para agradecer...

Sem dúvida, uma demonstração de humildade. E uma atitude positiva em relação à vida. Se você agradece pelas coisas que têm, sejam quais forem, você certamente é uma pessoa feliz.

Nas escolas, as crianças são incentivadas a refletir por um momento e a escrever a respeito do que têm a agradecer. Não raro, a composição é lida para a família antes do jantar de Ação de Graças.

Nessa noite, participamos de um típico repasto americano, na casa de amigos. Sobre a mesa, rescendia um peru de oito quilos que deve ter sido imponente quando ciscava pela vida. Estava dourado como uma Gisele Bündchen. Sim, era da cor de Gisele, e aquilo me fez feliz.

Diante daquele grande peru, e de nós, adultos, as crianças leram seus textos. Meu filho agradeceu pela existência do jogo X-Box 300, o que considerei compreensível, e pelos coalas australianos, o que me deixou intrigado.

Uma menina pegou do violino e dele tirou uma música doce. Ela está aprendendo a tocar o instrumento na escola, e percebi que havia ensaiado diligentemente para a ocasião.

A singeleza da cerimônia e a quarta taça de tinto italiano me deixaram levemente comovido, e eu também fiz meus agradecimentos.

Lembrei de minhas manhãs.

Acordo sempre muito cedo, escuro ainda, e vou até a porta de vidro da sacada e olho para fora e vejo lá longe, na linha do horizonte, a faixa de luz alaranjada que começa a iluminar o céu. As pessoas estão dormindo, a cidade está quieta e o ar é fino. É tão bonito o suave nascer do dia, tão majestosamente silencioso e pacificamente envolvente, que me emociono. É meio piegas isso, sei, mas é verdadeiro: cada novo dia me toca, apenas por ser um novo dia.

Agradeci, pois, pelas manhãs. Em seguida, olhei para o peru. Lembrei de Gisele Bündchen.

E, suspirando, agradeci pela Gisele também.