quinta-feira, 30 de novembro de 2023


30 DE NOVEMBRO DE 2023
ZÉ VICTOR CASTIEL

Um ato de amor

Fui adolescente no final da década de 1960 e início da de 70. Bons tempos aqueles. A gente usava calças boca de sino e ainda disputava para ver qual delas era a maior. Durante o dia, brincávamos de tudo aquilo que já foi cantado e decantado em verso e prosa, como bolas de gude, taco e tantas outras que só não podem acontecer hoje porque nenhum pai se atreveria a deixar seus filhos na rua brincando, sob pena de voltarem traumatizados com algum tipo de violência.

Havia, porém, um perigo, que não era considerado como tal e que mais tarde voltaria para cobrar seu preço: o fumo, o crivo, o cigarro. Naquela época, todos os adultos, se não fumavam regularmente em alguma ocasião, apareciam com um cigarro entre os dedos. Era charmoso. Os artistas de cinema e televisão fumavam compulsivamente e era aquela pequena bengala cênica que dava segurança aos atores e emprestava charme aos seus personagens. As piteiras eram usadas como adereço de beleza e valor para que os outros percebessem. Era de bom-tom. As propagandas da televisão, que ao fim e ao cabo ditavam a moda, eram lindas. Pouca gente escapava daquilo.

As crianças maiores e os adolescentes também queriam utilizar o cigarro para parecer mais interessantes. Claro que faziam isso escondido dos pais, mas, quando surpreendidos, recebiam uma reprimenda que não condizia com o delito cometido.

E assim foram se passando os anos. Muitas dessas pessoas deram-se conta de que o cigarro não era o que dizia ser e trazia consigo inúmeros malefícios. Na verdade, os que permaneceram fumando já eram escravos de uma droga que era considerada lícita e que se adquiria em qualquer supermercado ou vendinha.

Mas aí já era tarde. Deixar de fumar passou a ser uma tarefa muito difícil. Evidentemente que uma pessoa é muito mais forte do que um pedaço de papel enrolado com fumo dentro. Mas, por incrível que pareça, é muito difícil parar. E aí começaram a surgir os malefícios daqueles que fumaram tanto tempo e deram chance para o azar.

Não culpo, de forma alguma, as pessoas que ainda fumam. Muitas delas foram compelidas a isso pela mídia e pela época em que viveram. Mas não compreendo como um jovem ou um adolescente ainda consegue aderir ao cigarro, mormente sabendo que seu cheiro é desagradável e que suas consequências, um dia, serão nefastas. Orientem bem seus filhos desde a mais tenra idade para que fiquem afastados desse mal que, mais cedo ou mais tarde, volta para assombrar a sua saúde. Acreditem em mim . É um ato de amor.

ZÉ VICTOR CASTIEL

30 DE NOVEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Nem sempre o motorista é o culpado

As campanhas de trânsito se devotam à figura do motorista: que tenha prudência, que não ultrapasse, que não exceda a velocidade da pista, que use cinto, que não beba. Mas elas deveriam dirigir sua atenção também para a melhoria nas condições de nossas estradas, uma das principais vilãs das mortes rodoviárias.

Nem sempre o condutor é o culpado. Não adianta ser aplicado, obediente às leis, precavido, se existem buracos e crateras na pista que podem desviar o veículo perigosamente a um desfecho fatal, ainda mais quando é de carga pesada, como caminhões ou carretas.

Quem trafega pela RS-324, entre Casca e Nova Prata, ou pela RSC-470, entre Bento Gonçalves e Nova Prata, costuma rezar para voltar ileso à sua casa.

A situação é crítica há mais de uma década, e nada mudou. Em um breve levantamento no meu grupo de motoristas profissionais do WhatsApp, enumero um ranking das rodovias mais castigadas:

BR-153

BR-287

BR-392

RS-122

RS-447

RS-020

RS-324

São perdoáveis os bloqueios em função das chuvas. É uma contingência do tempo, de eventos climáticos anormais. Mas não dá para tolerar a indiferença histórica com esses trechos. Você paga pedágios, e jamais tem a sua tranquilidade como troco.

É necessário entender que estrada não é domínio exclusivo da Secretaria de Transportes do Estado do Rio Grande do Sul ou do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, atinge plenamente a esfera da saúde pública. Se nossas vias estivessem mais seguras, reduziríamos a lotação de nossos hospitais.

Ou seja, amenizando o problema das ligações regionais, gastaremos muito menos com os hospitais públicos. Trata-se de uma economia indireta. E, quem sabe, de uma redução astronômica de gastos. A ausência de uma gestão integrada acaba nos precipitando a cometer os mesmos erros duas vezes. Cada um cuida da sua pasta, e os efeitos são nocivos e cumulativos para todos.

De acordo com nova pesquisa anual da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 72,2% das rodovias do Estado encontram-se nas categorias de regular, ruim e péssima. No ano passado, esse percentual estava em 66%.

Sobram menos de 30% trafegáveis e, deste contingente, 5% são exemplares. Dos 8.798 quilômetros analisados do fluxo gaúcho, apenas 436 quilômetros estão excelentes.

Cerca de 70,1% das nossas estradas têm sinalização regular, ruim ou péssima. No trecho entre São Vendelino e Bento Gonçalves, na RS-446, por exemplo, as pistas não são pintadas, tampouco contam com olho de gato, mostrando-se impraticáveis durante a neblina.

O que é mais assustador no raio X da CNT: apesar da péssima pontuação, a estrada gaúcha é uma das melhores do país. O que fornece uma noção bem clara da omissão generalizada.

CARPINEJAR

30 DE NOVEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

JURAMENTO ESQUECIDO

Merece completa e profunda investigação o caso levado a conhecimento público de um grupo de médicos do Hospital Nossa Senhora da Conceição, da Capital, que batiam o ponto normalmente na instituição como se estivessem iniciando mais uma jornada de trabalho, mas em seguida deixavam o local para ir à academia, fazer compras ou atender pacientes em consultórios particulares. Depois, retornavam para registrar o fim do expediente, na verdade descumprido. Essas foram algumas das sequências flagradas por investigadores da Polícia Federal (PF) ao longo de seis meses de apurações que levaram à deflagração da Operação Hipócrates na terça-feira.

É fato que os brasileiros, de Norte a Sul, estão tristemente acostumados a tomar conhecimento de desvios de conduta no serviço público. Mesmo assim, é assombrosa a desfaçatez das atitudes descritas no curso da investigação da PF, que ainda vai atrás de mais provas para melhor detalhar a possível fraude. Espanta por serem profissionais que fizeram um juramento ético para exercer um dos mais nobres ofícios. Na situação específica, são empregados concursados com salários polpudos de até R$ 31 mil, pagos rigorosamente em dia.

Diz o Juramento de Hipócrates, que versa sobre os compromissos assumidos pelos médicos ao fim da formação acadêmica: "A saúde e o bem-estar de meu paciente serão as minhas primeiras preocupações". Ao que parece, os cuidados de pessoas enfermas sob suas responsabilidades não eram exatamente a prioridade dos envolvidos.

Espera-se que o prosseguimento das investigações traga elementos para esclarecer definitivamente o que ocorreu e, confirmadas as atitudes irregulares, a responsabilização seja exemplar. Os investigados, no entanto, devem ter irrestrito direito à defesa e ao devido processo legal. Mas a penalização justa, uma vez comprovada a conduta ilegal, é essencial para desestimular práticas semelhantes. A própria operação da PF deve contribuir para desencorajar comportamentos similares.

Um dos pontos obscuros a esclarecer é se outras pessoas na instituição tinham conhecimento do que vinha ocorrendo. Há, no mínimo, uma falha preocupante nos mecanismos de controle de cumprimento de jornada do hospital, exclusivamente voltado ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A direção afirma que, se as acusações forem confirmadas, demitirá os implicados. Esse é ainda mais um caso a servir de alerta para gestores públicos da área, como foi o episódio de médicos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), em Porto Alegre, que não cumpriam seus horários, com reflexos na prestação de um serviço em que a agilidade é primordial para salvar vidas.

Os nomes dos investigados não foram divulgados. Compreende-se o cuidado da PF. Mas essa circunstância também eleva a expectativa de que o inquérito tenha breve desfecho formal, com prosseguimento nas demais instâncias legais previstas. O esclarecimento definitivo do episódio e a depuração do quadro de colaboradores também são de interesse do corpo clínico do hospital, em ampla maioria reconhecido pelo profissionalismo e pela dedicação ao público atendido pelo SUS.



30 DE NOVEMBRO DE 2023
POLÍTICA +

De Caxias do Sul para Dubai

A convite da organização da 28ª Conferência do Clima, da ONU, o prefeito de Caxias, Adiló Didomenico, estará em Dubai de hoje até 5 de dezembro, para participar dos debates sobre mudanças climáticas. O prefeito transmitiu o cargo para a vice, Paula Ioris, ontem, na reunião semanal do secretariado.

Adiló vai à COP28 como convidado, com todas as despesas de hospedagem, alimentação e passagens pagas pela organização.

O convite foi motivado pela projeção que Caxias teve em Brasília com o Plano Municipal da Mata Atlântica. Duas etapas já foram executadas. A terceira, que aborda biodiversidade, clima e sustentabilidade, está em fase de desenvolvimento pela equipe da Secretaria do Meio Ambiente.

Melo pede ajuda federal

Em Brasília desde terça-feira, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, participou ontem de painel com o ministro das Cidades, Jader Filho. Lembrando das recentes inundações na Capital, Melo aproveitou o encontro para fazer apelo ao governo federal para que priorize as famílias que moram em áreas de risco nos programas habitacionais.

Segundo levantamento da prefeitura, existem hoje 142 áreas de risco em Porto Alegre, nas quais moram cerca de 82 mil pessoas.

- Corremos risco com todas essas chuvas. É deslizamento quando as pessoas moram no pé do morro, quem mora na beira de arroio ou embaixo de uma rede de alta tensão. São locais inabitáveis. O ministro deu atenção ao tema e prometeu ter uma conversa mais aprofundada comigo - disse Melo à coluna.

Hoje, o prefeito terá reunião com o titular da Previdência Social, Carlos Lupi. Melo pedirá ao ministro que a União doe ao município três imóveis onde hoje funcionam os centros de saúde IAPI, Santa Marta e Vila dos Comerciários (Postão da Cruzeiro). Os prédios pertencem ao INSS.

- São equipamentos que precisam de reformas. Alguns estão caindo aos pedaços, outros são recuperáveis. Tenho uma insegurança, porque precisamos reformá-los, mas temos de acertar isso - disse.

ROSANE DE OLIVEIRA

30 DE NOVEMBRO DE 2023
TULIO MILMAN

Liberdade

A Maya está aprendendo a nadar. Touquinha enfiada na cabeça, fralda de piscina, maiô tamanho quatro e muita animação passaram a ser ingredientes das nossas manhãs de sábado.

Por enquanto, ainda entro na água com ela. É só uma questão de tempo. Na aula passada, a Maya já começou a se soltar mais sozinha, dando risadas com as brincadeiras. Uma delas envolvia um pequeno regador. A professora, muito dedicada e competente, perguntou para suas aluninhas, uma de cada vez: "Tu tomas banho de banheira ou de chuveirinho?". A Maya foi a terceira a responder. Ficou quieta, olhou em volta, refletiu, fez uma carinha fofa e disparou: "De piscina". Caímos na gargalhada.

Ah, os filhos!!! Eles nos ensinam a pensar sobre a vida. Foi o que fiz com a resposta óbvia e, por isso, tão divertida e verdadeira. Nós, adultos, somos presas fáceis das alternativas forçadas. Nos oferecem duas opções e, quase sempre, ficamos grudados a elas, como se fossem as únicas.

O que você prefere: frio ou calor? As praias gaúchas ou as de Santa Catarina? Governo ou iniciativa privada? O indivíduo ou o coletivo?

Liberdade, de fato, é compreender o tamanho do infinito. Curtir as bergamotas do inverno, os dias mais longos do verão e a luz do outono. Correr na areia plana de Xangri-lá, relaxar no mar calmo de Bombinhas e mergulhar na Lagoa dos Patos. Valorizar a importância do empreendedorismo, agradecer o SUS pelas vacinas e celebrar as parcerias entre o público e o privado. Aceitar que o indivíduo deve sempre ser respeitado, que o homem é um ser social e que, dependendo das circunstâncias, a ênfase entre um e outro pode e deve variar.

No final de semana passado, conversava com meu pai e com a minha mãe, 91 e 78 anos, respectivamente, sobre os desafios da inteligência artificial e sobre o que restará para nós, humanos. Chegamos a um ponto em comum: a importância da pergunta. É a partir da dúvida que nasce a certeza.

Banho? Nem de chuveiro, nem de banheira.

De chuva? De piscina? De sol?

Ou quem sabe o seco ou a sombra?

Então a professora de natação espalhou vários brinquedos pela borda. Pediu que cada aluna escolhesse um. Maya estendeu o bracinho e pegou um patinho amarelo. Terminado o primeiro exercício, a orientação era largar o brinquedo e escolher um outro. Lá estavam três patinhos idênticos, enfileirados na beira da piscina. Maya recolocou um no lugar e, rapidamente, agarrou outro, exatamente igual. Afinal de contas, não era o mesmo. Mas também era.

E por que não?

TULIO MILMAN

quarta-feira, 29 de novembro de 2023


29 DE NOVEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

O tormento do esconde-esconde

Brincar de esconde-esconde me desanimava. Nunca entendia o propósito da brincadeira. Eu tinha que me esconder, mas não perfeitamente a ponto de não ser achado. Eu dependia de um esconderijo mais ou menos, que não fosse fácil nem insondável. Que a pessoa não me avistasse logo, e tampouco perdesse a vontade de me localizar.

Não poderia ser atrás da porta ou das cortinas, debaixo da cama ou da mesa. Na verdade, eu precisava ser descoberto com alguma resistência, talvez para sair correndo da minha sombra em vantagem e ganhar a disputa batendo na árvore.

Era uma brincadeira pela metade. Uma brincadeira com alto grau de fingimento. Lembro que uma vez eu tirei pastas e máquinas de escrever estragadas da estante de cima do armário da lavanderia e entrei num lugar em que fiquei dobrado, imprevisível para o meu tamanho. Subi até ali com a ajuda da mesa, sem escada aparente para me denunciar.

Meus irmãos me procuraram durante 20 minutos, e não me perceberam. Até porque deduziram que aquela antiga despensa se mantinha repleta de tralhas.

Sofri com o escuro, com o silêncio, com o cheiro das pedras fosforescentes de naftalina, respirando baixinho, não podendo tossir ou espirrar pela poeira proeminente do local. Aguentei de maneira espartana, comovente, como um animal em perigo.

Depois de uma hora encaixotado, não havia mais nenhuma voz da expedição no quintal. Desci de minha montanha imaginária e constatei com tristeza que tinha sido esquecido, abandonado: a brincadeira acabara e sequer fui avisado. Diante da desistência de todos, não ganhei a disputa, não terminei declarado como vencedor.

Qual a graça da minha façanha? Nenhuma.

Meus irmãos estavam de banho tomado e jantando. Ainda recebi uma reprimenda da mãe pela demora. Por pouco, não fiquei de castigo no quarto. O esconde-esconde é uma metáfora pertinente aos joguinhos de sedução (ou seriam de dedução?) nos relacionamentos.

Somos ensinados a ocultar as nossas emoções. A não dizer que estamos apaixonados. O outro é que deve desvendar nosso refúgio, o outro é que deve partir do encalço de nossas pistas e decifrar nossos sinais falsos, o outro é que deve se mostrar incansável.

Não é recomendável responder rapidamente a mensagens, ou permitir romance na primeira noite, ou se portar com disponibilidade, ou aceitar qualquer convite. Predomina um comportamento dissimulado, ambíguo, em que a regra é se fazer de difícil.

O risco é não ser espontâneo, não ser verdadeiro, e talvez jamais ser encontrado, porque você encobriu tão bem o que sentia que ninguém ficou sabendo, muito menos a parte interessada.

CARPINEJAR

29 DE NOVEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

INFRAESTRUTURA ADAPTADA

Está em elaboração por um conjunto de institutos de pesquisas e universidades o Plano Nacional de Defesa Civil (PNDC). O instrumento, fruto de um convênio com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, vai formular princípios e diretrizes e estabelecer metas para fortalecer a gestão de riscos de desastres nacionais no país frente ao cenário de maior frequência e violência de eventos climáticos, decorrência do aquecimento global. Um dos vários aspectos contemplados se refere à importância de construções mais resistentes, que possam suportar enchentes de grandes proporções e enxurradas.

O tema foi tratado em reportagem de Anderson Aires publicada ontem em Zero Hora, que traz alerta de engenheiros sobre a necessidade de reforço nas inspeções e nos trabalhos de reparos em pontes. Há ainda a advertência quanto à conveniência de modelos de construção serem repensados. Os diversos episódios de chuvas fortes e prolongadas ao longo de 2023 levaram à queda de várias estruturas pelo Estado, e possivelmente, inúmeras outras sofreram danos estruturais. É uma questão de segurança, portanto, verificar o estado dessas travessias, para serem diminuídos os riscos de transtornos e tragédias. A negligência pode ter alto custo.

Neste ano, ao menos cinco pontes de rodovias estaduais ruíram. Apenas em Caraá, no Litoral Norte, um das cidades mais atingidas pela chuvarada de junho, 72 pontes ou pontilhões foram destruídos ou avariados. Apesar de não existir um levantamento detalhado, não é difícil supor que danos semelhantes, mesmo que em menor escala, se espalharam pelo interior gaúcho, em especial nas pequenas vias municipais que cortam zonas rurais. Recompor acessos cortados quando uma ponte é levada pela fúria das águas é muito mais trabalhoso e caro do que recuperar uma estrada.

Não estão em jogo apenas a possibilidade de contratempos, dificuldades para chegar a determinados locais ou obstáculos para escoar a produção e transportar mercadorias. Há risco à vida. Basta lembrar do episódio de janeiro de 2010, quando a força das águas do Rio Jacuí, depois de dias de intensas chuvas, derrubou a ponte da RS 287, entre Restinga Seca e Agudo, na região central do Estado. Cinco pessoas morreram após a correnteza fazer estrutura ceder e ruir.

Os especialistas ouvidos na reportagem avaliam que as pontes no Rio Grande do Sul não vêm recebendo a atenção que deveriam em termos de inspeção e manutenção. O perigo aumenta com o prognóstico de episódios de chuvas torrenciais e duradouras mais repetidos devido às mudanças climáticas. No curto prazo, a luz amarela também se acende pela ocorrência do fenômeno El Niño, com tendência que predomine até meados do próximo ano. Os engenheiros advertem ainda que passa a ser temerário basear-se nos dados históricos para o dimensionamento das estruturas sobre cursos d´água. Existem evidências a advertir que os parâmetros do passado talvez não sejam os melhores para prever o comportamento da natureza no futuro.

A construção e a manutenção de pontes, estradas, barragens e moradias devem levar em conta essa nova realidade. Serão necessárias novas tecnologias, materiais e métodos para a maior resistência a eventos extremos. Além de significarem mais segurança, durabilidade e resistência, podem se refletir em economia de recursos ao longo do tempo.


29 DE NOVEMBRO DE 2023
MARIO CORSO

Aprendi na carne, ou melhor, no tendão de Aquiles, uma triste verdade. Parar de jogar futebol dói mais do que a lesão. Os homens pouco falam da triste despedida dos gramados. Preferem sofrer em silêncio. Tomara que as mulheres, que agora jogam, tenham palavras para isso no futuro.

Não existe idade para o infortúnio, pode ser na faixa dos 20 como na dos 60, mas um dia ele chega. Em comum, a parada se deve ao encontro com o limite do corpo, via de regra na forma de lesões. Descobrimos que ser de borracha é um privilégio da juventude.

Moer o joelho é o símbolo dessa desgraça. Porém, os revezes são múltiplos. Estouramos um músculo, ou tendão, de que nunca tínhamos ouvido falar. Geralmente é algo como: a cirurgia foi recomendada porque uma ruptura parcial dos tendões isquiotibiais desequilibrou o virabrequim, forçando a biela, que então quebrou a parafuseta que prende a rebimboca na coxa. Ou algo parecido - igual, ninguém entende. E nem é grave, só dói ao andar.

Depois da lesão, vem a fase da insistência. Meses de fisioterapia nos deixam aptos para recomeçar a ter lesões. Em seguida chega a fase "eu vou embora", quando nossa esposa, ou namorada, não aguenta mais nos levar para emergências de traumatologia e os plantonistas nos conhecem pelo nome.

Frente às justas ameaças de separação, pois as sobrecarregamos, iniciamos a doída aceitação. Sofremos por uma mistura de sentimentos, começando por assumir a idade da certidão de nascimento. Jogando voltamos a ser meninos e, durante a partida, não existe outro mundo.

Perdemos uma maneira de usar o corpo, talvez o melhor contato com nossa inteligência corpórea. Quando uma bola espirrada chega forte, girando, quicando, não sabemos o que fazer, mas o pé sabe.

Como em qualquer esporte, no futebol vamos aprendendo, pensando as jogadas, repetindo, imitando, até que em um momento o corpo decola e prescinde do pensamento. Sentiremos falta do momento assombroso de sentir o improviso nos dirigindo como se uma entidade nos usasse para jogar.

É durante a possessão pelo espírito do futebol que surge a ginga, o drible. Jogar é prazeroso por nos conectar com outra forma de ser, nos sintonizar com a forma mágica do nosso eu. Por isso, os meninos não conhecem o cansaço, só param de jogar quando o entardecer desliga o sol.

Parar de jogar futebol fecha a última porta da nossa infância.

MÁRIO CORSO


29 DE NOVEMBRO DE 2023
INFORME ESPECIAL

Para ouvir e aprender sobre as aves

A partir de hoje, quem passar pela Praça Alfredo Cony, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, vai poder saber um pouco mais sobre os pássaros locais. Adotada pela empresa Ecoreal, a área verde vai ganhar placas interativas com informações sobre 11 espécies.

Detalhe: será possível, inclusive, ouvir o canto de cada uma delas no telefone celular.

Entre as selecionadas, estão o pardal (foto), o bem-te-vi e o sabiá-laranjeira, com uma série de curiosidades. Sobre o sabiá, por exemplo, a gente fica sabendo que a melodia de cada ave varia, porque a espécie tem capacidade de aprendizado vocal. Não é uma beleza? Isso é educação ambiental na prática.

Arte e economia criativa na Capital

Um evento de música e economia criativa promete movimentar Porto Alegre a partir de amanhã, até o próximo domingo. Em parceria com a Oi Futuro, o MATE - Música, Arte, Tecnologia e Educação terá atividades no espaço Vila Flores, na Casa de Cultura Mario Quintana e nos bares Agulha e Opinião.

Ao longo dos quatro dias de programação, que tem o apoio do Pró-Cultura RS, haverá oficinas, rodadas de negócios, palestras e uma caminhada guiada por prédios do Centro Histórico, além de shows com convidados internacionais - entre eles, a banda instrumental Cíntia, vinda de Lisboa, em Portugal (foto).

Os painéis vão abordar temas como o crescimento da indústria criativa no país, o atual momento do mercado da música digital, os novos festivais e o fortalecimento dos grandes eventos musicais no Brasil e no mundo.

Para saber mais sobre programação e ingressos, é só acessar sympla.com.br.

JULIANA BUBLITZ
29/11/2023 - 07h00min
Pedro Ernesto Denardin

Uma bela homenagem ao jogador que encanta os gaúchos com sua arte

Na Assembleia Legislativa, o uruguaio Suárez agradeceu o carinho da torcida

Mateus Bruxel / Agencia RBS

Suárez recebeu o merecido reconhecimento.

Mateus Bruxel / Agencia RBS

Suárez levou uma multidão de gremistas para a entrega da medalha do Mérito Farroupilha. O grito de "fica" foi ouvido em todos os corredores da Assembleia Legislativa, nesta terça-feira (28). 

O craque uruguaio recebeu os cumprimentos do deputado Arthur Atos e depois discursou brevemente. Reconheceu o carinho do povo gaúcho, disse estar feliz, mas nada adiantou do seu futuro. O presidente Alberto Guerra esteve ao lado do seu jogador. Precisou da segurança junto com sua mulher para serem retirados do local.

Reposição

Suárez deve fazer seu último jogo pelo Grêmio contra o Vasco da Gama, no domingo (3). Porém, o craque gremista está pendurado com dois cartões amarelos. Se receber o terceiro, sua última partida em Porto Alegre será na quinta-feira (30), contra o Goiás.

E será chegado o momento da reposição. Os dirigentes do Grêmio, os mesmos que fizeram a maior contratação da história do clube, precisam encontrar um centroavante de qualidade. Uma tarefa bem difícil. 

Menos mal que o Tricolor tem André Henrique e Nathan Fernandes. São dois jovens de qualidade. Precisam ser colocados no time. Não podem ser arquivados pelo treinador. Devem jogar, ganhar experiência porque são muito bons. Que o treinador do Grêmio fale menos em investimentos e contratações e fique mais concentrado nos jovens jogadores produzidos nas categorias de base do clube.

terça-feira, 28 de novembro de 2023


28 DE NOVEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

A floresta visionária de Rubens Minelli

O sexto rei de Portugal, Dom Dinis, conhecido como Rei Lavrador, foi um dos maiores entusiastas para a plantação de pinhais, aumentando a área florestal da Mata Nacional de Leiria com a meta de um pinhal para cada português.

Ele estendeu a área iniciada pelo seu pai, Dom Afonso, substituindo o pinheiro manso pelo bravo, a fim de não só abastecer as populações de madeira, mas também evitar que a areia cobrisse as terras aráveis.

O que ele não esperava era que sua atitude seria premonitória e decisiva para as descobertas marítimas, séculos depois. A abundância de tal matéria-prima determinou o favoritismo português nas corridas oceânicas. O pinhal tornou-se o ponto decisivo para a construção de embarcações, ideal na vedação dos cascos das caravelas.

Um gesto louco e impensável para sua época serviu para abastecer a época seguinte. Esse caráter pioneiro moldou a trajetória do treinador de futebol Rubens Minelli, que se despediu de nós na última quinta-feira, aos 94 anos.

Ele preparou o futebol do futuro. Um futebol total, preenchendo os espaços. Foi uma das primeiras mentes táticas a expor a vantagem de se pressionar a bola do adversário. Posicionou-se, de modo ferrenho e igualmente visionário, a favor da condição física, preparando seus atletas para suportar maratonas. Tanto que preferia treinos com a grama alta do estádio, para redobrar a resistência.

Antes dele, as equipes se valiam do avanço previsível pelas jogadas laterais, com o uso de pontas. Depois dele, houve um maior domínio do meio-campo, com ataque baseado na projeção dos volantes.

Consagrou-se como tricampeão brasileiro antes da unificação dos títulos por parte da CBF, conquistando o campeonato nacional com o Inter, em 1975 e 1976, e com o São Paulo, em 1977. Brilhou ainda no seu 4-3-3 como comandante do Palmeiras em 1969, no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, lançando a novidade de um "falso ponta" para povoar o meio. Ganhou o mundo ao ser campeão no Al-Hilal e trouxe alegria às torcidas do Galo, Grêmio (1985-1989) e Paraná.

Quem não se lembra do implacável Inter do bi nacional? Ele criou uma "inversão do triângulo": dois volantes marcavam os dois meias dos rivais, e sobrava Falcão livre para finalizar. Aquela tabelinha Escurinho-Falcão de cabeça, uma das jogadas mais antológicas do Beira-Rio - com um gol de Falcão estendendo a perna até o seu limite, no último minuto da semifinal do Brasileiro, em cima do Atlético-MG -, teve insight de Minelli.

Assim sempre existia um homem surpresa, subindo as linhas e impondo uma superioridade numérica o tempo todo em cima da defesa. Minelli não morreu, está absolutamente vivo no futebol moderno. Suas sementes viraram naus dos vindouros descobrimentos.

CARPINEJAR

28 DE NOVEMBRO DE 2023
CAPA

Beach Park abre as asas

Conhecido em razão dos seus muitos toboáguas que agradam tanto a criançada quanto os adultos, o Beach Park é um dos destinos que costumam entrar no roteiro de quem vai conhecer o Ceará. O complexo no município de Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza, tem atualmente um parque aquático e quatro resorts. A partir do primeiro semestre do ano que vem, terá um parque com uma proposta bem diferente do já existente.

Durante este passeio, o visitante poderá deixar a roupa de banho no hotel. No Arvorar, as piscinas e as atrações radicais darão lugar a aviários, que abrigarão cerca de 250 aves.

A grande atração do parque são os aviários imersivos, onde visitantes poderão passar bem pertinho dos animais. Os aviários abrigarão 35 espécies, entre os quais araras, corujas, periquitos, jandaias, divididas de acordo com as necessidades e comportamentos de cada uma. Os responsáveis pelo local garantem que, além de ser uma experiência divertida, vai ser focada na educação ambiental. É uma boa pedida para os dias em que o parque aquático não abre ou o tempo não estiver tão bom assim para praia.

O projeto, apresentado para a imprensa em coletiva no complexo do Beach Park no início do mês, começou há três anos, ainda durante a pandemia, a partir de relatos sobre a situação dos pássaros traficados. Pensando nisso, surgiu a ideia de um parque para onde os animais resgatados possam ser levados, mas que também seja um lugar onde as pessoas tenham contato com eles e que promova a consciência ambiental. A inspiração veio do Parque das Aves, em Foz do Iguaçu, no Paraná.

- O crescimento dos números de apreensão de animais no Ceará nos impulsionou a criar um equipamento que pudesse receber esses pássaros, para que possam ser cuidados com a devida estrutura, contribuindo para a reabilitação, com chances bem maiores de retornarem à natureza. Aliamos isso ao que sabemos fazer melhor, que é criar momentos felizes - explicou o CEO do Beach Park, Murilo Pascoal.

JANDAIA

O parque ficará localizado em Aquiraz, no bairro Vila Terra Brasilis, a cerca de 25 minutos do parque aquático e do centro da Capital. Logo na entrada, os visitantes serão recebidos por uma jandaia - a ave símbolo do Ceará - de asas abertas, esculpida pelo artista cearense Narcélio Grud.

Unidos por trilhas e lagos, os 3 mil metros quadrados dos aviários serão monitorados por guias ambientais. Os turistas também poderão acompanhar o tratamento dado aos pássaros, já que a área dedicada aos cuidados com os animais será toda envidraçada. Outro atrativo é o circuito de arvorismo, um percurso aéreo com desafios e escorregadores, no qual a ideia é que os visitantes tenham "sensação parecida com estar planando" caminhando perto da copa das árvores. Conectado ao circuito de arvorismo, estará o redário, um espaço de 400 metros quadrados com cordas tensionadas, sobre o qual os frequentadores poderão andar.

Com quatro andares, parece difícil resistir a subir na Torre do Ninho. Ponto central do Arvorar, a atração lembra uma grande casa na árvore, que vai trazendo curiosidades sobre nossa fauna e a flora. De quebra, o local ainda terá uma vista e tanto de todo o parque.

Por enquanto, não há data confirmada para que o parque comece a receber visitantes. Com investimento de R$ 25 milhões e 80% das obras concluídas, a expectativa é de que as aves comecem a ser levadas ao local em dezembro. A partir daí, depende do tempo de adaptação delas. Estão reservados pelo menos três meses para esse processo. Todos os pássaros que estarão no parque são resgatados do tráfico e a ideia é de que não permaneçam por lá durante a vida toda.

- Aqueles que estiverem aptos à soltura serão encaminhados para instituições parceiras para serem devolvidos para a natureza, após reaprenderem a voar, exercitar a musculatura, formar bandos e reaprenderem a sobreviver - explica a zootecnista Leanne Peixoto, gerente do parque.

Paralelamente ao parque, o Arvorar tem o projeto Refauna. Em parceria com as ONGs Associação Caatinga e a Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), a iniciativa busca repovoar aves nativas do Ceará ameaçadas de extinção.

O início do trabalho será focado na espécie jandaia-verdadeira (Aratinga jandaya). Os animais que nascerem no Arvorar, serão soltos na área do próprio parque.

ANA MÜLLER (*)

28 DE NOVEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

MENOS BRAVATA E MAIS MODERAÇÃO

A moderação ganha mais espaço do que as ideias radicais e as palavras contemporizadoras tomam lugar das bravatas. Pouco mais de uma semana após vencer a eleição para a presidência da Argentina, o autointitulado anarcocapitalista Javier Milei vai se rendendo ao pragmatismo. A guinada é bastante perceptível no campo das relações internacionais, como mostra a tentativa de se reaproximar do Brasil.

Durante a campanha, Milei deu a entender que romperia com o governo brasileiro. Avisou que tiraria a Argentina do Mercosul e chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "corrupto" e "comunista". Ainda na semana passada, mostrando recuo, avisou que o petista seria "bem-vindo" em sua posse. No domingo, a sua futura chanceler, a deputada eleita Diana Mondino, foi a Brasília se encontrar com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para entregar o convite endereçado a Lula para a investidura de Milei, no próximo dia 10 de dezembro. Diana defendeu o fortalecimento do Mercosul e o acordo de livre-comércio costurado com a União Europeia. O convite dirigido ao par brasileiro fala no desejo de "construção de laços".

Era imaginado que, com o tempo, a estridência da campanha seria amenizada conforme a realidade fosse se impondo ao governo Milei. Surpreende, no entanto, a rapidez da mudança de postura. Mas é algo positivo, deve-se registrar, para diminuir riscos de a antipatia pessoal entre os dois presidentes prejudicar a relação histórica, cultural e econômica de Brasil e Argentina. 

Economista, professora universitária e executiva, Diana é considerada uma moderada. Por suas ocupações, sabe bem que seria altamente prejudicial para o seu país deixar que posições ideológicas atrapalhassem os negócios. Ainda durante a campanha, enquanto Milei distribuía caneladas, ela se encontrou mais de uma vez com representantes da diplomacia brasileira. Na semana passada, esteve com o embaixador da China na Argentina, também para aparar arestas. Os chineses também foram alvo preferencial dos insultos do ultraliberal.

Mesmo que o novo comportamento de "El loco" Milei comece a decepcionar seus apoiadores de primeira hora mais entusiasmados, é preciso dizer que o país vizinho tem mais a ganhar com a modulação. A situação da Argentina é dramática. Excetuando-se o agronegócio, tem uma economia pouco competitiva, situação fiscal em frangalhos, pobreza em alta e inflação de 140% ao ano. 

Há pouca margem de manobra também no Congresso, onde Milei conta com base reduzida. Não seria criando problemas com o Brasil, parceiro estratégico histórico e principal cliente das exportações argentinas no ano passado, que a situação melhoraria. Pelo contrário. Tampouco seria produtivo manter a retórica agressiva contra a China, maior compradora de mercadorias argentinas em anos de safra agrícola normal.

Nas relações internacionais, os interesses de Estado têm de estar acima das semelhanças ou discordâncias políticas dos presidentes de turno. É nessas horas de ruídos que as diplomacias profissionais e os atores de bom senso têm de atuar para distensionar o ambiente e conter danos. Exatamente o que ocorre agora. Aguarda-se que Lula reflita e considere a possibilidade de estar na posse de Milei.

A mudança de postura também é observada em outras áreas, muito devido à influência do ex-presidente argentino Mauricio Macri. Representante da direita tradicional, Macri apoiou Milei no segundo turno e agora exerce papel de moderador do futuro governo. A escolha do ex-presidente do Banco Central Luis Caputo para a pasta da Economia simboliza essa ascendência. Cogita-se que essa indicação possa até sinalizar incerteza quanto à ideia de dolarização da economia argentina. A conferir, depois da posse, se o novo inquilino da Casa Rosada vai insistir em sua agenda de choque ou se acabará despido do figurino de personagem excêntrico que o catapultou para o poder, contido pelos políticos profissionais.

OPINIÃO DA RBS


28 DE NOVEMBRO DE 2023
INFORME ESPECIAL

Nos jardins da Cúria Metropolitana

Um recital de final de ano vai brindar o público com um concerto especial nos jardins da Cúria Metropolitana (foto), um oásis de paz e tranquilidade em pleno centro da Capital - e ainda pouco conhecido da população. O evento será nesta quinta-feira, de graça e aberto à comunidade, a partir das 19h.

Além de marcar o encerramento do projeto Visitas Culturais 2023, que levou 680 pessoas a passeios guiados pelos templos da cidade, o evento vai celebrar os 135 anos do prédio histórico e os 75 anos da PUCRS.

A comemoração em dose tripla terá como trilha sonora uma seleção de composições de músicos como Bach, Händel, Mozart e Vivaldi. As árias sacras serão entoadas por Raquel Flores (soprano) e Carol Braga (mezzo-soprano), acompanhadas do pianista Rodolfo Wulfhorst.

Das janelas do edifício, o Coral da PUCRS cantará músicas de Natal. Vale a pena assistir. Anota aí: a Cúria fica na Rua Espírito Santo, nº 95.

Oportunidade histórica perdida

O presidente Lula já havia dado o recado. Em setembro, em meio à pressão para que indicasse uma jurista negra à vaga aberta com a saída da gaúcha Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal (STF), ele avisou: não pretendia se pautar pelo critério de gênero nem da cor da pele para escolher o nome substituto. Foi um balde de água fria na militância e em quem defende maior diversidade nos cargos de poder, em um país múltiplo como o nosso.

Ontem, a decisão se confirmou, e Lula perdeu uma oportunidade histórica.

Ao escolher para a função o ministro da Justiça, Flávio Dino, seu amigo pessoal, ele reduziu a presença feminina na Corte. A partir de agora, haverá apenas uma ministra - Cármen Lúcia - entre os 11 membros do STF.

A indicação ainda precisa passar no crivo do Senado, mas, historicamente, não há reveses. A opção presidencial costuma ser aprovada.

No primeiro semestre, o presidente já havia definido seu advogado particular, Cristiano Zanin, para primeira a vaga aberta neste ano. Foi um erro.

Agora, mais uma vez, opta por um aliado. Ainda que Dino seja qualificado, com longa e respeitada carreira jurídica e formação sólida, enfrentará as mesmas críticas que Zanin pela proximidade com o presidente.

Além disso, com a escolha dele para a vaga de Rosa, a representatividade feminina ficará em apenas 9% na Corte. A título de comparação, é a segunda mais baixa da América Latina, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo, atrás apenas da Argentina.

Se as mulheres são mais da metade da população brasileira, é mais do que justo que dividam os espaços com os homens, inclusive nos tribunais, como já escrevi aqui. Quanto à cor da pele, em 2022, 10,6% dos brasileiros se declararam pretos ao IBGE e 45,3%, pardos. Já passou da hora de todos terem direito a representatividade. Bons nomes não faltam.

JULIANA BUBLITZ

segunda-feira, 27 de novembro de 2023


27 de Novembro de 2023
FABIO PRIKLADNICKI

Certezas colocadas em xeque

Quando os Prédios Começaram a Cair?, segundo romance de Mauro Paz, cria um cenário catastrófico para abordar questões existenciais

Criado na rural Belém Novo dos anos 1990, Mauro Paz se constituiu como escritor em São Paulo, onde lançou seus três livros. Talvez venha dessa mudança brusca de ambiente o olhar crítico a um capitalismo desenfreado, que leva as pessoas a uma vida apressada, no limite da exaustão, da qual a maior cidade da América Latina é um dos maiores símbolos.

Em seu segundo romance, Quando os Prédios Começaram a Cair, recém-lançado pela editora Todavia, ele cria um cenário catastrófico para tratar de questões existenciais. O personagem principal, um homem na casa dos 40 anos que vive sozinho na região central de São Paulo e ganha a vida levando cachorros para passear, começa a sair de um estado de inércia emocional ao conhecer uma jovem mulher com quem tem encontros semanais.

É justamente no momento em que ela some misteriosamente que prédios do mundo inteiro começam a vir abaixo. Símbolos do progresso, os edifícios, ao virarem ruínas, também implodem algumas certezas do personagem. A arte da capa é de Laerte Coutinho.

- Quando Os Prédios Começaram a Cair é a história de um cara de classe média que vê o mundo desmoronar. E também fala do desmoronamento da masculinidade e desse mundo patriarcal que, infelizmente, não está desmoronando na velocidade que deveria. Mas, ao menos, está sendo colocado em xeque. É um livro que fala da queda de certezas. Quais são as certezas reais que a gente tem hoje? - questiona.

Com mestrado em Letras e do grupo de escritores que passaram pela oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil, Paz mudou- se para São Paulo em 2009. Fugiu de um estilo mais convencional de escrita inspirando-se em J.D. Salinger, Rubem Fonseca e quem começava a despontar em Porto Alegre no início dos anos 2000, como Daniel Galera.

Seu primeiro livro é de 2012, chamado Por Razões Desconhecidas (IEL-RS), finalista do Prêmio Sesc, que reúne vários contos sobre pessoas que desaparecem. O primeiro romance, Entre Lembrar e Esquecer (Editora Patuá, 2017), finalista do Prêmio São Paulo, parte do trágico caso de Eduardo Fösch, jovem negro morto durante uma festa em um condomínio de luxo na zona sul de Porto Alegre, para tratar do sentido da vida.

São histórias distintas, mas erguidas em cima da brutal realidade de que existências podem chegar ao fim ao dobrar de uma esquina. Enquanto isso, uma forma de estar no mundo determinada por forças externas reduz as chances de desfrutar da vida com alguma qualidade, constatação que sempre traz um gosto de desespero.

- Boas histórias surgem a partir de bons adversários ou bons obstáculos. Para mim, o obstáculo contra o qual eu escrevo é claro: a lógica capitalista de trabalhar sem fim e de um jeito que atropela todo mundo, que faz com que as pessoas se esgotem.

Vida

Seu olhar desesperançoso é para o sistema, não para a vida. Trabalhando também como roteirista e redator publicitário, foi um dos responsáveis por desenvolver projetos de comunicação de grandes instituições culturais que precisavam retomar o contato com o público, como o Museu do Ipiranga, fechado para restauração durante nove anos, e a Cinemateca Brasileira, que sofreu um incêndio. Na TV, foi um dos roteiristas das duas primeiras temporadas da série Deu Positivo, que conta a história de pessoas com HIV, disponível no Globoplay.

Em ambas as frentes, comprometeu-se em imaginar novos caminhos, algo que também procura fazer na literatura.

- A literatura nos traz possibilidades de pensar além daquilo com o que nos preocupamos todos os dias. A capacidade de um chumaço de papel com um monte de letras acumuladas criar outras vidas, outros universos, e entender que não estamos presos ao que estamos condicionados... É muito bom. E serve para nos questionarmos sobre a vida. Estamos em um circuito que parece fechado, mas será mesmo? Não podemos pensar outras possibilidades? Eu acho que sim.

KARINE DALLA VALLE

 

27 de Novembro de 2023

CÍNTIA MOSCOVICH

Os cachorrinhos judeus

Na quarta-feira passada, 22, na sede da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, foi exibido a um grupo de jornalistas o documentário que compila imagens das atrocidades cometidas pelos terroristas do Hamas durante os ataques do dia 7 de outubro em Israel. Esses vídeos, encontrados nos celulares e câmeras corporais dos ativistas, nos sistemas de segurança de comunidades e nas mídias sociais, resultam num filme de 43 minutos, cujas cenas são os registros mais cruéis, bárbaros e violentos desde aqueles obtidos no Holocausto.

Várias vezes muitos de nós da plateia viramos o rosto à tela, porque o que assistíamos não tem nome e não cabe dentro do mundo. Entre as imagens que nos foram apresentadas - degolas de pessoas, pais mortos diante dos filhos, bebês carbonizados, corpos sem cabeça, violação de cadáveres, membros decepados, mulheres seviciadas, idosos assassinados e rios literais de sangue -, me fizeram nausear (ainda mais) duas cenas em especial. 

Uma delas mostra um cachorrinho que, inadvertidamente, tenta fazer festa a um terrorista e, como se fosse uma reação lógica do homem, é baleado uma vez; ganindo de sofrimento e com os olhos de pavor, tenta erguer-se, mas a reação do terrorista é apertar o gatilho mais duas vezes, até que o animalzinho tomba morto. A segunda imagem, desoladora e estática, mostra outro cachorro, deitado de lado, já sobre uma abundante poça de sangue, com o ventre mortalmente ferido.

A pergunta, que se soma à repulsa e ao horror, é: como alguém pode matar uma criatura que guarda, no olhar crédulo e no rabo feliz, a mais solar e encantadora alegria que pode existir? Pior: quem é capaz de chamar esse assassinato de "resistência"?

Matar o direito à existência e à alegria é, afinal, o que pretendem esses agentes do terror, intenção que compartilham com todos aqueles que têm revivido o ódio aos judeus, muitas vezes disfarçando-o das melhores intenções, sem que nunca o ódio deixe de ser ódio e perversão. Por isso, é chocante e mesmo insuportável viver na mesma fatia de tempo e de história em que vivem esses ditos ativistas e seus apoiadores. 

O antissemitismo, que compactua com essa abominação e que agora virou valor em moda, se alimenta da mesma fonte de podridão, neutralizando o valor das vidas judias, cercando-as do preconceito mais essencial e rançoso. As vidas judias e israelitas passaram a não importar, e a ideia de compartilhar a terra e viver em paz não agrada aos terroristas. Eles têm que matar. Matam tanto e tudo que matam até os cachorrinhos judeus.

CÍNTIA MOSCOVICH

27 de Novembro de 2023
CLÁUDIA LAITANO

Inútil paisagem

Meu pai era um gurizote quando as águas do Guaíba avançaram sobre as ruas de Porto Alegre. Mais tarde, contando aos filhos pequenos sobre a enchente de 1941, era o olhar do menino que ditava o ritmo da narrativa. Quando o assunto vinha à tona, o pai nos falava das aulas suspensas, dos barquinhos atravessando a Borges de Medeiros, da farra da gurizada em meio à desorganização geral da rotina da cidade.

Talvez não fosse a intenção dele, mas a enchente ficou me parecendo um negócio extraordinário, no bom sentido, mais ou menos como o Zeppelin sobrevoando a Praça da Matriz (em 1934) ou Albert Camus dando palestra no Instituto de Artes (em 1949). O passado do lugar onde a gente nasceu é um pouco como a infância dos nossos pais: tão próximo que quase podemos visitar, tão longínquo quanto uma civilização extinta da qual nos restaram apenas alguns fragmentos.

Minha fantasia aventurosa sobre a enchente de 1941 não durou muito, obviamente. O que na infância havia me parecido espetacular, porque insólito, era na verdade um trauma, uma cicatriz em formato de muro na história da cidade. E não é difícil entender por quê. Mesmo quem nunca enfrentou a face mais terrível desse tipo de tragédia alcança a dimensão épica de uma enchente de grandes proporções. 

Basta uma goteira persistente ou um princípio de infiltração para qualquer um perceber que somos adversários risíveis na trajetória de um fio de água determinado. Com força para tornar poroso e instável o que nos parecia sólido e confiável, a inundação tem a carga simbólica dos nossos piores pesadelos.

Enquanto escrevo, vejo uma lancha vermelha cruzando as águas calmas do East River. Nunca morei tão perto assim de um rio, e a beleza da paisagem ainda me comove, todos os dias, quando acordo e abro as cortinas. Até onde é possível em uma cidade do tamanho de Nova York, é um panorama plácido, quase bucólico. Ainda assim, não devo ser a única moradora de Roosevelt Island que se pergunta se viver debruçada sobre um rio, mesmo no oitavo andar de um edifício, vai continuar sendo uma boa ideia por muito tempo.

Em 2023, explodiram no Google as buscas por expressões como "mobilidade climática" (mudanças causadas por desastres já ocorridos ou que levam em conta a segurança de um determinado local no caso de temperaturas e eventos naturais extremos) e "ansiedade climática" (o sentimento de angústia relacionado aos humores do clima). Ainda não nos tornamos insensíveis em relação às belezas da chuva, do rio e do mar - acho -, mas definitivamente estamos mais desconfiados.


27 de Novembro de 2023

OPINIÃO DA RBS

ENTRE O MÉRITO E A MOTIVAÇÃO

Após um período de relativa aquietação, o país passa pelo princípio de uma nova crise institucional. Desta vez, envolvendo o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF), com respingos no Executivo. A causa do atrito é a aprovação pelos senadores de proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe decisões monocráticas na Corte. É um tema que requer análises por diferentes ângulos e contextos.

Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que é uma medida na direção correta no sentido de conter o excesso de deliberações individuais dos ministros do STF nos últimos anos. O que deveria ser uma exceção passou a ser um expediente usado indiscriminadamente. Ao limitar decisões monocráticas, o colegiado é fortalecido. Ao fim, é positivo para o Supremo como instituição, embora contrarie ministros que se acostumaram ao expediente, que muitas vezes teve uso inadequado e colaborou para o STF passar a ser alvo de críticas sistemáticas de uma parcela da população por invadir competências de outros poderes. O texto aprovado na PEC diz que um ministro não pode suspender lei ou norma de repercussão geral chancelada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República.

É preciso lembrar que o próprio STF, no final do ano passado, durante a presidência da ministra agora aposentada Rosa Weber, deu uma guinada em sentido equivalente. A mudança no regimento interno também limitou a farra dos pedidos de vista que acabavam na prática dando ao ministro o poder de paralisar o julgamento de uma matéria por tempo indeterminado.

Mas, mesmo reconhecendo méritos na decisão do Senado, é dever registrar que os motivos que levaram a PEC a prosperar são questionáveis. Decisões desta importância não podem ser movidas por revanchismo ou interesses particulares e eleitorais de senadores. Não é segredo que a Corte está na mira de alas ligadas ao bolsonarismo pela atuação do STF nos últimos anos. 

Também noticia-se a existência de um movimento do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no sentido de fazer um aceno a colegas situados mais à direita no espectro ideológico, visando à futura eleição na Casa, em benefício do aliado Davi Alcolumbre (União-AP). De mesma forma, circulam informações de que Pacheco busca uma postura mais crítica ao STF com o objetivo de tornar mais viável eleitoralmente sua candidatura ao governo de Minas Gerais em 2026.

O STF, como qualquer instituição, é passível de críticas e está sujeito a aperfeiçoamento. O comportamento de alguns ministros, em especial os mais verborrágicos, também é merecedor de reparos. Mas não é aconselhável esquecer que a Corte teve um importante papel durante a pandemia e atuou com firmeza na defesa da democracia. É preciso atentar, portanto, se a PEC em questão não integra uma estratégia mais ampla com propósito perigoso de ir além do equilíbrio dos poderes e, na verdade, ser parte de uma escalada intimidatória. Mesmo assim, outra vez tem de ser ressaltado: ministros falham, sim, na autocontenção.

O episódio ganhou novos contornos pela decisão do senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo na Casa, de votar a favor da PEC. O resultado foi que o Executivo foi tragado para a crise. Nos bastidores, informa-se que o STF poderia retaliar, trancando pautas de interesse do governo. Deve-se crer que não passa de bravata. O ideal seria que, nos próximos dias, munidas de bom senso, as partes envolvidas modulem as palavras e os gestos para evitar o recrudescimento do conflito.

 


27 de Novembro de 2023
CARPINEJAR

Noites em claro

Se você tem realização pessoal em sua vida, atravessou noites em claro.A insônia, por um motivo nobre de cuidado, celebração ou amadurecimento, é aliada da superação.Não tem como percorrer uma existência inteira sem nunca ter visto o sol nascer, a luz dourar aos poucos da lua para a manhã.

São momentos marcantes da sua formação, páginas dobradas de suas experiências. É quando você conhece o poder de sua solidão.

Passar a noite em claro estudando para uma prova, fazendo resumos, anotando o conteúdo inteiro com a sua letra para fixar as informações, com um café morno ao lado, somente sob o facho do abajur ligado na escrivaninha, palco de suas mãos virando as folhas.

Passar a noite em claro por uma festa, tentando não bocejar, tentando frear o sono, tentando não se desanimar perante os amigos, buscando recarregar as baterias mentalmente com uma nova dança, e voltar para casa com o chiado dos pássaros nas árvores, a ponto de se encontrar com os pais tomando café na cozinha.

Passar a noite em claro por um romance, não entendendo de onde vem tanta energia, de onde vem tanta entrega, conhecendo pela primeira vez a loucura da paixão, os meandros infinitos do desejo, o vício do cheiro de uma pele, não sentindo o tempo passar, não sentindo fadiga nenhuma, como se morasse muito mais no corpo do outro do que no próprio.

Passar a noite em claro antes de uma entrevista de emprego, pilhado, otimista, frenético, com a alegria insuportável da esperança, já fazendo planos sobre o que gastará com seu primeiro salário.

Passar a noite em claro para aninhar seu filho pequeno no colo, acalmando cólicas, afinando sua voz, entoando canções cujas letras nem sabia que ainda lembra, iluminado pelos faróis dos carros que trafegam na rua à frente da janela, sem nunca ter imaginado que seria responsável por alguém.

Passar a noite em claro pelo mesmo filho crescido, que agora arde em febre, procurando definir seu diagnóstico por aquilo que enfrentou no passado, rezando e tocando em sua testa a cada meia hora, tendo que decidir se já precisa levá-lo ao médico ou se é apenas uma situação passageira.

Passar a noite em claro por uma conquista inesperada de seu time, sem conseguir adormecer pelo excesso de adrenalina, pelo esforço dos gritos, pelo alívio da imaginação, por não acreditar acreditando devagar.

O técnico Thiago Carpini, 39 anos, deve estar até agora sem dormir, com Caxias em alvoroço. Alcançou a marca de 65% de aproveitamento com o Juventude na Série B - pegou o time em 19º e o levou ao acesso para a primeira divisão, em reversão histórica de placar contra o Ceará no estádio adversário, com um a menos em campo.

Carpini, que tem um sobrenome parecido com o meu, desponta como uma das maiores revelações da casamata. Foi vice-campeão paulista com o discreto Água Santa, capaz de dar susto no gigante Palmeiras vencendo o primeiro jogo da final. No seu trabalho seguinte, assumiu o Juventude na penúltima posição e conduziu o time também a um vice-campeonato.

Se bem conheço os gringos, não foi uma virada de pouco vinho. É a recompensa da madrugada em claro após noites e noites de aplicada resiliência.

CARPINEJAR

 

INFORME ESPECIAL

A "ciclovia musical" de Porto Alegre

Quando cheguei de bike ao Centro Histórico, na Capital, na manhã de ontem, quase não acreditei no que vi: havia dezenas de pessoas (de todas as idades) de bicicleta (foto). Começava ali um evento chamado Ciclovia Musical, realizado há 10 anos no Brasil, com passagens por São Paulo, Rio, Jundiaí e Salvador.

A ideia é promover passeios guiados aos centros culturais de cada lugar, com paradas para assistir a concertos gratuitos, abertos ao público. Aqui, foram dois roteiros, conduzidos pelo maestro Evandro Matté e pela maestrina Cintia de Los Santos, com apoio técnico do grupo ciclístico PedAlegre e da EPTC.

Optei pelo percurso maior, de 16,2 quilômetros, liderado por Matté. O trajeto partiu do Theatro São Pedro, onde houve uma primeira apresentação, e seguiu para Casa da Ospa, Fundação Iberê, Usina do Gasômetro e Casa de Cultura Mario Quintana, sempre com "shows de bolso" de artistas locais - todos impecáveis.

Foi a primeira vez que pedalei em um evento desse tipo, ao lado de tanta gente - no total, 400 pessoas. Durante o trajeto, tocou até música clássica (Mozart, em plena Avenida Borges de Medeiros). Gostei da ideia. Que venham mais "ciclovias musicais" para animar as nossas cidades.

Inovação no Judiciário

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, na Capital, foi destaque no Prêmio de Inovação Judiciário Exponencial 2023. Ficou em primeiro lugar por conta do seu laboratório de inovação e na terceira posição em gestão inovadora, graças ao sistema Pangea, que agilizou o trabalho dos magistrados. Além disso, o juiz Rodrigo Trindade de Souza levou o prêmio de Executivo de Inovação da Justiça do Trabalho.

 JULIANA BUBLITZ

sábado, 25 de novembro de 2023


25 DE NOVEMBRO DE 2023

LEANDRO KARNAL

Historiador, professor da Unicamp, autor de, entre outros, "Todos Contra Todos: o Ódio Nosso de Cada Dia".

Faço aqui uma fantasia limitada. Imagino um jovem de 18 anos, de classe média ou média-alta. Para este exercício, terei de ignorar a maioria para baixo e a minoria para cima. Um jovem de 18, pais com algumas reservas, sem aviões particulares, é minha personagem necessária para o texto.

O que seria melhor dar a essa pessoa que chega à maioridade? Parece que um carro não é mais o tema dos sonhos, como já foi num dia. A geração nascida neste século tem menos ênfase em dirigir. Renovar o celular? Um computador? Possível, porém comum. Uma viagem? Eu não recomendaria imediatamente. Vou ousar: havendo condições, sugiro oferecer um terreno. Já me explico.

Um terreno é um valor muito variável. Vai de alguns milhares a milhões de reais. Alguém da classe D não poderá oferecer. Alguém milionário nem pensará em algo tão classe média como um terreno trivial. Sempre falo que vinho é um bom presente para quem bebe, porque pode ser um gasto de R$ 50 ou dezenas de milhares, adaptáveis ao bolso de quem oferta. Um terreno parte de um valor um pouco maior, entretanto se adapta a orçamentos do grupo-alvo da minha crônica.

Uma área, aos 18 anos, oferece um chão concreto. Sendo um espaço real de solo, vazio de construções, eleva a imaginação. O lote implica um estudo mínimo. Deve ser guardado para revender, comportaria uma edificação, seria possível alugar para um outro fim? Como equilibrar as despesas que o terreno desperta com a chance de ganhos? A posse será acompanhada de uma enorme educação financeira. O fato concreto material do solo traz uma orientação nova para o possuidor. Provavelmente, ser proprietário mudará um pouco a posição política do jovem. O cartório de imóveis sempre é um lugar de reorientação no espectro partidário.

Se o filho decidir vender imediatamente o presente, indica-se uma atitude que deve ser trabalhada. Somos bons em apontar valores morais ao longo dos 18 primeiros anos dos rebentos, mas nem sempre tão eficazes sobre educação financeira.

Quando simbolizamos a pobreza absoluta, falamos que sicrano não tem "onde cair morto". Um terreno resolve o dilema. Mais do que representar um espaço de queda do corpo final, sinaliza uma vida ou uma perspectiva de futuro. Pode ser a ligação de que o rapaz ou a moça de 18 anos precisava para pensar em futuro. Como um gesto de maioridade, a dádiva indica negócio próprio ou até casamento. Sim, esperamos ainda que transcorram muitos anos antes da decisão de formar família, e o terreno traz o pensamento ao horizonte.

Em todo o vasto mundo do nosso planeta redondo, um pequeno pedaço de solo será dele ou dela. Isso pode ajudar até na consciência ecológica. "Tenho de cuidar da Terra, porque, neste instante, sou acionista minoritário do planeta", ele pensaria. Seria como um pequeno cotista de uma imensa empresa. "Nosso mundo" deixaria seu caráter abstrato e tornar-se-ia "minha parte do globo".

"Mas... Leandro! Esse seu texto está completamente capitalista." Pois é, mesmo assim, acredite. Arrolam-me como radical de esquerda. Se seu espectro político for outro e quiser transmitir suas ideias a seus filhos, o presente ideal será o texto O Que é a Propriedade, de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Em 1840, o pensador francês fez essa pergunta e deu uma resposta coerente com seu ideário anarquista: "O que é a propriedade? É um roubo!".

Inimigo do capitalismo da sua época, tornou-se desafeto de outros setores da esquerda, como marxistas. Curioso que, um pouco antes de definir a propriedade como um roubo, ele havia identificado a escravidão como um assassinato. Conforme ele diz, a ideia contra a escravidão não precisava de muitas análises. E quanto à propriedade, a crítica do anarquista parece incidir sobre aquela que gera rendimentos, a chamada fundiária (propriété foncière ou landed property), mas não sobre toda e qualquer propriedade privada.

O anarquismo é muito sedutor na juventude, quando poderes e rendas parecem estar inacessíveis ainda. Apesar disso, se seu desejo é formar um filho nos ideais da esquerda, o pequeno texto de Proudhon parece ser um passo inicial. O debate sobre os tipos de propriedade estimulam percepções muito densas sobre nossa sociedade. A única advertência um terreno é um convite a que ele saia de casa num dia e, como diria meu amigo Clóvis de Barros Filho, está na moda que as peras decidam apodrecer na pereira, sem cumprirem seu destino de rolar para longe ou produzirem sementes para novas árvores. 

Amadurecer ou até apodrecer na matriz arbórea é um desafio maior do que dar um terreno ou um livro anarquista. Até Proudhon saiu de Besançon, depois ajudar na taberna dos pais e qualificar-se em uma oficina tipográfica. Lendo um autor anarquista ou administrando um terreno, meu desejo é que seu filho ou sua filha de 18 anos se afaste um pouco da internet. Essa é uma esperança cada vez mais heroica.