segunda-feira, 30 de abril de 2018


30 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

Por que somos quentes



Você só dá a mão em cumprimento a um americano uma única vez: quando o conhece. Depois, basta uma saudação a distância, de preferência acompanhada de um sorriso, talvez de uma observação tão simpática quanto impessoal:

- Belo guarda-chuva esse que você tem na mão.

Sim, os caras são capazes de elogiar o seu guarda-chuva. A ideia é manter a cordialidade sem se aproximar muito. É que essa é a civilização do indivíduo. Não é por acaso que os Estados Unidos jamais estiveram sob o tacão de um rei ou um ditador. Os americanos não admitiriam que um político se colocasse acima do cidadão comum. O cargo é reverenciado. O homem que o ocupa, não.

Pegue Trump como ilustração. Há quem o compare com Bolsonaro ou outros líderes populistas. Errado. Ninguém idolatra Trump. Ninguém o chama de "mito" ou coisa que o valha. Trump foi eleito simplesmente porque parte da população aprova as propostas que ele fez durante a campanha eleitoral. E ele, incrivelmente, está tentando cumprir o que propôs.

Trump não será venerado, nenhum político o será, exatamente devido ao apreço à liberdade individual. Os cidadãos podem admirar um político, como admiram Kennedy, Lincoln e Washington. Venerá-lo, não, porque isso lhe daria poder demais e incorreria em riscos ao poder do indivíduo. A veneração é despendida em figuras inofensivas, como artistas e cantores. Ou, na ficção, aos super-heróis. Essa é a pátria dos super-heróis - da ficção.

Veja como um entendimento absolutamente pessoal, de foro íntimo, influencia na condução de toda uma nação.

Nós brasileiros somos o contrário. Nós buscamos o toque e a proximidade. Três beijinhos, abraços, contato visual. É por isso que o brasileiro fala alto em lugares públicos, enquanto o americano evita até conversar ao celular. Não só o americano. É essa a cultura anglo-saxã. Você já andou de metrô em Londres? É uma experiência antropológica: o vagão lotado, você fica quase que roçando o nariz com o nariz de um inglês, e ele jamais olha para você. Mais: o olhar dele o atravessa, é como se você não estivesse ali ou como se você fosse um poste. O inglês está fechado em sua individualidade e não aceita intromissões.

Nós, ao contrário, nos abrimos ao outro porque PRECISAMOS do outro. O indivíduo, no Brasil, é um ser indefeso. Há perigos em toda parte, ele está sempre sob a ameaça de ser enganado e, mesmo quando a lei supostamente o protege, algum inimigo mais poderoso pode encontrar um desvio jurídico que irá prejudicá-lo. Então, é necessário cercar-se de parentes, amigos, conhecidos e influências, que formam um campo de força contra as injustiças. Donde, a nossa tendência em acreditar que um líder virá para nos salvar e resolver os nossos problemas. Donde, o personalismo dos políticos, o logro inevitável, o populismo nefasto.

Porém, ah, porém, o internacionalmente reconhecido calor humano brasileiro é também internacionalmente estimado. Os estrangeiros, quando se relacionam com latinos, em especial com brasileiros, afeiçoam-se sem apelação. E nós, brasileiros exilados, acostumados ao nosso modo abrasador de ser, sentimos falta de um pouco dessa proximidade humana, dessa malemolência nacional. 

Amanhã vou dar um exemplo disso, mas, por ora, me ponho a pensar: será que não poderíamos unir duas características positivas? Será que não poderíamos juntar o calor pessoal à sobriedade social, em especial a necessária sobriedade na política? Poderemos um dia ser tolerantes sem ser permissivos? Ou seremos sempre escravos das nossas qualidades?

DAVID COIMBRA

30 DE ABRIL DE 2018
CAPA


NACIONAL E SERTANEJO

LEVANTAMENTO das músicas mais ouvidas pelos brasileiros nas plataformas de streaming em 2017 aponta preferência pelos artistas nacionais

Se a música mais ouvida nos serviços de streaming no Brasil, em 2017, foi Shape of You, do cantor britânico Ed Sheeran, o predomínio é de artistas brasileiros entre as 50 faixas mais executadas no país em plataformas como Apple Music, Deezer, Google Play, Napster e Spotify. O levantamento foi realizado pela BMAT e divulgado pela Pró-Música Brasil Produtores Fonográfico Associados na semana passada.

Entre as 50 faixas mais ouvidas nos serviços de streaming no ano passado, 43 eram brasileiras e apenas sete estrangeiras (veja o quadro na página ao lado) - sendo que Despacito, hit hispânico do porto-riquenho Luis Fonsi, aparece com duas versões na lista.

Considerando as canções de trabalho e participações nas músicas de outros cantores ou grupos, Wesley Safadão é o artista mais citado no ranking brasileiro, aparecendo cinco vezes. Dividem o segundo lugar os sertanejos Jorge e Mateus e Marília Mendonça, com quatro menções.

O sertanejo domina a lista: das 50 faixas, 20 pertencem ao gênero. O funk ocupa o segundo posto, com 10 canções, e as 20 restantes se encaixam em estilos variados - pop, rap, eletrônica, entre outros.

Na lista individual do Spotify referente a 2017, em relação ao Brasil, há quatro canções sertanejas entre as 10 primeiras: Vidinha de Balada (Ao Vivo), de Henrique & Juliano, em 3°; Te assumi pro Brasil (Ao Vivo), de Matheus & Kauan, em 4°; Loka, de Simone & Simaria com participação de Anitta, em 8°; e Raspão (Ao Vivo), de Henrique & Diego, em 10°.

Dos 10 artistas mais ouvidos pelos brasileiros na plataforma no ano passado, seis pertencem ao gênero: Matheus & Kauan (1°), Jorge & Mateus (2°), Henrique & Juliano (3°), Marília Mendonça (4°), Maiara & Maraisa (8°) e Henrique & Diego (9°).

Além do sertanejo, o Spotify informou em nota que o brasileiro está, cada vez mais, curtindo sucessos nacionais. "19 dos 20 artistas mais ouvidos do país nasceram em terras tupiniquins, dividindo a lista apenas com o furacão Ed Sheeran. Como se isso não bastasse, das 20 faixas mais executadas, 17 são brasileiras, sendo sete hits sertanejos, seis sucessos do funk, duas de música eletrônica e dois de pop", destacou a empresa em nota.

"Foi de fato o ano da música brasileira no Spotify Brasil. Diferente do que observámos anteriormente, 2017 marcou essa virada no hábito do brasileiro. Impulsionados pela facilidade de descoberta e compartilhamento de música, vimos sertanejo, funk e música eletrônica locais bombando", disse em comunicado Roberta Pate, gerente de relacionamento entre artistas e gravadoras do Spotify para América Latina e Estados Unidos hispânico.

Na Deezer, sete das 10 canções mais executadas em 2017 no Brasil são sertanejas: Vidinha De Balada, de Henrique & Juliano (2°); Amante Não Tem Lar, de Marília Mendonça (3°); Regime Fechado, de Simone & Simaria (4°); Medo Bobo, de Maiara & Maraisa (6°); Paredes, de Jorge & Mateus (7°); Sorte que Cê Beija Bem, de Maiara & Maraisa (9°); e Loka, de Simone & Simaria com Anitta (10°). Entre os 10 artistas mais ouvidos no ano passado no Deezer pelos brasileiros, oito são sertanejos: Henrique & Juliano (1°), Marília Mendonça (2°), Jorge & Mateus (4°), Matheus & Kauan (5°), Maiara & Maraisa (6°), Simone & Simaria (7°), Zé Neto & Cristiano (9°) e Luan Santana (10°).

Bruno Vieira, diretor geral da Deezer Brasil, ressalta que apesar de o sertanejo ser destaque dentro da plataforma, o funk tem demonstrado um crescimento bastante expressivo.

- Em 2016, apenas 4% do top cem das músicas mais executadas eram funk. No ano seguinte, o ritmo fechou o ano representando 13%. Em fevereiro de 2018, no top charts Brasil (ranking brasileiro das faixas mais tocadas na plataforma), 18% eram funk - avalia.

Assim como o levantamento divulgado pela Pro-Música e o Spotify, os artistas nacionais se sobressaem na Deezer.

- No fim de 2017, foi divulgado o top cem das músicas mais ouvidas pelos brasileiros na Deezer e, foi constatado, que 70% de todo o conteúdo era nacional. Dentre os gêneros mais ouvidos, mais de 50% é sertanejo, 15% funk e 5% de pop nacional. Os 30% restantes representam em grande parte o pop internacional, um pouco mais de 6% de música eletrônica e 2% de reggaeton, impulsionados pelo sucesso Despacito, de Luis Fonsi. Forró, Samba e Pagode também se destacam - aponta o diretor geral da plataforma.

Ainda cabe sublinhar que o gospel também é um dos gêneros mais procurados pelos clientes brasileiros da Deezer.

- A Deezer é o primeiro e único streaming de música no país a ter um projeto exclusivo e um editor de conteúdo musical dedicado ao gênero. A repercussão da audiência resultou em um crescimento de mais de 300% do canal. Em um ano de projeto, o canal gospel se tornou o segundo canal de gênero mais ouvido na plataforma. O crescimento foi impulsionado desde que iniciamos um trabalho dedicado no segmento, focado na educação dos artistas, gravadoras e empresários a respeito do streaming, o que fez com que um novo público descobrisse a Deezer como uma nova forma de ouvir música - garante Bruno Vieira.

WILLIAM MANSQUE

30 DE ABRIL DE 2018
CELSO LOUREIRO CHAVES

A DISTÂNCIA

Talvez a Filarmônica de Berlim tenha sido a primeira a se dar conta do potencial do streaming e a criar temporadas consistentes de concertos pela internet. Agora, toda vez que anuncia um novo ano de concertos ao vivo, a Filarmônica já apresenta a sua temporada de streaming. A orquestra se cercou da melhor tecnologia antes de se lançar nessa aventura recente. Excelentes câmeras, som irrepreensível e diretores de imagem excepcionais que mostram instrumentos quando realmente esses instrumentos estão tocando, às vezes se detendo com vagar na figura do maestro.

A assinatura da Sala de Concertos Digital da Filarmônica é paga pelo usuário com muitos e caros euros, mas mesmo assim sai mais barato do que assistir à orquestra ao vivo. E com mais conforto, pois a sala berlinense - pelo menos nas áreas públicas - é um triunfo de desconforto. A moda do streaming da música de concerto pegou e hoje a oferta é grande. O repertório pode ser a mesmice ou pode desafiar, tanto faz. No streaming, os músicos de orquestra viram super-heróis, e os solistas mostram que na música o impossível é possível.

É bom dar uma olhada também nas transmissões - grátis! - da Filarmônica do Elba, direto de Hamburgo (elbphilarmonie.de), e tentar fisgar uma olhada numa das salas de concerto mais inacreditáveis do século 21. Ou as transmissões do operavision.eu com o melhor do eurotrash, aquelas montagens de ópera com intervenções espertas de diretores nem tanto.

No Brasil, vale ficar atento às transmissões em 360 graus da Osesp, feitas ainda esporadicamente. A câmera fica no meio da orquestra e, com toques de mouse, se pode percorrer toda a sala enquanto se vê a música quase que por dentro. Ter uma orquestra sinfônica em casa é coisa de nobreza do século 18. Mais de 200 anos depois, não mais: o streaming ampliou o acesso e nos transformou em plateia igual àquela que lá está na sala do concerto ao vivo, aplaudindo in loco o que estamos vendo, em tempo real, a distância.

CELSO LOUREIRO CHAVES

30 DE ABRIL DE 2018
L.F. VERISSIMO

A mesa de quem manda


Para se saber quem realmente manda numa empresa ou numa repartição, é preciso examinar as mesas. Quanto mais cheia a mesa, menos o seu ocupante manda. Quanto mais limpa a mesa, maior a autoridade. O chefe que se queixa de que sua mesa é tão confusa quanto a de qualquer subalterno e nem por isso ele manda menos deve se precaver. Em algum lugar da sua organização, há alguém atrás de uma mesa vazia que parece não estar fazendo nada. Provavelmente, é este quem manda. 

Quanto maior a mesa, maior a hierarquia. Mas não é o tamanho da mesa que determina o status. É que, quanto maior a mesa, maior e mais conspícua a superfície limpa. Até um interfone sobre a mesa é um sinal de fraqueza. Quem realmente manda não precisa se intercomunicar. Quem realmente manda não precisa mandar!

Mas tem uma fantasia que eu cultivo. A de um dia chegar à maior autoridade de todas, alguém que esteja mesmo por trás de tudo - Deus, por exemplo -, e descobri-lo sentado atrás de uma velha escrivaninha coberta de diagramas, relatórios e planos para o futuro, batendo impacientemente nos papéis com a palma da mão e dizendo:

- Cadê a minha Bic?

Ele derruba a garrafa térmica e derrama café em cima dos papéis, do cinzeiro cheio etc. Toca o telefone e ele grita para a secretária:

- Dona Solange, eu só estou se for o Papa.

TIA INEZ

Sempre imaginei como o mundo reagiria a uma prova da existência de seres extraterrestres. Na literatura e no cinema, seres de outros mundos são sempre de civilizações superiores à nossa, mesmo que tenham a pele ruim, e nossa reação diante deles é sempre de pânico. Imaginamos que, se não nos arrasarem com seus raios de morte, nos arrasarão com sua superioridade moral. Mas que transformação provocaria, mesmo, no pensamento humano o aparecimento de algo remotamente parecido com a tia Inez em Marte ou em uma das luas de Saturno? 

Chegaríamos mais perto de uma consciência de espécie, da ideia do nosso planeta como uma nação comum a todos, ou cairíamos num tribalismo supersticioso ainda maior? É por isso que olhamos as fotografias mandadas de Marte pela sonda da Nasa sempre esperando ver um rosto nos olhando de volta. Dois olhos curiosos numa cara reconhecidamente animal - ou um olho, ou vários. Enquanto uma daquelas sombras não se mexer e revelar que tem pernas, os feitos da Nasa serão grandes acontecimentos científicos, mas não grandes êxitos de público. Falta a referência afetiva. Falta a tia Inez. 

Por enquanto, as prospecções da Nasa servem apenas para mais divagações sobre a estranheza do Universo, essa coleção de esferas soltas no espaço sem motivo humanamente discernível. Por enquanto, estão transmitindo apenas outro aspecto do desprezo da matéria por nós e pela nossa perplexidade. Falta uma perplexidade parecida nos olhando de lá. Falta um olho piscando. Falta um cachorro passando no fundo. Qualquer coisa que não seja indiferença para todos os lados. Um dia, uma daquelas pedras sai caminhando, e aí eu quero ver.

L.F. VERISSIMO

sábado, 28 de abril de 2018



28 DE ABRIL DE 2018

LYA LUFT

A luz da vida


Impressionante como somos vulneráveis às más notícias, aos horrores do mundo, que se derramam em nossa casa, em nossa vida, em nossa alma, o tempo inteiro. Quase esquecemos as coisas boas, belas e felizes, que também existem.

No meu tempo de Escola Normal, as freirinhas do colégio diziam que "o bem murmura, o mal grita". Ou que "na outra vida veremos o verdadeiro risco do bordado, aqui só vemos o lado avesso, cheio de fios cruzados e nós e imperfeições".

Certamente, alguma coisa dessas cândidas lições ficou e floresceu em mim, pois, apesar de tudo, do mundo lá fora e das rasteiras da vida, da sorte, da morte, acho que sou uma otimista. Acredito que a vida vale a pena. Acredito que o amor ilumina. Acredito que boas amizades são ótimas porque amizade não conhece ciúme, competição, cobrança, nem precisa de assiduidade para durar.

Enfim, acredito no bom e no bem, mesmo que eu também saiba, veja, sinta, observe que somos animais. Animais não muito bons: não passarinhos, borboletas, golfinhos, cachorrinhos amorosos ou gatos indolentes, mas bichos predadores mesmo.

Assim nem preciso escrever, como comentei na coluna passada, sobre a animalização dos humanos. Está aí, exposta e escrachada, na violência, na maldade, na futilidade criminosa, na insanidade geral e na irresponsabilidade mortal. Também nas pequenas picuinhas e maldades cotidianas, com que às vezes, tantas vezes, tratamos os outros. Na irresponsabilidade com que muitos governantes manejam seu país e sua gente. Na indigência (Vicente gosta dessa palavra...) mental e moral de tantos líderes, até em setores antes sagrados. Tudo isso que nos deixa perplexos, embasbacados, impotentes, inseguros e desamparados.

De modo que, sim, nos falta encontrar, cultivar, manter e curtir aquelas coisas, às vezes simplíssimas, que são a luz da vida. Um olhar de afeto, um sorriso alegre, um gesto de entendimento, um WhatsApp dando coragem, ou uma visita que nos anime, seja o que for, nos ilumina se nos abrirmos para isso tudo, que parece pouco, mas é tudo. Borboletas azuis no jardim do bosque na Serra, o tucano pousado bem baixinho, os bugios com filhote nas costas saltando nas árvores, as paineiras diante da janela aqui em Porto Alegre e, nestes dias, a minúscula cachorrinha, nossa nova bebê, que ia se chamar Pandora, mas rebatizei de Penélope: melhor de pronunciar, e sou fã da Penelope Garcia do Criminal Minds. (Ou vocês achavam que só assisto a filme cult e só leio Goethe?) 

Ainda tem quem se espante de me encontrar em lugares normais como caixa de supermercado: "Nunca imaginei ver a senhora num supermercado!". "Ué", respondo pela centésima vez, "minha família também come...".

Fim para as ilusões, que venha a real luz da vida, rara e essencial.

LYA LUFT


28 DE ABRIL DE 2018
MARTHA MEDEIROS

Que coisa é essa?


É a palavra mais poderosa da língua portuguesa: coisa. Cinco letras que, unidas, englobam significados variados e misteriosos. Dentro dela, a imensidão do intraduzível. Lembro a diretora Irene Brietzke, que dirigiu minha primeira peça, Trem-Bala, em Porto Alegre. É a elegância em pessoa, mas quem a conhecia há mais tempo me prevenia: alguns dias antes da estreia, ela terá a coisa, prepare-se. Minha imaginação orbitava. O que seria essa coisa que ela teria? Um ataque de estupidez, uma mudez insistente, um sumiço, uma alergia, um troço? Tudo isso. Eu é que quase tive uma coisa na véspera, mas no dia seguinte a peça estreou com sucesso.

Desde então, respeito a coisa que dá nos outros.

Quando alguém diz que não irá desistir de seu objetivo porque há muita coisa em jogo, meu suor escorre pela testa e faz um desvio até chegar atrás do pescoço e alcançar a lombar. Está na cara que esse alguém será capaz de roubar, matar, arrancar os dentes do inimigo que se interpuser entre ele e essa coisa desconhecida e tão valiosa. Imagino que a tal coisa seja sinônimo de reputação, dinheiro, poder, sexo, enfim, aquela coisa toda.

Quando eu ainda era bem pequena, caí na asneira de dar conversa para um vizinho mais velho que eu - ele devia ter uns nove anos. Pois fui proibida de falar com ele porque seu pai era Fulano, notório sujeito que não era grande coisa. Eu, com imenso esforço, raciocinei: se o pai do meu amiguinho, um Garibaldo com quase dois metros de altura e uma barriga gigantesca, não era grande coisa, a nossa família de gente magra e miúda seria o quê? Fui descobrindo que essa coisa de julgar os outros não era para principiantes.

Na minha santa ingenuidade, desejava que as relações fossem mais claras, objetivas, sem tantos pontos nebulosos, mas a coisa não era bem assim, diziam, e aí me sentia ainda mais perdida, porque às vezes achava que sabia das coisas e sabia era nada, como até hoje não sei. Se não é bem assim a coisa, posso imaginar que ela seja muito pior, mais aterrorizante - uma coisa de outro mundo. Que, aliás, é coisa que nunca entendi também - que outro mundo é este onde as coisas são tão diferentes?

Se alguém tivesse tido a paciência de me explicar o que eu não entendia naquela época, já seria alguma coisa, mas as pessoas estavam sempre muito ocupadas e achavam que certos assuntos não eram coisa pra criança, então cresci pensando por minha conta, e devo ter pensado coisas fabulosas, pois, quando me atrevia a revelar meus pensamentos, achavam que aquilo não podia ser coisa minha, e sim de alguém que estava colocando coisa na minha cabeça.

Que palavra teria potência semelhante e seria tão absoluta para definir o inqualificável? Não encontro outra. Fala-se por aí que a coisa está feia, mas eu a considero até bonitinha diante de tantas outras palavras que não servem pra nada. Ao menos a coisa funciona.

MARTHA MEDEIROS

28 DE ABRIL DE 2018

PIANGERS

Um texto irresponsável


Esta é uma história real. O telefone tocou no escritório. Um garoto quer falar com você, me disse um colega. Transfere. Alô. ? Alô. ?É o Marcos Piangers? Sim. Não acredito que estou falando com o Marcos Piangers. Está. Meu Deus, não acredito! Como é fácil falar com o Marcos Piangers. Ok, cara. Era isso? Não! ?Eu quero saber uma coisa: eu trabalho em algo que eu odeio. Eu odeio meu emprego. Meu sonho é trabalhar com produção de vídeos. Você acha que eu devo pedir demissão?

Abre parênteses. Acho que naquele dia eu devia estar muito inconsequente. Fecha parênteses. Você odeia seu emprego? Sim. Você quer fazer outra coisa? Sim. Você é novo e tem família pra te ajudar? Sim, moro com meus pais. Então, acho que você deve pedir demissão hoje mesmo e ir atrás do seu sonho. Sério? Sério. Ok? Ok. Obrigado. De nada. Tchau. Tchau.

Oito meses depois. Recebo um e-mail do garoto que me ligou. Dizia, em outras palavras, o seguinte: "Piangers, depois daquela ligação cheguei no meu emprego e realmente pedi demissão. Fui o herói de mim mesmo. Saí de forma gloriosa por aquela porta, para qualquer coisa que a vida me reservaria. Durante meses, entreguei meu currículo em agências e produtoras de vídeo. 

Nenhuma me respondeu. Por um tempo, ia a entrevistas de emprego apenas para comer a bolacha e tomar o café que oferecem nesses lugares. Comecei a ficar meio desesperado. Até que um dia uma produtora me ligou. Comecei a trabalhar com o que eu amo, aprendi técnicas, com meu primeiro salário fiz um curso online. Em algum tempo, estava pegando trabalhos mais legais, ganhando mais dinheiro. Hoje, trabalho com o que eu amo. Estou muito feliz. Obrigado por ter atendido aquela ligação".

Quando li o e-mail, fiquei boquiaberto. Como eu tinha tido a irresponsabilidade de dizer pra um jovem ir atrás do seu sonho? Ele deveria ter batalhado por 65 anos em um trabalho que odeia, como todo mundo faz.

Lembrei dessa história quando perguntei pra um amigo como ele conseguiu o emprego dos sonhos: viajar o mundo fazendo imagens de surf. Ele disse que, anos atrás, estava trabalhando em um escritório, matando tempo, olhando vídeos no computador. Até que viu um vídeo de um surfista. Um vídeo de 45 segundos, mostrando as praias pelas quais aquele surfista tinha passado no último mês. Ele viu aquele vídeo de 45 segundos, se levantou, pediu demissão e foi embora. Não sei se pra cada vitorioso desses temos mil fracassados. Só sei que, sempre que um telefone tocar e alguém disser que odeia seu emprego, eu vou recomendar o enfrentamento deste medo. Esse frio na barriga. Você saindo pela porta da empresa. Vamos ver o que a vida lhe reserva.

PIANGERS

28 DE ABRIL DE 2018
DRAUZIO VARELLA

MAIS MÉDICOS


A saúde no Brasil padece de dois grandes males: falta de dinheiro e gerenciamento incompetente. Impossível levar a sério qualquer projeto que não enfrente, ao mesmo tempo, esses dois desafios. Investir apenas na organização é tão insuficiente quanto alocar mais recursos para um sistema perdulário, contaminado pela corrupção e por interesses políticos da pior espécie.

Há anos gravo programas de educação em saúde pelo interior do Brasil e na periferia das cidades maiores. Nessas andanças, aprendi que o Programa Saúde da Família (PSF) foi um grande avanço para o atendimento dos mais necessitados.

Por meio do PSF, iniciado em 1994, equipes formadas por médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários acompanham até 4 mil pessoas distribuídas em áreas geográficas delimitadas. Seus objetivos são a "promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e manutenção da saúde da comunidade".

Mais de 30 mil equipes, que contam com pelo menos 250 mil agentes comunitários, estão espalhadas pelo país. Aos olhos do visitante, é notável a diferença das condições de saúde das populações que contam com elas. Estudo conjunto das Universidades de São Paulo e de Nova York mostrou que para cada 10% de aumento da população assistida, a mortalidade infantil cai 4,6%.

Pois bem, esse programa de sucesso precisa de médicos nem sempre fáceis de atrair, mesmo com salários mais altos. Precisa também de enfermeiras, dentistas e de técnicos qualificados, mas vamos nos deter na parte médica.

Médicos forçados a passar dois anos nessas equipes antes de receber a autorização definitiva para clinicar podem dar impulso considerável em busca da universalização do programa. Se a Constituição permitir que o Estado obrigue alguém a trabalhar em local que não deseja, acho que os recém-formados poderão se beneficiar da experiência: aprenderão a exercer uma medicina que não é ensinada nas faculdades, conhecerão melhor as grandezas do país e a realidade perversa que condena à miséria, que governantes ufanistas insistem em proclamar extinta.

Essa medicina de pés descalços, no entanto, é incapaz de resolver problemas mais complexos. Estes dependem de profissionais motivados, com carreiras no serviço público bem estruturadas, unidades de saúde aparelhadas, hospitais equipados e administrados sem corrupção ou ingerências políticas.

Na Constituição de 1988, declaramos que saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes teve a ousadia de fixar meta tão pretensiosa. Infelizmente, os constituintes levantaram da mesa sem indagar quem pagaria a conta.

Passados 30 anos, constatamos que 56% do investimento em saúde vem da iniciativa privada, para cobrir os gastos dos 48 milhões de brasileiros com mais recursos. Aos 150 milhões que dependem do governo, cabe menos da metade do bolo.

Como consequência, esses 48 milhões de usuários dos planos de saúde têm à disposição quatro vezes mais médicos do que os 150 milhões atendidos pelo SUS. Tal distorção acontece por uma razão óbvia: o médico procura estar no mercado que oferece salários mais altos e melhores condições de trabalho. Num sistema capitalista como o nosso, não são essas as expectativas de advogados, engenheiros, lixeiros, metalúrgicos e agricultores?

Apregoar como um grande salto na qualidade do atendimento à população a medida de obrigar recém-formados a prestar serviços em localidades desprovidas da infraestrutura mais elementar é simplificação demagógica. Sem equipes treinadas, laboratórios de análises, imagens, centros cirúrgicos, acesso a medicamentos e a hospitais de referência para encaminhar os casos mais graves, não se faz assistência médica digna desse nome.

Os especialistas calculam que no Brasil faltem 70 mil leitos hospitalares. Estamos vergonhosamente despreparados para atender à demanda das enfermidades responsáveis pela maioria dos óbitos: ataques cardíacos, câncer, diabetes, obesidade, derrames cerebrais, acidentes de trânsito, tabagismo, doenças pulmonares.

Atribuir a responsabilidade pelo descaso com o SUS à simples falta de médicos é jogar areia nos olhos do povo descontente.

drauziovarella.com.br -- DRAUZIO VARELLA

28 DE ABRIL DE 2018
PAULO GLEICH

ADEUS A UMA MESTRA


Escrevo horas após ir ao velório de uma pessoa especial, daquelas que são difíceis de qualificar. Não era uma amiga, embora um laço de amizade também nos unisse. Não era uma professora, embora eu tenha aprendido muito sobre meu ofício no convívio com ela. Não era também apenas uma colega, embora compartilhássemos da mesma profissão. Merece um título que outorgamos a poucas pessoas: era uma mestra, certeza que tive no momento de dizer adeus.

Mestres são pessoas especiais em muitos sentidos. São figuras que carregam em si uma força singular, que têm a capacidade de despertar em nós mesmos uma força às vezes adormecida. São pessoas a cuja presença não somos indiferentes, mesmo que o afeto que nos despertam oscile, por vezes, entre a admiração e o rechaço. Isso talvez porque essa mesma força que ajuda a nos por em movimento às vezes também nos inibe e atropela.

O desenvolvimento humano é impossível sem mestres. Os primeiros são nossos pais, por quem desenvolvemos essa admiração temerosa, por mera necessidade de sobrevivência. Nos sentimos pequenos diante deles, lhes atribuímos capacidades sobre-humanas, mas é graças a eles que crescemos. Aos poucos, atribuímos a outros essa função: professores que marcam a trajetória escolar, uma tia com quem desenvolvemos uma relação especial, um amigo por quem nutrimos admiração.

Em algum momento, chega a inevitável decepção: os mestres, apesar das qualidades que carregam, revelam sua falibilidade. Seja um defeito, seja uma falha, subitamente algo rompe a imagem de onipotência que até então lhes outorgávamos. A adolescência é o momento paradigmático dessa queda: saltam aos olhos os defeitos (ou seja, a humanidade) dos pais, as falhas passam a ser tudo o que neles vemos - e fazemos questão de expor. Não à toa, é na adolescência que se buscam novos mestres, pois os antigos caíram desse lugar.

Tem quem jamais atravesse esse momento e siga cultuando para sempre a imagem forjada na infância, ao preço de jamais poder se confrontar com a dimensão humana dos pais - e, por tabela, com a sua própria. Vivem presos a exigências de perfeição, e tudo que fica aquém disso é fracasso. Ao não poder humanizar os mestres, sofrem com sua própria pequenez diante de ideais inalcançáveis. O mestre passa a ser um tirano, mesmo que seja um tirano interno.

Mas há também quem fique capturado no momento adolescente da queda do mestre, não superando sua imperfeição. Atentos às mínimas falhas, seguem gritando aos quatro ventos como são mestres fajutos, por não encarnarem todas as qualidades que lhes são atribuídas. Cria-se um ciclo permanente de busca de um novo mestre, que cedo ou tarde decepcionará, levando à procura de outro. O foco nas falhas acaba deixando cego às qualidades e potencialidades - as do mestre, mas também às próprias.

É somente num terceiro movimento, após a adoração e a decepção, que é possível estabelecer uma relação mais saudável - e proveitosa - com os mestres: é quando sua imperfeição não mais invalida as qualidades que têm a transmitir. Reconhece-se que sua força criativa também pode ser destrutiva, que seu destemor também oculta, como em todos nós, temores. Por isso, todo bom encontro com um mestre pressupõe um adeus: à idealização que, em um primeiro momento, fizemos dele.

À mestra Martha Brizio, gratidão por compartilhar com tantos de nós sua grande força - e sua humanidade.

PAULO GLEICH



28 DE ABRIL DE 2018
J.J. CAMARGO

NOSSA CATEDRAL DE CADA DIA

Toda empresa que hierarquiza funcionários, depreciando aqueles cuja função exige menor qualificação intelectual e menor tempo de treinamento, está ignorando um princípio básico em gestão de pessoas: não existem tarefas secundárias. Talvez merecessem essa denominação aquelas desempenhadas por pessoas azedas, que nem se dão conta do quanto é perceptível a quem se acerca a proximidade de um infeliz com o que faz.

Em uma empresa que se relacione com o público, essas criaturas amargas precisam ser escondidas, e sempre penso no almoxarifado como o depósito adequado do mau humor, e nunca a recepção ou a telefonia, como tantas vezes acontece. Inúmeras histórias famosas reportam ganhos e perdas espetaculares em função do desempenho de funcionários que inconscientemente espantaram ou atraíram clientes importantes, simplesmente pelo jeito tosco ou carinhoso com que se expuseram.

O trabalho, qualquer trabalho, para quem odeia o que faz, funcionará sempre como uma forma de sofrimento, somente comparável com a penúria de quem adoece organicamente. Todo trabalho visto como odioso pelo trabalhador se revela como uma enfermidade corrosiva e degradante. Além disso, essa forma de doença funcional, por todos os seus ingredientes, verdadeiros ou subjetivos, é altamente contagiosa e se espalha entre os circundantes com uma virulência inimaginável.

À semelhança da doença orgânica, em que cada indivíduo diante da mesma condição patológica exibe sua maneira peculiar de sofrer, no trabalho isso se repete com graus distintos de entusiasmo, resiliência ou inconformidade diante de tarefas idênticas cumpridas por pessoas desiguais em ambição, sonhos, entusiasmo ou enfaro.

A Catedral de St. Paul, em Londres, erguida em homenagem a São Paulo, no século 17, foi projetada pelo arquiteto Christopher Wren que, segundo se conta, um dia, travestido de visitante comum, percorreu o canteiro de obras para ver como os operários trabalhavam e se impressionou com a diferença de atitude de três pedreiros: o primeiro não conseguia disfarçar o desconforto e frequentemente parava para secar o suor do rosto naquela tarde de verão; o segundo, em um esforço comedido, trabalhava em silêncio resignado; o terceiro exibia um entusiasmo incomum, assobiando ou cantarolando o tempo todo. 

Perguntado ao primeiro o que fazia, a resposta foi típica: "Sofrendo aqui com este trabalho miserável, neste calor horrível!". A resposta do segundo foi a expressão do seu comportamento submisso: "Ganhando o sustento da minha família, afinal, tenho mulher e três filhos para alimentar!". O terceiro interrompeu a cantoria para responder ao cumprimento do estranho e, quando perguntado o que fazia, colocou na resposta todo seu orgulho: "Eu estou construindo a Catedral de Londres, meu cavalheiro!".

Não importa se o teu instrumento de trabalho é uma pá, um carrinho de mão, um pincel, um bisturi ou um laptop. Tua vida só será plena se te emprestar a sensação de que estás construindo, a cada dia, a tua própria catedral.

Correção: na coluna da edição de 21 e 22 de abril, a frase "Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados" foi atribuída a Millôr. Na verdade, é do Barão de Itararé.

jjcamargo.vida@gmail.com - J.J. CAMARGO



28 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

A razão da amargura

Em qualquer discussão, seja qual for o tema, chega o momento em que alguém usa o nazismo como argumento. Funciona. Em primeiro lugar, porque o nazismo é reconhecido no Ocidente como o mal absoluto. Em segundo, porque faz parte de um contexto tão amplo, que pode ser associado ao que o argumentador bem entender. Dos neoliberais aos comunistas, passando por vegetarianos e abstêmios, todos correm o risco de, em algum momento, ter suas atitudes comparadas com o nazismo. Qualquer um, em qualquer causa, pode usar o nazismo como arma.

Já o irmão mais velho do nazismo, o fascismo, serve mais como espingarda das esquerdas. Esquerdistas adoram chamar direitistas de fascistas.

Só que as realidades se confundem nesse campo ideológico. Ontem, escrevi sobre Getúlio Vargas. A esquerda do século 21 admira Getúlio Vargas e se identifica com ele. Há uma tese de que a divisão da sociedade brasileira vem daquela época: Vargas seria a esquerda que protegia os pobres, e seus inimigos seriam os elitistas da direita que queriam explorar os pobres. Lula, inclusive, tenta emular Vargas. Em seu último discurso antes de ser preso, ele empregou várias imagens que o ligam ao Vargas da carta-testamento. Todas aquelas referências messiânicas, tipo "se meu coração parar de bater, baterá no coração de vocês" ou "não sou mais um homem, sou uma ideia", tudo isso tem o tom dramático de "saio da vida para entrar na história".

Acontece que, na verdade, Vargas foi talvez o maior perseguidor de esquerdistas da história brasileira. Colocou o PC na ilegalidade, prendeu, torturou e matou comunistas. Mais: ele simpatizava tanto com o nazismo, que vacilou até o último instante em apoiar os aliados na II Guerra.

Mas, de fato, havia algo que irmanava Vargas e Lula, Hitler e Mussolini, Stálin e Mao, Fidel e Chávez, Perón e o Marechal Tito: o populismo.

Agora chego ao ponto crucial para responder à pergunta que fiz dias atrás: por que perdemos muito da nossa doçura e da nossa alegria?

É que nós, brasileiros, historicamente nos entregamos à solução fácil do populismo, e o populismo precisa de inimigos para se justificar. Hitler, por exemplo, elegeu os judeus como inimigos internos (não disse que o nazismo sempre é usado como argumento?).

No Brasil, os populistas são pais protetores dos pobres. Para que existam e governem, eles têm de proteger os pobres de alguma ameaça. Logo, há que se apontar um agressor. Durante muito tempo, os agressores foram os políticos tradicionais. Lula e o PT eram o oposto de Maluf, Collor, Calheiros, Sarney, Delfim et caterva. Lula e o PT eram o novo.

Mas Lula e o PT perceberam que, se continuassem se opondo a esses políticos poderosos, jamais chegariam ao poder. Assim, Lula e o PT se amasiaram com eles e com eles partilharam benesses. Cada um levou a sua cota e ficou tudo certo.

Isso por cima.

Por baixo, o governo aquietou a choldra com mimos fáceis - bolsas, vagas na universidade, auxílios variados. Todo mundo parecia contente e a estrutura continuava a mesma.

Porém, a manutenção da estrutura torta pesava cada vez mais exatamente sobre quem a sustentava - o contribuinte. Ao mesmo tempo, os desvios do sistema passaram a ser descobertos. Isso enfraqueceu e expôs o governo. Exposto, o governo começou a ser atacado. Atacado, teve de se defender. Como? Com a estratégia de todo populista: alegando que ele, governo, protege os pobres e que seus inimigos são inimigos dos pobres.

Foi esse discurso, potencializado pelas redes sociais, que tornou o Brasil amargo. Mas o mais grave é que a reação de parte da população ao populismo de esquerda foi atirar-se nos braços do populismo de direita. Isto é: a amargura só aumenta.

Voltando ao exemplo onipresente do nazismo, é alvissareiro lembrar que a Alemanha, por fim, conseguiu livrar-se do populismo. Os governantes alemães das últimas décadas são sensatos, prudentes e saudavelmente monótonos. Mas, para chegar a esse nível, eles tiveram de passar por uma guerra. Resolve, mas não vale a pena. Espero que, no caso do Brasil, baste o combate virtual.

DAVID COIMBRA



Desconexão Mercado Público 


Segunda-feira passada, 17h15min: depois da sessão no Conselho Estadual de Cultura, resolvo ficar no Centro Histórico para um compromisso às 19h. Caminho pela Sete de Setembro, cruzo a Praça Montevidéo, atravesso o Largo Glênio Peres e aí decido entrar no Mercado Público, com o desejo de traçar a salada de frutas da atemporal Banca 40, a mais antiga e querida da cidade. Me acomodo na cadeira, me desconecto do onipresente, onisciente e onipotente celular e peço a salada grande, sem açúcar, sorvete ou nata, num momento de chata lucidez dietética.

Fico pensando no filme Baseado em fatos reais, no qual uma pessoa vampiriza o corpo e a alma da outra e, aí, decido vampirizar um pouco as pessoas que passam pelo corredor central do Mercado. Quantas pessoas egoístas, ególatras e narcisistas andam por aí, querendo se adonar da carne, dos ossos e das almas dos outros? Pessoas baixas, altas, anãs, gordas, magras, medianas, velhas, jovens, negras, brancas, amarelas passam à minha frente.

Quase todas sozinhas. Uma moça de blusa com listras preto e branco, calça preta e sapatilhas espera por alguém, de pé. Será que ele ou ela vem? A moça se impacienta. Final feliz: a amiga chega, se abraçam demoradamente e entram, felizes, na banca da frente, talvez para comprar bacalhau, azeite de oliva, vinho ou pão sírio e patês. Nem Freud explicaria nossos seres atuais, milhões deles conectados e solitários, focados na eterna procura e circulando por aí como zumbis eletrônicos. Andei lendo dois artigos.

Um, a favor do Freud e da neuropsicanálise, que mescla psicanálise com neurologia e remédios. Outro, dizendo que Freud é fraude, um enganador, um mito que merece ser desmascarado. É briga de cachorro grande, cada um defendendo suas ideias, egos e "interesses", como dizia o tio Briza. Prefiro pensar como o esperto rabino e considerar que os dois e o Freud têm razão.

Sim, um marido queria se separar da mulher e o rabino lhe deu razão. Depois a mulher dele veio pediu divórcio e o rabino disse que ela tinha razão. Aí falou a mulher do rabino: o que é isso, você deu razão para os dois, está errado. Sabe o que mais, você também tem razão, disse o sábio rabino. É isso: defensores e atacadores do Freud têm razão. Petistas e antipetistas, chimangos e maragatos, gremistas e colorados, turmas de esquerda, direita, de centro e não sei o quê mais, têm cada um suas razões.

Também tenho as minhas razões e contradições. Como disse o Mario Quintana, contradição é quando nosso pensamento chega, por si só, ao outro polo da verdade. Tomara que apareça um "mediador da pátria" e que surjam algumas bandeiras que agradem a ampla maioria, acomodando as razões variadas. Levo uma meia hora baiana para degustar a salada de frutas e aí aparece o amigo Samir com o dono da banca da frente. Reclamo que todas as bancas têm preços de bacalhau iguais. Ele apenas sorri.

a propósito... 

Fui fraco, não resisti. Postei a salada de frutas no Face e disse que estava flanando no Mercado. Barbudões passam na minha frente. Esses barbões são fruto de novelas da Globo, contestação ou preguiça? Fidel Castro disse que, sem fazer barba, o cara ganha uns dez ou quinze minutos por dia. Fidel tinha razão e não tinha, nisso e em monte de coisas, tipo a torcida do Flamengo. Normal, demasiado humano. Sei lá se esse texto tem pé, cabeça, tronco e membros.

Sei lá se tenho razão. Não estou preocupado com isso. Estou preocupado porque tenho que sair na minha desconexão/conexão Mercado Público e ir no tal compromisso. Ah, as pessoas não parecem preocupadas com tantos assuntos aí. Elas têm razão. A verdade, a luz e a razão estão numa feijoada feita no capricho, com caipirinhas e uma ambulância por perto. (Jaime Cimenti) -

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2018/04/colunas/livros/623995-o-ano-de-1968-e-os-direitos-humanos.html)

O livro 1968: 


Eles só queriam mudar o mundo (Editora Zahar, 314 páginas), dos jornalistas Regina Zappa e Ernesto Soto, é a segunda edição da obra que comemora as cinco décadas do "ano que não acabou", título do livro do jornalista Zuenir Ventura sobre 1968. Profeticamente, aquele ano foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Ano Internacional dos Direitos Humanos. Regina tinha 14 anos na época e é autora de mais de 10 livros sobre Chico Buarque e Hugo Carvana, entre outros temas. 

Ela assistiu à passeata do enterro do estudante Edson Luís de sua janela. Ernesto Soto formou-se em Jornalismo na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro e estudou Antropologia no Chile e na Suécia. Trabalhou nas principais empresas jornalísticas do País. A obra é um verdadeiro almanaque ilustrado da geração que disse não ao conformismo. Organizado mês a mês, o volume traz os principais eventos de um dos períodos mais dinâmicos, marcantes e arrebatadores do século XX no Brasil e no mundo. 

Personalidades emblemáticas, músicas mais tocadas e filmes inesquecíveis, além de depoimentos de personalidades que viveram intensamente o momento estão no volume, que tem dezenas de fotos em preto e branco, altamente ilustrativas. Beatles, moda, costumes, feminismo, astrologia, arte, teatro e política não podiam faltar e lá estão, para todos que "queriam apenas o impossível", sonhavam e sonham com um mundo melhor. No Brasil, vivíamos o período militar - na França, os estudantes se rebelavam, nos Estados Unidos, a grande luta pelos direitos civis desembocou na morte de Martin Luther King e, na Europa Oriental, a Primavera de Praga sinalizava que era possível desejar o fim do domínio soviético e sonhar com reformas liberalizantes. 

A herança de 1968, como se sabe, é polêmica, mas é muito rica e se faz sentir até hoje. As reivindicações sociais, culturais e políticas ainda não foram solucionadas, ao menos de todo, mas os sonhos sempre devem existir. Seguem os desejos de mudanças progressistas, justiça social, liberdade e igualdade. A semente libertária plantada em 1968 merece florescer, ainda que muitos resistam a mudanças e prefiram não se dar conta que o novo acaba surgindo. 

O ano de 1968 vive e a obra de Regina e Soto segue atual, não só relatando o período, mas lançando um olhar crítico e generoso sobre as famosas contradições daquele ano agitado. lançamentos O livro da esperança: vivendo com câncer de pulmão (Farol 3 Editores, 92 páginas), de Janaína Carneiro, professora de administração da Ufrgs, mestre em gestão e doutoranda em políticas públicas, relata o câncer de pulmão diagnosticado em 2015 e o tratamento até hoje. Janaína generosamente compartilha sua experiência e acha que é melhor pessoa hoje do que antes do diagnóstico. 

Na pureza do sacrilégio (Ateliê Editorial, 136 páginas), do engenheiro e poeta carioca Carlos Cardoso, nascido em 1973, é seu terceiro livro de poemas. Sol descalço e Dedos finos e mãos transparentes são os outros. O livro traz experiências "ligeiras" e ao mesmo tempo originais, intensas e verdadeiras. "E eu amo os poetas e a poesia porque são belos/ e as coisas porque são brutais", entre outros versos da obra. 

Quem é Jesus? Uma enciclopédia sobre a vida de Jesus (Sociedade Bíblica do Brasil, 128 páginas), de Lois Rock, apresenta a vida de Jesus contada a partir dos Evangelhos, com relatos selecionados cuidadosamente e dispostos de modo a ressaltar os acontecimentos mais importantes. Com ilustrações em cores e diagramação moderna, o volume tem verbetes curtos e leitura agradável. - 

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2018/04/colunas/livros/623995-o-ano-de-1968-e-os-direitos-humanos.html

27 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

Uma parede derrubada por dia


O Brasil nunca fica pronto. Poucas situações são mais estressantes do que essa. Você já fez reforma na sua casa? Já fez reforma MORANDO na casa, enquanto os operários trabalham? Então você sabe do que estou falando.

O Brasil está permanentemente em reformas. Outros países fazem consertos pontuais. A educação está em crise feito uma torneira que pinga? Eles vão lá e arrumam. Certas leis são obsoletas como um chuveiro que não esquenta? Eles trocam. É normal, casas e países precisam de reparos a toda hora. Só que, no caso do Brasil, todo dia é preciso quebrar uma parede.

Não estou falando de uma ou outra leizinha nova. Não. Temos que mudar tudo na Previdência, no pacto federativo, nas relações de trabalho, na tributação, na educação, na saúde, na segurança. Deu um problema aqui no combate à corrupção. Dá para fazer um puxadinho? Que nada: é necessário alterar a Constituição para deixar claro aos Gilmares Mendes, Lewandowskis e Toffolis que a sociedade não aceita mais que ricos e poderosos usem os desvãos da lei para que a lei não seja cumprida.

Mas a questão é: por que é que somos assim? Por que não conseguimos chegar a um acordo a respeito da casa em que queremos viver? Por que nunca sabemos exatamente como ela deve ser?

É por causa da nossa pobreza.

A nossa pobreza nos apressa. Parece muito penoso e caro trocar toda a fiação elétrica. Então, vamos resolvendo com uma fita isolante aqui, uma gambiarra ali. Fica mais ou menos provisório, mais ou menos resolvido. De vez em quando, estoura um incendiozinho, mas a gente apaga como dá e segue em frente.

Nossa primeira grande improvisação ocorreu com o golpe de 1930. Havia pouco tempo, o Brasil decidira ser uma república capitalista e democrática. Esse é o caminho do bem, como prova a História: os países em que as pessoas vivem com mais liberdade e bem-estar são, todos, absolutamente todos, sem nenhuma exceção, repúblicas (ou monarquias constitucionais, como a Inglaterra) capitalistas e democráticas.

Mas aí veio a ditadura de Getúlio Vargas, e a democracia adormeceu por 15 anos. Aquele foi um momento decisivo. Os problemas da república poderiam ser consertados com reparos democráticos, como se faz em qualquer nação moderna. Só que essa opção é lenta e trabalhosa, e o Executivo forte dá a impressão de ser um atalho - na verdade, é um desvio.

A ditadura de Vargas foi pior do que a dos militares, porque ele tinha mais poderes. Durante muito tempo, o Brasil não teve Legislativo, não teve eleições, nem Constituição. Mas teve censura férrea e repressão duríssima.

Você talvez tenha lido o livro Falta Alguém em Nuremberg, de David Nasser. Esse alguém a quem ele se referia era o chefe da polícia política de Vargas, Filinto Müller. Nasser conta que as torturas empregadas pelos esbirros de Müller, com o consentimento de Vargas, eram mais cruéis do que as cometidas pelos nazistas nos campos de concentração. Era comum, por exemplo, enfiar um arame na uretra da vítima, deixando uma ponta de fora a fim de aquecê-la com um maçarico. Os policiais brasileiros também se compraziam em esmagar os testículos dos presos usando uma espécie de alicate chamado "anjinho", corruptela do nome do inventor do aparelho, o escrivão Higino.

Apesar disso, Vargas era muito popular e até hoje tem admiradores, porque permitiu que seu ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, avô de Fernando Afonso, criasse as leis trabalhistas. É óbvio que essas leis seriam implantadas de qualquer maneira, com ou sem Vargas - quase todo o Ocidente estava evoluindo nessa direção. Porém, é mais fácil e simples acreditar que um pai protetor vai resolver os problemas para nós. Assim, uma ditadura feroz e sanguinária passou à História como defensora dos pobres. Ou seja: mais uma vez, a nossa pobreza nos atrapalhou o raciocínio e empanou o futuro.

Vou chegar aonde prometi ontem, nas causas da perda da nossa alegria. Mas amanhã.

DAVID COIMBRA

27 DE ABRIL DE 2018
RBS BRASÍLIA

Quem tem medo de Palocci?


De homem de confiança a algoz do PT. Esse poderia ser o resumo da trajetória de um dos mais poderosos ministros petistas, Antonio Palocci, que agora aceita contar sobre as falcatruas que ajudou a comandar, entregando antigos companheiros e parceiros de corrupção. Ao contrário de José Dirceu, ele não está disposto a pagar o pato sozinho. Um acordo de colaboração que provoca pânico no PT. 

A prova é que, antes mesmo que venham à tona detalhes das informações que ele repassou aos investigadores, a ex-presidente Dilma Rousseff publicou uma nota chamando o ex-colega de partido de mentiroso. Ela reclama de fatos que já foram citados por ele em depoimentos aos investigadores. Alegar que Palocci mente é ato de desespero. Além de depoimentos, ele teria provas das relações espúrias entre políticos e o setor privado. Afinal, ele era o contato direto entre o partido, empresários e o sistema financeiro. A situação do PT é grave: Lula está preso e Palocci resolveu soltar a língua.

Questionado sobre o possível impacto da delação de Antonio Palocci no PT, o deputado Elvino Bohn Gass (RS) afirmou que, se o ex-ministro fez alguma coisa errada, ele o fez por conta própria. Petista histórico, Palocci foi ministro da Fazenda e da Casa Civil, além de articulador e operador das campanhas de Lula e Dilma.

Depois de uma conversa com o ministro dos Transportes, Valter Casimiro, o deputado Alceu Moreira (PMDB) saiu convencido de que a questão do aumento do preço do asfalto não será mais empecilho para a obra da BR-116. Os contratos com as empreiteiras serão corrigidos. Na reunião com o presidente Michel Temer, a bancada gaúcha deve ter como foco a tentativa de aumento de recursos para a obra.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou atrás e convocou sessão extraordinária para a próxima semana, atrapalhando os planos de quem queria esticar o feriadão. Ele atendeu a um pedido de Temer para votar o remanejamento de recursos de R$ 1,3 bilhão para pagamento da dívida dos governos de Moçambique e Venezuela, dos quais o Brasil foi avalista. A grande dúvida é se haverá quórum.

Colaborou Silvana Pires - @Carolina_Bahia - CAROLINA BAHIA

27 DE ABRIL DE 2018

ARTIGOS

DE VOLTA PARA O FUTURO


Os novos tempos requerem novas gestões. A pirâmide que acumulava em detrimento da base que trabalhava caiu. Foi o que aconteceu com nosso país. Roubamos muito, pouco, roubamos sempre; desde a chegada em terras brasilis. Infelizmente esta é nossa história. Mas desta vez acabaram as contas. Em todos os mercados, onde não houver um regresso ao antigo termo "gestão participativa", o novo coaching, o startup, a inovação em busca da não transformação (e apenas interesse de resgate do status quo perdido) cai por terra.

Executivos de 50, 60 anos perdendo postos para os jovens? Sim. Esses jovens se deram conta de que não há mais tempo de acumular e explorar. Isso impede trabalho e causa retrabalho. E não querem mais ser explorados nem por sua vez tornarem-se exploradores. Querem, sim, ter menos para dar mais. Para que todos tenham mais. Gestão participativa fez e faz grandes empresas de grandes setores faturarem há anos. E o mais importante: se manterem.

O Brasil e o brasileiro que dominava a entrada do mercado de trabalho abastado há 30 anos atrás hoje caem do pico da pirâmide em falsas tentativas de se modernizar. Não de se modificar. Enquanto o jovem que esteve em suas sofridas bases parte em busca do old fashion way. A vida passa do fordismo para o hand made. Para o heart made. Se você tem rede de contatos ótimo! Mailing gigante também. Mas se seus seguidores não o seguem por afeto, mude seu rumo. Volte 10 passos no tabuleiro do banco imobiliário. Monte um banco afetivo e efetivo. Ele é bem mais relevante do que qualquer rede social. Não é substituível.

Talvez tenhamos que começar de novo. De outro antigo novo modo. E vai ser bom. Para todo mundo. O afeto, a empatia e as relações sadias e respeitosamente desinteressadas podem e vão gerar lucros. Sem nenhuma dúvida. São a consequência direta e imediata da vida realmente afetiva. E bem maiores do que se pensa.

Psicóloga nenk@terra.com.br - ANA LUÍSA SCHUCK GUEDES

quinta-feira, 26 de abril de 2018



26 DE ABRIL DE 2018
GESTÃO

CC é nomeado para escritório desativado

PREFEITO DIZ QUE CARGO DE COORDENAÇÃO de setor do MetroPOA deve ser para outras atividades

A prefeitura de Porto Alegre nomeou, no dia 12, uma pessoa em alto cargo comissionado (CC) para a coordenação-geral do Escritório-Geral do Metrô de Porto Alegre (MetroPOA), ainda que os trabalhos para tirar do papel o transporte subterrâneo já tenham sido suspensos há mais de um ano. O próprio prefeito Nelson Marchezan já classificou a ideia de construção do metrô como uma aventura. O imóvel alugado onde funcionava a sede do MetroPOA foi devolvido, e as salas, esvaziadas.

Esses elementos não impediram que Daniel Rigon fosse nomeada neste mês, com publicação no Diário Oficial nos dias 18 e 23, para a coordenação-geral do MetroPOA, com acréscimo de "gratificação especial". Consultado sobre o caso, Marchezan confirmou que não há trabalhos do MetroPOA e que o CC de coordenação do projeto paralisado pode ter sido nomeado para realizar outras atividades na prefeitura.

- Não tem condições (de fazer metrô em Porto Alegre). Não sei te informar agora, mas provavelmente deve ser só a nomenclatura do cargo. A pessoa deve estar em outra atividade - afirmou o prefeito.

O secretário José Alfredo Parode, de Planejamento e Gestão, pasta à qual estão vinculados os cargos ainda existentes do Escritório MetroPOA, indicou que o CC em questão não responde pela função para que foi nomeado. Segundo o secretário, como esse cargo comissionado é de alta remuneração, foi utilizado para alocar essa pessoa que, atualmente, realiza atividades em "programas estruturantes" da prefeitura.

- Ele (o CC) veio justamente em um momento em que o prefeito está buscando estruturar um modelo de governança em cima dos programas e projetos estruturantes, e todo o conjunto das gratificações tem uma dimensão de valores diferenciada. O município tem certa dificuldade para atrair bons profissionais. Então, esse programa (MetroPOA) tem esse atrativo (financeiro). Ao longo dos anos, foram sendo criadas essas gratificações, especialmente as gratificações especialíssimas, como é o caso dessa, porque a lei ainda não foi revogada - avaliou Parode, que deixou ontem a pasta que passa, agora, a ser comandada por Paulo de Tarso Pinheiro Machado.

Questionado diretamente sobre um eventual problema de alocar um CC em função diversa daquela para a qual foi nomeado, Parode respondeu:

- Essa é a realidade do município de Porto Alegre. O prefeito tem se posicionado que isso tem de ser revisto. O que precisa ser feito é uma construção que privilegie a competência, o resultado e que garanta condições de atratividade tanto para o servidor efetivo quanto para os CCs. Dependendo da atividade de interesse estratégico, tu tens dificuldade de atrair o profissional por conta da remuneração.

Em nota, a prefeitura afirmou que "a MetroPoa foi extinta no fim de 2016" e que "a nomenclatura permanece até a regulamentação por decreto". Também ressaltou que "o cargo não tem nenhuma relação com a atividade anterior". No texto, consta que "todas as nomenclaturas antigas serão alteradas nas novas configurações da Administração Municipal, juntamente com os demais cargos, por meio de decretos".

ZH ofereceu, por meio da assessoria de imprensa da prefeitura, espaço para que Rigon se manifestasse, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

DESVIO DE FINALIDADE

O professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) Norberto Flach, especialista em Direito Público, disse que a prática de destinar CCs para atividade diversa daquela em que a pessoa foi nomeada configura uma irregularidade na administração pública:

- Haveria um descumprimento dessa orientação inicial, que é determinada pela Constituição. Aquilo que a gente chamaria genericamente de um desvio de função, que surge como um desvio de finalidade da administração pública, uma vez que se está destinando para atividade diversa daquela para a qual o servidor foi destinado. Com isso, haveria um prejuízo, em tese, ao seu desempenho e se frustraria o próprio fim público que é perseguido pela administração.

GABRIEL JACOBSEN

26 DE ABRIL DE 2018
RBS BRASÍLIA

Uma semana de feriadão


Repetir que o Senado e a Câmara estão paralisados virou um clichê. Ontem, em sessão do Congresso marcada para as 16h, era patético assistir a deputados e senadores se revezando na tribuna e solicitando para colegas registrarem presença, uma hora após o início do encontro. Os pedidos eram para que os parlamentares fizessem o óbvio: trabalhar. Enquanto isso, nos bastidores, um acordo era costurado para analisar todos os vetos presidenciais da pauta, depois retomar a sessão da Câmara e tentar zerar a pauta do dia. A pegadinha? 

Agilizar tudo para que os parlamentares possam retornar para suas bases eleitorais na quinta-feira e só voltar a Brasília em 8 de maio. Sim, uma semana de feriado, afinal, no vocabulário congressista, não é usual trabalhar de quarta a sexta-feira. Agora, se olharmos pela lógica do Congresso, os parlamentares viriam trabalhar na quarta-feira, após o feriado de 1º de maio, e retornariam para seus Estados na quinta-feira. Um alto custo com passagens aéreas para nada ser votado. Portanto, uma semana de feriadão para os parlamentares pode até ficar mais barato para o país.

O senador Lasier Martins (PSD) pediu ajuda ao governador Sartori para que interceda em favor de reunião com Michel Temer sobre a duplicação da BR-116. A bancada gaúcha tentava um encontro para esta semana, mas o Planalto informou ao senador e ao deputado Afonso Hamm (PP) que a Casa Civil poderia receber a comitiva. Apesar da oferta, optou-se por priorizar a reunião com o próprio Temer e a expectativa é de que o encontro seja marcado na segunda quinzena de maio, quando o presidente retorna da Ásia.

O presidente do PMDB- RS, Alceu Moreira, confirmou à coluna que José Ivo Sartori é candidato a governador. Moreira aproveitou o jantar com Michel Temer, no Palácio da Alvorada, para informar o presidente da decisão do governador. No encontro, os presidentes regionais do partido apresentaram uma radiografia das pré-candidaturas nos Estados.

Às vésperas das eleições, o PSDB vive uma guerra interna. Os escândalos de corrupção, que chegam a Geraldo Alckmin, alimentam movimentos como o do ex-senador e atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, que levanta a bandeira de expulsão de Aécio Neves e substituição de Alckmin. Leia a entrevista com Virgílio em gauchazh.com/carolinabahia

SILVANA PIRES

26 DE ABRIL DE 2018
ARTIGOS

ESCOLHAM OS LIVROS!


Nos últimos tempos, muitos levantaram-se contra a intervenção militar, enquanto outros indicaram os militares como os únicos capazes de instaurar a ordem. Defender a ordem, contudo, não pode significar apoiar a militarização ou a entrega de armas à população. É defender o que a natureza sempre nos mostrou: a perfeição dos ciclos, a organização e harmonia dos elementos, a não destruição.

O pensamento armamentista é reducionista, simples, percebe uma parte da realidade. Como afirmou Platão: "É a mais radical maneira de aniquilar toda argumentação, esta de separar cada coisa de todas as outras, pois a razão nos vem da ligação mútua entre as figuras".

E o que nos resta, então? A educação, enxergada como "um desafio e não resposta" (Edgar Morin), como muitos afirmam. E para ser efetiva, empoderadora e com resultados, não depende da delegação de responsabilidades, mas da visão de que educar é tarefa de toda a sociedade.

Pode-se saciar a sede de ação e violência nas histórias com ficção. Por isso, como professora, sugiro livros no lugar de armas, para reacender o humano em nós, criar vínculos e não reforçar separações. Sobretudo para que as crianças tenham seus sonhos alimentados e não destruídos. Sentindo-se fortalecidas contra a influência das notícias, do consumismo, da competição, da desvalorização do outro, do amor permissivo e abusivo, da erotização de tudo.

Sonho que essa pedra no meio do caminho (Drummond) renove nossa percepção. Para que possamos nos reerguer como indivíduos dispostos a olhar para o mundo e as pessoas com cuidado, aprendendo que tudo está interligado, unindo nossas mãos às das mães e filhos nas vielas, nas favelas, com medo da violência, com medo dos militares.

Como afirma Morin, "não é a esperança o que faz viver, é o viver que cria a esperança que permite viver". Que vivamos em paz e com livros!

Professora jocelainepolita@gmail.com - JOCELAINE SERRO POLITA