É necessário αbrir os olhos e perceber que αs coisαs boαs estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisαm de motivos nem os desejos de rαzão. O importαnte é αproveitαr o momento, pois α vidα estα nos olhos de quem sαbe ver. Tento me lembrαr, de tudo que vivi, o que tem por dentro, ninguém pode roubαr. Pois os diαs ruins, todo mundo tem já jurei prα mim, não desαnimαr, não ter mαis pressα , eu sei que o mundo vαi girar . . .Eu espero α minhα vez.
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
Jaime Cimenti
A feira sexygenária das
imortalidades
Nossa sexygenária Feira do Livro
é algo além, muito além do que o mais do mesmo cada ano melhor e mais moderno.
Um dia, a feira vai se espraiar da esquina da Rodoviária até o Gigante da
Beira-Rio, um dos maiores centros de energia boa do planeta, que vai acolher os
livros com carinho colorado.
Livros, livros de papel. Ainda
existem alguns apocalípticos tontos dizendo que o livro impresso vai morrer,
que será tudo eletrônico. Sei lá, faz milênios que esses coveiros frustrados de
enterros concorridos falam em morte do teatro, da música boa, do livro
impresso, dos jornais em papel, de Deus, da morte e não sei mais do quê. Estou
prevendo a morte deles, a morte da morte e mais a morte das previsões. Mas não
se assustem. De previsões, de pesquisas variadas e de algumas questões sociais,
não entendo nada e nem quero entender. Só quero amar. Nem quero dinheiro.
Tomara que o livro impresso seja
imortal como alguns escritores e times, que, coitados, por vezes não têm onde
caírem mortos e encararam, brava e solenemente, os tempos e os espaços
infinitos da eternidade.
Esses dias li que um executivo de
uns 35 anos, de uma empresa de mídia eletrônica de Nova Iorque, em casa, pede
que o filho de cinco anos leia, ao menos um livro impresso por dia. Ele acha
que as luzes, as barulhinhos e os outros inhos dos tablets não estimulam a fantasia,
a inteligência e a imaginação do mesmo modo que a leitura silenciosa e
concentrada dos livros de papel. Concordo, acho que faz sentido.
Nada contra esse mundo high tech,
abarrotado de sons e imagens que nos deixam atarantados, acompanhados por milhões
de seres, mas, ao mesmo tempo, carregando a solidão nas pontas dos dedos
infatigáveis atrás de fotos, palavras , sons e notícias que já estão velhas
antes de a gente tomar conhecimento delas.
Viva o livro impresso, os
perfumes do papel e da tinta, o olhar calmo, os sons do silêncio, as fantasias
sem pressa e a liberdade incomparável e sem tamanho que só a leitura quieta é
capaz de proporcionar. Viva o carinho das mãos nos livros impressos. Desculpem
a conversa meio antiga, mas é que o livro impresso não é moda, não está na moda
e nem moderno é. Eterno, claro, isso é o que ele sempre foi, é e será. Que nem
a feira, filha mais moça e preferida dele.
Jaime Cimenti
Jaime Cimenti
Ganhando de virada
Quem ganhou, perdeu. Nas últimas
duas décadas, os vencedores de ontem perderam poder como nunca acontecera na
vida política nacional desde o advento da República, obra sem povo ou voto,
fruto de um levante militar no longínquo ano de 1889.”
Essas são as primeiras linhas do
capítulo inicial da volumosa obra Os vencedores: a volta por cima da geração
esmagada pela ditadura de 1964 (Geração Editorial, 856 páginas, R$ 69,90) do
jornalista Ayrton Centeno, 65 anos, que já trabalhou em O Estado de S. Paulo,
Jornal da Tarde, Veja, Agência Estado e Brasília Confidencial, entre outros.
Centeno escreveu as biografias do poeta simbolista Alceu Wamosy, do ecologista
Henrique Roessler e é um dos coautores de Coorjornal - Um jornal de jornalistas
contra o regime militar.
Os vencedores traz histórias e
percursos pungentes de Jango, Brizola, Ulysses Guimarães, Fernando Henrique
Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Carlos Araújo, Tancredo
Neves, José Dirceu, Aloysio Nunes Ferreira, Tarso Genro, José Genoíno, Frei
Betto, Gilberto Gil, Marília Pêra, Ignácio de Loyola Brandão, José Celso
Martinez Corrêa, Helvécio Ratton e dezenas de outros personagens.
Durante três anos, Centeno
pesquisou, leu e releu uma vasta bibliografia e percorreu o Brasil
entrevistando muitos dos vencedores, recuperando a jornada de dezenas deles
pelo cenário político-tétrico dos 21 anos de autoritarismo. Na sua imensa
reportagem de 856 páginas, Centeno mostra as agruras e a beleza da luta armada
e trata também dos que peitaram a ditadura com a palavra, o gesto, o som e a
imagem, os artistas e intelectuais do período.
Os sequestros, as passeatas, a
guerrilha, o atentado contra o Riocentro; o caso Parasar, os festivais de
música dos anos 1960, as disputas dentro da MPB, o ataque contra os atores da
peça Roda Viva, de Chico Buarque, e muito mais estão na obra, que já nasce
referencial sobre o período. Os fatos e as biografias se interrelacionam e os
vivos falam pelos mortos.
O livro tem apresentação do
editor, jornalista e escritor Luiz Fernando Emediato.
31 de outubro de 2014 |
N° 17969
ARTIGO - GABRIEL WEDY*
O PLEBISCITO DE DILMA E A CONSTITUIÇÃO DE
ULYSSES
A presidente reeleita, após
acirrado pleito, manifestou a intenção da busca pelo diálogo com todos os
setores da sociedade e demais poderes do Estado, em louvável e importante
atitude.
As relações desta com o Poder
Judiciário, o Poder Legislativo e com a imprensa, tendo em vista a célebre
proposta de “controle popular e social” da mídia, não foram, de fato, as mais
harmônicas. Casos de corrupção, o baixo desempenho de nossa economia e os
tímidos índices de desenvolvimento humano, em especial, nas áreas de saúde e
educação, contribuíram para o desgaste do primeiro governo Dilma.
Contudo, causa preocupação a
escolha do meio eleito para esta nobre tarefa estampada nas palavras
presidenciais, verbis: “Eu vou convocar um plebiscito”. Tal qual o falecido
presidente Hugo Chávez Frias, na Venezuela, pretende a nossa presidente
legitimar-se mediante plebiscito, que os restos mortais de Montesquieu não nos
ouçam, “autoconvocatório”.
Ou seja, a presidente quer
começar a sua segunda gestão valendo- se de prerrogativa que apenas o Congresso
possui, conforme estampado no art. 14, inc. I, de nossa Lei Maior. Ora,
plebiscito, segundo o jurista José Afonso da Silva, “é uma consulta popular que
visa decidir previamente uma questão política ou institucional, antes de sua
formulação legislativa”.
Talvez tivesse a nossa chefe de
governo pretendido falar sobre o referendo que, de acordo com o mesmo jurista,
é “um projeto de lei, ou de matéria constitucional, aprovado pelo Legislativo
previamente e, posteriormente, submetido à vontade popular”, como dispõe o art.
14. Inc. II, da CF. O fato é que o Congresso Nacional possui “competência
exclusiva” para convocar referendo ou autorizar plebiscito [art. 49, inc. XV,
da CF/88], não sendo estas atribuições do Poder Executivo.
É dever constitucional do
presidente da República, fosse o senador Aécio Neves o eleito e autor de
proposta idêntica, eu diria o mesmo, o respeito ao princípio da independência
dos poderes e a integralidade do texto da Constituição de 1988, promulgada, nas
palavras do doutor Ulysses, com “ódio e nojo à ditatura”. É bem verdade, de
direita ou de esquerda...
Ex-presidente da Associação dos
Juízes Federais do Brasil (Ajufe)
GABRIEL WEDY
31 de outubro de 2014 |
N° 17969
MOISÉS MENDES
Liberdades
Jornalista critica tudo, a grama
da Arena do Grêmio, o juro, as baixarias no Facebook, a inflação e os gays da
novela das oito. Jornalista comenta, com profundidade ou superficialidade,
qualquer coisa que esteja no outro lado da rua ou na Península da Crimeia.
Poucos seres no mundo sabem tudo,
quase sempre sem vacilações. Mas não tente questionar um jornalista.
Jornalistas são corporativos, atacam e se defendem em bando, como os leões.
Jornalista odeia a exposição pública de suas fraquezas.
Esta semana, defendi o ministro
Guido Mantega, com todos os riscos do atrevimento, e fui atacado por todos os
lados. É do jogo. Me mantive entrincheirado na essência do que escrevi e
assimilei golpes duros. Tentei ser leal.
Como critiquei os racistas do
Sul, que criminalizam eleitores pobres pelo resultado da eleição, fui apontado
por alguns como discriminador odioso dos coitados que odeiam nordestinos. Tive
que me defender da suspeita de que seria um traidor do Sul.
Dessa parte, me livrei bem,
porque poucos se identificaram como antinordestinos. Mas é duro ter de
argumentar que qualquer um tem o direito de exaltar, por conta e risco, os
feitos do ministro previamente degolado, no meio da eleição, porque não agrada
ao mercado.
E aí vem o que importa. Críticos
de Mantega também têm, por mais óbvia que seja a frase, o direito de apontar
seus defeitos e até de condená-lo pelo que não fez. Viva a liberdade de
expressão.
Mas seria bom que as minhas, as
suas, as nossas opiniões não fossem desqualificadas pela suspeita de que alguém
escora tudo que pensa em orientações partidárias ou ideológicas. Opiniões não
podem ser depreciadas pela alegação de que pretensas neutralidades foram
rompidas para a elaboração de uma reflexão.
Repórteres que colhem informações
procuram evitar que suas certezas se sobreponham às nuances da realidade
observada e das vozes captadas. Mas não existem observadores neutros. O que há,
como regra, é o esforço pela imparcialidade.
Quem opina, e eu tento opinar,
não tem o direito das falsas neutralidades. Jornalistas e profissionais de
qualquer área – do padeiro ao ministro do Supremo – não deveriam se constranger
de submeter suas posições sobre questões fundamentais da humanidade ao crivo
dos que com eles convivem, ou que dependem de seu trabalho.
Não há neutralidade possível
quando o debate, como ocorreu na eleição, nos confronta com o ódio dissimulado.
Como não há como ser neutro diante de racistas, homofóbicos e xenófobos.
Digo isso porque recebi com
naturalidade as críticas dos que discordam de Mantega, pelos mais variados
motivos.
Aprendi com as reações à crônica
sobre o ministro da Fazenda. Me mantenho atento às discordâncias.
Ocupei boa parte do meu tempo,
por dois dias, respondendo a e-mails. Me entusiasmei com a qualidade dos
argumentos (e o humor) de muitos dos que discordaram ou concordaram com as
virtudes e os defeitos de Mantega.
Mas digo, para encerrar minha
participação nessa história, que dispenso a compreensão de quem continua a
atacar nortistas e nordestinos como brasileiros de segunda classe. Desses,
espero apenas um honroso desprezo pelo que escrevo.
31 de outubro de 2014 |
N° 17969
DAVID COIMBRA
Getúlio, o pior. Itamar, o
melhor
Itamar Franco foi o melhor
presidente da história do Brasil.
Getúlio Vargas foi o pior
presidente da história do Brasil.
O governo de Itamar durou dois
anos e três meses, foi sempre democrático e não apresentou mácula de corrupção.
Nesse curto período, sua administração domou uma inflação que beirava os mil
por cento ao ano, o que até então parecia impossível, e cimentou o caminho para
a estabilidade econômica do país. Todas as obras dos presidentes que se
seguiram só puderam ser realizadas porque a inflação foi controlada.
Getúlio mandou no Brasil por 19
anos, 15 desses como ditador. Só isso, só o fato de ter sido ditador, seria o
suficiente para inscrevê-lo no rol dos canalhas da História. Toda ditadura é,
por conceito e por princípio, um mal; assim como a democracia, por conceito e
por princípio, é um bem. Getúlio interrompeu um legítimo processo democrático
para se encastelar no poder. Suas realizações, como as leis trabalhistas e o
voto feminino, eram demandas da sociedade, avanços internacionais que seriam
alcançados mais cedo ou mais tarde. Não se precisava de ditadura para obtê-los.
Não se precisa de ditadura para obter coisa alguma.
Com a ditadura, Getúlio extinguiu
a federação de fato, centralizando o poder e diminuindo a autonomia dos
Estados, ação consagrada na famosa cerimônia da queima das bandeiras. Também
instaurou a lógica paternalista do defensor dos pobres no Brasil e, depois,
quando finalmente se elegeu com legitimidade, criou à sua volta uma estrutura
de apoio composta, sobretudo, pelo peleguismo sindical. Estavam formados os
dois grupos que iam se enfrentar pelas décadas seguintes: os populistas
paternalistas e os conservadores.
Os populistas paternalistas têm a
seu favor o charme da esquerda e a presuntiva boa intenção de ajudar os pobres.
Na verdade, só o que eles querem é o poder. Os conservadores têm a seu favor
uma aura de modernidade capitalista. Na verdade, só o que eles querem é o
poder. Donde, golpes e contragolpes que não levam a lugar algum.
O golpe de 64 foi a derradeira vitória
dos conservadores. Brizola até ressurgiu como herdeiro do populismo, mas o PT
soube ocupar o seu lugar, ridicularizando-o como um político obsoleto e algo
folclórico. Lembro-me dos discursos dos intelectuais petistas nos anos 80,
criticando o populismo como causa do atraso do país. Era bonito. E era
alvissareiro. O PT anunciava-se diferente desses dois grupos, mas, para chegar
ao poder, teve de ceder, exatamente, ao populismo paternalista que criticava em
Brizola.
O PT apoiou-se em sindicatos, em
organizações da sociedade civil e, finalmente, em quaisquer aliados políticos
que lhe dessem sustentação parlamentar, inclusive os velhos ícones da ditadura,
como Maluf. Agora, o PT arroga-se como defensor dos pobres, tanto quanto
Getúlio. O PT é filho caçula de Getúlio. Filho caçula da ditadura getulista,
que, como toda ditadura, entortou a nação.
Mas o paternalismo do PT não é
errado quando investe no Bolsa Família. O Bolsa Família é um bom programa
corretivo de desigualdades. É errado quando o governo se apresenta como
paladino do povo oprimido. Numa nação madura, os pobres não precisam de ninguém
que os defenda.
Não precisam de pais ou heróis.
Os pobres, os ricos e os remediados não têm de depender de governo algum. Têm
de contar com um Estado que tenha sistemas de proteção aos mais fracos e de
garantia de oportunidades iguais a todos. Os governos são apenas
administradores desse sistema.
Um grupo governante que estivesse
realmente disposto a fazer o Brasil amadurecer teria de começar
descentralizando a arrecadação e refundando a federação. Você sabe quantos
programas de ajuda aos municípios são mantidos pelo governo federal? Mais de
200. Contei 229. Programas para fazer tudo, de esgoto a feiras do peixe.
Então, funciona assim: o imposto
é arrecadado na cidade, vai para Brasília e volta muito tempo depois através de
um desses programas. Nesse longo caminho, o dinheiro, o seu dinheiro, vai sendo
desbastado pela burocracia e pela corrupção. Por que os recursos não ficam no
município? Por que têm de passar pelas mãos do Grande Pai provedor? Se ficassem
no município, a comunidade se encarregaria de fiscalizar a forma como são
aplicados. Seria um verdadeiro incentivo à participação popular na vida
pública, não esses mal-intencionados conselhos de sabotagem da democracia
representativa.
Bastaria isso para que a
corrupção fosse atorada pela metade, no mínimo. Mas, para que isso fosse feito,
o grupo governante teria de renunciar a parte do poder. E quem neste país é
capaz de renunciar a qualquer pedaço de poder? De jeito nenhum. Melhor deixar o
país sob tutela eterna. Melhor apresentar-se como o benevolente protetor do
pobre indefeso.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
30 de outubro de 2014 |
N° 17968
CAPA
No balanço do síndico
Cinebiografia TIM MAIA estreia
hoje nos cinemas destacando o brilhantismo musical e a conturbada trajetória do
popular cantor carioca
Se as saborosas 400 páginas da
biografia Vale Tudo O Som e a Fúria de Tim Maia, lançada em 2007 pelo
jornalista Nelson Motta, pareceram pouco para enquadrar o gigante rebelde da
música brasileira, desafio maior é sintetizar a turbulenta trajetória deste
grande artista nos 140 minutos do filme inspirado neste livro.
Para concentrar seu foco
narrativo, Tim Maia, o filme, com direção de Mauro Lima, faz um recorte entre a
juventude do artista no bairro carioca da Tijuca, nos anos 1950, e seu apogeu e
derrocada pessoal, no final dos anos 1970. Há ainda referências à volta por
cima de Tim nos anos 1980 e, brevemente, à morte, em 1998, do ídolo
imortalizado como o “síndico” pelo amigo Jorge Ben Jor no hit W/Brasil.
Dois atores foram escalados para
interpretar Tim nas diferentes fases: Robson Nunes, na juventude, e Babu
Santana (foto abaixo), a partir da década de 1970. Eles trabalharam juntos para
dar unidade ao registro do personagem.
– Se você olha as fotos do Tim,
encontra três pessoas diferentes: o jovem de aspecto fofo, a fase black power
dos anos 1970 e aquele cara das camisas de lamê dos anos 1980. Com um ator só,
não seria possível dar conta – disse Lima no lançamento do filme em São Paulo,
na segunda-feira.
Tim Maia segue um modelo de
narrativa de longas como O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, referência
listada pelo diretor.
– Como a história cobre um
período de muitos anos, já no primeiro tratamento do roteiro identificamos a
necessidade de ter um narrador em off – explicou Lima. – E tinha de ser a voz
de alguém próximo do Tim, como o (músico) Fábio, que deu guarida a ele no
início da carreira e o acompanhou por muitos anos. É uma história heterodoxa,
sai fora da curva da biografia tradicional, e preferimos mostrar uma face de
Tim não muito conhecida.
Fábio (interpretado por Cauã
Reymond) é o nome artístico adotado pelo paraguaio radicado no Brasil Juan
Senon Rolón, aspirante a ídolo da Jovem Guarda nos anos 1960. Em 2007, ele
lançou o livro Até Parece que Foi Sonho – Meus 30 Anos de Amizade e Trabalho
com Tim Maia, também fonte de pesquisa do filme.
Mauro Lima, que dirigiu também a
cinebiografia Meu Nome Não É Johnny (2008), explica que, além do livro de
Motta, recorreu a outras referências para escrever o roteiro com Antonia
Pellegrino. Junto a personagens reais, o longa apresenta figuras fictícias como
Janaína (Alinne Moraes), jovem que sintetiza as arrebatadoras paixões e as
grandes fossas em que desabou o gigante de coração mole.
Entre segmentos emblemáticos do
filme, estão o rompimento do cantor com Roberto Carlos (veja na página 6) e o
consumo industrial que Tim fazia de drogas e álcool. A risível caracterização
de Roberto pelo ator George Sauma, aliás, é um ponto dissonante na caprichada
reconstituição de época que relembra em alto volume a genialidade musical de
Tim, impressa nos muitos sucessos enfileirados no início da carreira.
– É uma obra de ficção, mas nada
do que está no filme saiu da minha cabeça. Esse episódio com o Roberto está
inclusive no livro que o Roberto proibiu – destaca Lima.
marcelo.perrone@zerohora.com.br
30 de outubro de 2014 |
N° 17968
LUCIANO ALABARSE
PACTOS DE CONVIVÊNCIA
O Pintassilgo, romance vencedor
do Pulitzer, demonstra porque Donna Tartt é a nova queridinha da crítica
americana. Denso e arrebatador, reforça a constatação: bons livros são a chave
do paraíso. Por isso, a informação do Panorama Setorial da Cultura brasileira,
de que 42% dos brasileiros não consomem cultura regularmente, nunca leem, é
assustadora. Poderemos reverter essa realidade? Consumo cultural, sabemos,
passa por dinheiro no bolso. Mas não só. A pesquisa ressalta a falta de uma
política cultural consistente que atenda a nossas necessidades e diferenças.
Os Brasis, desde sempre, desafiam
seus gestores, e não há canetaço que esconda nossa indigência. A lei da
meia-entrada, por exemplo. É um tiro pela culatra. O preço do ingresso foi às
alturas, e essa lei tem tudo a ver.
Por que um produtor privado, sem
justa contrapartida, teria de arcar com a política pública de acessibilidade
cultural? Não tem. É uma imposição sem noção das reais dificuldades do setor.
Verbas públicas para projetos culturais, subsidiados ou não, não é favor. É
dever.
Dever, também, é arrumar a casa
depois das baixarias a que fomos submetidos durante a propaganda eleitoral.
Precisaremos de pactos de convivência para fazer o Brasil voltar ao normal. Ou
vamos fuzilar no paredão nossos adversários? Se não superarmos esse clima de
“bullying” partidário, perderemos todos. Vencidos e vencedores na eleição,
somos todos brasileiros. Ao invés de bater boca na internet e protagonizar
cenas de intolerância explícita, deveríamos agir e nos inspirar em gente como o
Borghettinho.
Ao injetar esperança no futuro de
crianças carentes, ele e sua Fábrica de Gaiteiros fazem o que nenhuma discussão
ideológica truculenta conseguiu ou conseguirá. Seja útil ao Brasil – como ele.
Defenda suas ideias, corra atrás dos seus sonhos, mas não haja como dono da
verdade. Eleição sem educação desmerece a democracia. Sensatez agora! Antes de
o verão chegar. Outubro ou nada.
30 de outubro de 2014 |
N° 17968
MÁRIO CORSO
GPS gaudério
Adoro novidades. Sabendo disso,
uns amigos que desenvolvem aplicativos me deram para testar o GPS gaudério.
Para quem ainda não sabe, GPS é um aparelho, parecido a um telefone celular, ou
instalado em um, que fornece a rota por onde passamos. Além da tela com o mapa,
ele fala avisando das manobras que temos que fazer para chegar a um objetivo.
O GPS gaudério é mais que um
aparelho e uma ajuda, é uma presença dentro do carro. A Gabriela, minha antiga
voz, era uma copilota chocha, tinha o entusiasmo de um tropeiro de lesma. Já o
Fagundes, como ele se apresenta, tem uma voz que me lembra o saudoso Noel
Guarany. Soa forte, decidido, é quase um comando onde deveria ser uma sugestão.
Afrouxa o trote, que tem pardal a
menos de légua – é ele falar e já vamos tirando o pé do acelerador. Para quem
não é do campo, ele pode soar rude. Esses tempos, fiz dois erros em sequência e
ele me saiu com: Vou ter que recalcular a rota de novo, animal! Para pra tomar
um mate. Tu tá dormindo? É duro, grosso, mas alerta o índio sonolento e evita o
pior.
Claro, eu programei uma fala para
homem, se programares o Fagundes para uma mulher dirigir é outra fineza. A
minha filha fez o mesmo e ele disse: Oh, guria! Assim vamos dá mais volta que
bolacha em boca de velho!
As vantagens são inúmeras, qual
outro aparelho que indica postos que têm água quente para reabastecer a
térmica? Não só aponta todas as churrascarias por onde passamos como até
palpita, às vezes um pouco preconceituosamente, é verdade, mas com argumento.
Exemplo: Esta diz que é churrascaria, mas serve pizza também, sei não...
Dentro da cidade é perfeito.
Apenas tem que se acostumar que ele toca o Hino Rio-Grandense quando passa na
frente do Laçador, do monumento ao Bento Goncalves e perto do Parque da
Harmonia. Às vezes, de inopino, num engarrafamento, declama uns versos do Jayme
Caetano Braun pra modo de não perdermos a paciência com as agruras duma
paisagem sem campo, sem verde, sem horizonte.
Sempre tem bons conselhos. Quando
sente que estamos muito rápidos, nos pergunta: Que apuro é esse, cuera? Esses
tempos, buzinei forte na frente de um hospital e ele me saiu com esta: Cem
cavalos no motor e um na direção!
O que teria que ser corrigido é
uma certa fixação por Uruguaiana. Cada manhã, eu ligo o carro e ouço: Tu estás
a 624 quilômetros de Uruguaiana. Parece que o destino primordial, o marco zero
no qual esse GPS se baseia, é o obelisco de Uruguaiana.
Esses dias, indo para Garopaba,
indiquei o nome da cidade e ele setou Uruguaiana. Corrigi, ele desconfigurou e
me remeteu de novo para Uruguaiana. Na terceira, desliguei o xiru. Sei a
estrada, era pelas dicas. Não é que, quando estou sobre a ponte do Mampituba, o
GPS se liga sozinho e me diz com voz preocupada: Tu tá saindo do país, tchê!
30 de outubro de 2014 |
N° 17968
PAULO SANT’ANA
História real portuguesa
De 12 em 12 anos, publico esta
coluna, que é com certeza a melhor coluna divulgada neste espaço desde que foi
criado, há 43 anos.
Cai-me nas mãos uma explicação de
um operário português a uma companhia seguradora, que estranhou a forma como
ele fora vítima de um acidente de trabalho, tendo a empresa em questão que
indenizá-lo pelos ferimentos generalizados que sofreu. Segundo a informação que
acompanha o texto, o caso é verídico e foi julgado pelo Tribunal de Justiça de
Cascais, Portugal, sendo a transcrição abaixo conseguida junto à companhia
seguradora. Recomendo que leiam com pausa e atenção a espetacular narrativa:
“Excelentíssimos senhores: sou
assentador de tijolos. No dia do acidente, estava a trabalhar sozinho no
telhado de um edifício novo de seis andares. Quando acabei o meu trabalho,
verifiquei que tinham sobrado 350 quilos de tijolos. Em vez de os levar à mão
para baixo, decidi colocá-los dentro de um barril, com a ajuda de uma roldana,
a qual, felizmente, estava fixada num dos lados do edifício, no sexto andar.
Desci e atei o barril com uma
corda, fui para o telhado, puxei o barril para cima e coloquei os tijolos
dentro. Voltei para baixo, desatei a corda e segurei-a com força, de modo que
os 350 quilos descessem devagar (note-se que meu peso era de 80 quilos). Devido
a minha surpresa, por ter saltado repentinamente do chão, perdi minha presença
de espírito e esqueci-me de largar a corda. É desnecessário dizer que fui içado
do chão a grande velocidade”.
Prossegue o operário português:
“Na proximidade do terceiro andar, eu bati no barril que vinha a descer. Isso
explica a fratura no crânio e a clavícula partida. Continuei a subir a uma
velocidade ligeiramente menor, não tendo parado até os nós dos dedos estarem
entalados na roldana. Felizmente, já tinha recuperado a minha presença de
espírito e consegui, apesar das dores, agarrar a corda. Mais ou menos ao mesmo
tempo, o barril com os tijolos caiu no chão e o fundo partiu-se. Sem os
tijolos, o barril pesava aproximadamente 25 quilos (note-se novamente que eu
tinha 80 quilos).
Como podem imaginar, eu comecei a
descer rapidamente. Próximo ao terceiro andar, encontro o barril, que vinha a
subir. Isso justifica a natureza dos tornozelos partidos e das lacerações nas
pernas, bem como na parte inferior do corpo. O encontro com o barril diminuiu a
minha descida o suficiente para minimizar os meus sofrimentos quando caí em
cima dos tijolos e só fraturei três vértebras.
Lamento, no entanto, informar
que, enquanto caído em cima dos tijolos, com dores, incapacitado de me levantar
e vendo o barril acima de mim, perdi novamente a presença de espírito e larguei
a corda. O barril pesava mais do que a corda e, então, desceu e caiu em cima de
mim, partindo-me as duas pernas. Espero ter dado a informação solicitada do
modo como ocorreu o acidente”.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
29 de outubro de 2014 | N° 17967
MARTHA MEDEIROS
A tal correria dos dias
O que é luxo para você? Já houve quem
respondesse: uma bolsa Prada, um vinho Romanée-Conti, a suíte do Hotel Hermitage
em Montecarlo. Aí ostentar passou a ser brega, e as respostas mudaram: levar
meus filhos à escola, almoçar em casa todos os dias, encontrar os amigos uma
vez por semana. Tocante, mas familiar demais. Até que se optou por algo mais
contemporâneo: luxo é ter tempo. É o que 10 entre 10 entrevistados respondem
hoje.
Quem ousaria discordar? Luxo, de fato, é ter
tempo. Ainda mais nestes dias turbulentos, em que se corre de um lado para o
outro vivendo contra o relógio. Estão todos megaocupados, não estão?
É o que se diz. Você tem que renovar a carteira
de habilitação, tem que cortar o cabelo, tem que visitar um cliente, tem que
levar a bicicleta para o conserto, ir à farmácia, ao dentista, à aula de
pilates, à terapia, esperar o eletricista, levar o cão para passear, mandar um
sedex e ainda utilizar oito das 24 horas do dia trabalhando. Aliás, seu dia
ainda tem 24 horas? Parabéns. Eu devo ter bobeado, pois afanaram umas cinco
horas do meu.
Resultado: você não tem mais tempo para nada. E
isso é uma constatação tão irrefutável, tão crível, tão corriqueira, que os
outros não questionam, aliviando você da culpa que sente por estar sempre
alegando falta de tempo quando, muitas vezes, a falta é de interesse.
Dar uma carona para sua tia tagarela até a
rodoviária numa sexta-feira chuvosa às sete da noite? Você adoraria, mas está
entrando numa reunião.
O filho do seu vizinho vai estrear como DJ de
um bar no outro lado da cidade? Você adoraria, mas está entrando numa reunião.
Churrasco do pessoal da empresa no domingo, num
sítio a 170 quilômetros de distância, sem sinal de internet, tendo que levar a
própria bebida? Você adoraria, mas está entrando numa reunião. De condomínio,
sério!
Marcaram reunião de condomínio para
quarta-feira? Você adoraria, mas às quartas sempre fica doente.
Adiaram para quinta? Você acaba de baixar
hospital.
Você não tem tempo para nada que não queira
fazer, e ninguém o acusa de antipático porque estão todos na mesma situação,
sem “tempo” para aquilo que antes nã tinha escapatóia, mas que atualmente tem,
graças à abençada agenda lotada. Luxo mesmo é viver numa era tã esquizoide, que
te concede a desculpa perfeita para estar em outro lugar.
Mas de mim você não escapa. No próximo sábado,
dia 1º à 16h, autografarei as antologias Paixão Crônica, Felicidade Crônica e
Liberdade Crônica na Feira do Livro de Porto Alegre. Nem pense em alegar falta
de tempo. Arranje uma desculpa mais original ou então vá. Estou contando com
você.
29 de outubro de 2014 | N° 17967
ARTIGOS - ELIS RADMAN*
ELEIÇÃO DE SARTORI: O SINTOMA DE UM
COMPORTAMENTO
Desde as manifestações de junho de 2013, as
pesquisas realizadas pelo IPO – Instituto Pesquisas de Opinião detectavam que o
descrédito do eleitor gaúcho estava exacerbado em relação à política e aos
políticos. O eleitor argumentava que não estava exigindo “qualidade dos
serviços públicos”.
Ansiava pelo básico, “que os serviços apenas
funcionassem”, que o governante “fizesse aquilo que precisava ser feito”. Para
alguns, um raciocínio simplista, mas, para a grande parcela do eleitorado, a
“tese da esperança”. A esperança que substituiu o pedido de mudança sustentava
a premissa de que o posto de saúde e a escola funcionassem. Que o policial
estivesse na rua e que a rodovia fosse segura.
A priori, o eleitor deposita a esperança em Ana
Amélia, uma intenção de voto aliada ao receio de que a candidata “não dê conta
de fazer o que precisa ser feito”. A campanha de Sartori trabalha,
simultaneamente, dois conceitos: “o do político” e “o da política”. Mostra os
atributos do candidato e sua capacidade de gestão e conclama o eleitor para
união com a tese do “Meu partido é o Rio Grande”. Os testes deste conceito em
maio mostravam 28% de aceitação, e em setembro alcançou um patamar de 65% de
aprovação.
A campanha entra no “cerne da questão”, nos
anseios e demandas dos eleitores. Apresenta um político que diz que “faz sem
prometer”, um político que para o eleitor é “gente como a gente”. O eleitor tem
a percepção de que Sartori “entende a prioridade”, entende das “pequenas
grandes coisas”.
Com uma campanha alinhada ao comportamento e às
demandas da maior parte da população, Sartori ganha “salvo-conduto” dos
eleitores. Pode se permitir “fazer brincadeiras fora de contexto” ou até mesmo
não apresentar propostas. Toda vez que Tarso Genro afirmava que “fazer os
serviços públicos funcionarem não era uma proposta”, automaticamente renovava
ou ampliava a rejeição do eleitor, que avaliava seus serviços como “regular” e
tinha a percepção crítica em relação a sua gestão.
Diante desse contexto, o destino do voto em
Sartori foi uma resposta a uma campanha alinhada com os anseios da população,
que esperava um candidato que se comprometesse em “fazer aquilo que precisa ser
feito”, ou seja, em fazer os “serviços públicos funcionarem”. Este é o desafio
posto pelo eleitor e o tema de casa do próximo governo!
*MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA (UFRGS),
DIRETORA DO IPO – INSTITUTO PESQUISAS DE OPINIÃO
29 de outubro de 2014 | N° 17967
PEDRO GONZAGA
DESDE A TORRE
É de Quevedo uma das imagens poéticas que
seguidamente me retorna, em especial naqueles momentos em que a agressividade
do mundo parece impor um recuo do campo aberto, quando o cerco se fecha, feito
um exército inimigo. Resguardado em sua torre, o grande poeta do Século de Ouro
espanhol se fazia acompanhar apenas de seus livros. Nesse retiro, ele
permanecia “em diálogo com os defuntos”, a escutar com os olhos aos mortos.
Me agrada a imagem dessa silenciosa
comunicação, este “ao sonho da vida falar acordados”. Há prazer maior para um
leitor do que estar numa poltrona envolto por sua tácita corte? Ali os
ministros ingleses, mais acima os conselheiros alemães, os enviados americanos,
os vizires orientais, os poetas brasileiros. “Pedro, você aí lendo enquanto Roma
arde”, dizia um professor que me acusava de alienação. Do alto de sua torre.
Montaigne quase morreu à altura dos 37 anos
quando um de seus homens trombou em seu cavalo, lançando-o ao chão. A
experiência o levou à conclusão de que já fizera sua parte como homem público,
dali seguindo para um isolamento, fundamental para a escritura de seus Ensaios.
Nas vigas de madeira do teto da pequena peça onde trabalhava, anotava suas
frases preferidas, extraídas de suas longas e quevedianas conversas com os
finados.
Coberto apenas por um teto branco, eu me agarro
a meus postites, tentando escutar os sussurros dos livros enquanto soam os
veículos ao fim da tarde. Julgo ouvir Drummond. Apuro o ouvido. Sim, o Dia D
chegando, 31 de outubro, seu nascimento, nossa lírica Normandia. Outro homem da
torre, de poucas, raras entrevistas.
Na última que concedeu, a Geneton Moraes Neto,
disse não ser um poeta popular, de versos populares. Sossegue, Carlos, ao menos
aqui na torre número 404, seus versos ecoam quase diariamente entre os milhares
de menestréis. E como um médium que psicografa uma nova mensagem, encho de
rabiscos o papelzinho amarelo e pegajoso e o colo na parede:
“Pouco importa venha a velhice, que é a
velhice?/ Teus ombros suportam o mundo/ e ele não pesa mais que a mão de uma
criança”.
29 de outubro de 2014 | N° 17967
PAULO SANT’ANA
A casca de banana
Vou contar uma piada que já contei muitas vezes
aqui, só que agora traçarei logo a seguir uma sinopse.
Um português vinha caminhando sobre a calçada
quando, a 20 metros a sua frente, viu uma casca de banana no chão.
O português disse: “Ih, outro tombo!”.
1) Como se nota no relato acima, o português
sabia que ia escorregar na casca de banana pelo seguinte fato objetivo: sempre
que havia uma casca de banana sobre a calçada, o português escorregava nela.
2) Era muito grande o azar do português. Não ia
ser daquela vez, em que ele tinha avistado a casca de banana de longe, que iria
escapar do escorregão.
3) Parecia ao português uma fatalidade: toda
vez que alguém escorregava em uma casca de banana, ao que soubesse, quem
escorregava era um português.
4) O português, por um estranho desígnio de sua
inteligência, intuía que, se existe uma casca de banana na calçada, ela existe
para que o português escorregue nela.
5) Todas as coisas que existem em cima de uma
calçada, desde o corrimão de apoio até a lata de lixo, têm uma utilidade. Logo,
a única propriedade de uma casca de banana esparramada na calçada é para que
alguém escorregue. E, como já se viu para o nosso português em questão, só
podia ser um português que escorregasse.
6) Está bem, pensou o português, não só os
portugueses escorregam em cascas de banana, todos os nacionais assim o fazem.
Mas não era o caso daquela casca de banana, as outras todas eram escorregadas
pelos primeiros que passavam pelas cascas de banana nas calçadas. Só que o
português avistou aquela casca de banana e seria o primeiro a passar por ela.
Então, por uma questão lógica, o português teria que obrigatoriamente
escorregar naquela casca de banana, era uma determinação do destino.
O português pensava também que em toda a sua
vida já escorregara 57 vezes em cascas de banana. E pensou mais ainda: não ia
ser desta vez que ia deixar de escorregar naquela casca de banana só porque a
avistara com antecedência.
Era bater e valer.
terça-feira, 28 de outubro de 2014
28
de outubro de 2014 | N° 17966
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Anão de jardim é o protetor do
casamento
Ela
me perguntou, séria e angustiada, o que tinha errado na relação. Acabara de se
separar depois de cinco anos de relacionamento.
Eu
pensei, pensei, pensei até que afirmei que sabia o motivo.
– O
quê? – ela me perguntou, muito ansiosa.
–
Lembra quando você ficou em dúvida na floricultura entre comprar um anão de
jardim e um flamingo para seu pátio?
–
Lembro. – Você levou o flamingo, o flamingo voa! Foi uma escolha errada.
–
Está de brincadeira! Não, não estava brincando. Os casais que compram um anão
de jardim dificilmente se separam.
Terão
uma resistência em desfazer a família, em provocar o divórcio, em se desligar
um do outro. Realizam uma homenagem à casa da avó, aos tempos imemoriais, em
que se casava uma vez para sempre. São apegados ao que é construído, adquirido
ao longo da convivência, em preservar o patrimônio afetivo.
Assim
como há placa advertindo da presença de cachorro perigoso no portão, o anão é
um aviso da longevidade e do pacto amoroso. Os infiéis e adúlteros devem manter
distância e passar longe.
Seus
moradores são caseiros, dedicados, persistentes. Ao encontrar espaço para o
anão, dispõem de terreno para cultivar a solidão de cada um e acolher filhos e
netos.
O
anão sacramenta o sonho de morar num lugar tranquilo para envelhecer com
alguém, tomar chimarrão na varanda e regar as flores ao final do dia.
Comprar
um anão de jardim é pôr uma pedra no futuro. É acreditar na proteção dos
santos, na superstição, na fé das plantas, nos contos de fada dos irmãos Grimm.
A
esposa será a Branca de Neve, o marido será o príncipe, eis a crença secreta de
quem põe um anão no jardim, mesmo sob o disfarce da zombaria ou do ceticismo. É
reavivar a vitória do beijo apaixonado sobre o sono da maçã envenenada.
Não
é fundamental possuir toda a trupe, formada por Mestre, Dengoso, Atchim, Feliz,
Dunga, Soneca e Zangado. Um de seus integrantes já assegura o benefício
romântico.
Se
Santo Antônio salva os encalhados, os anões recuperam os casados. O anão é
fiador emocional de uma linhagem longa, da descendência farta, da superação das
diferenças.
É
como contar com um guarda noturno vitalício nos canteiros, um serviço de
vigilância durante 24 horas. Não há nenhuma estatística que prove minha crença,
é fruto da observação.
Nenhum
casal que conheço desfez sua união após adquirir um anão de jardim. Nos
casamentos mais longos que já testemunhei, casualmente seus moradores tinham as
pequenas estátuas na entrada dos seus endereços.
Sady
e Heidi viveram 60 anos num casarão verde no centro de São Leopoldo, ornado de
anões e bromélias. Frederico e Natália completaram bodas de ouro numa
construção forrada de heras no bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre,
escoltados por três anões de jardim e oliveiras.
Só
não ponha o anão de jardim dentro de casa, que traz o efeito contrário e ele provoca
o divórcio e o barraco.
28
de outubro de 2014 | N° 17966
ELEIÇÕES
2014 A ORIENTAÇÃO
DO PLANALTO
ABRAM LOGO DETALHES DA
INVESTIGAÇÃO
UM
DOS COORDENADORES DA CAMPANHA de Dilma Rousseff, Miguel Rossetto domina com a
propriedade de um futuro ministro influente nas decisões políticas as ações do
segundo mandato da presidente reeleita. Também assegura que o governo manterá o
compromisso de reduzir a correção da dívida dos Estados, um alívio para o RS
Com
caneta e papel em mãos, acomodado em sua sala no comitê de campanha em
Brasília, Miguel Rossetto recorda e rabisca com exatidão palavras do discurso
de Dilma Rousseff como presidente reeleita, proferido no domingo. E mostra
igual domínio sobre o planejamento do segundo mandato.
Ex-ministro
do Desenvolvimento Agrário e um dos coordenadores da campanha, o gaúcho deve
compor, ao lado de Aloizio Mercadante e de Jaques Wagner, o núcleo central da
nova Esplanada. A prova está nas respostas rápidas e firmes sobre as próximas
ações do Planalto, como o futuro do projeto que muda o indexador da dívida dos
Estados, previsto para ser votado em novembro no Senado.
–
Cumpra-se o acordo nos termos já negociados – disse Rossetto.
Questionado
se o governo não voltaria atrás outra vez, como ocorreu antes do período
eleitoral em nome da responsabilidade fiscal, retruca:
–
Não tem novidade. Vou até ligar para o Guido (Mantega, ministro da Fazenda)...
Rossetto
fala com a segurança de alguém que detém a confiança de Dilma, de quem não
desgrudou nas últimas semanas. No domingo, era um dos poucos ministros que
aguardaram ao lado da presidente, na biblioteca do Palácio da Alvorada, a
divulgação do resultado da eleição mais apertada da História. Às 20h, vibrou
com a vantagem, ainda que justa, e logo mirou nas apurações regionais. Com
Sudeste, Sul e Centro-Oeste perto do fim, ainda faltavam Norte e Nordeste. Saiu
a comemorar e a abraçar colegas:
–
Foi uma vitória extraordinária e histórica, em uma eleição altamente polarizada
e politizada.
Líder
histórico do PT gaúcho, político acostumado ao enfrentamento, Rossetto foi
requisitado pela própria presidente para o grupo central da campanha. Quando
Marina Silva ascendia nas pesquisas, ele deixou a Esplanada e só respirou
corrida eleitoral. Apoiou a polarização com a ambientalista e, depois, com
Aécio Neves (PSDB), fazendo questão de marcar no debate as diferenças dos
modelos de gestão tucano e petista.
– O
povo entendeu a mudança como a preservação do que vem sendo feito – diz.
O
ex-ministro discorda das críticas sobre o nível da discussão. Pelo contrário,
assegura que o Brasil “iluminou a democracia mundial”, com uma discussão viva,
que tratou de temas complexos sobre economia e sobre crescimento do país.
– O
Banco Central foi parar na mesa do bar. E isso é ótimo.
DIVISÃO
DA SOCIEDADE SERÁ CONTORNADA COM DIÁLOGO
Sem
comentar seu futuro, Rossetto é otimista em relação ao futuro do segundo
mandato de Dilma. Diz acreditar que a polarização da cruzada presidencial,
verificada na curta diferença da votação em relação ao adversário, perderá
força. Em fevereiro de 2015, quando novos deputados e senadores tomarem posse,
aposta que o clima será mais “sereno”:
– A
eleição acabou. Ponto. A sociedade continuará dividida, como ocorre em uma
democracia. Temos de contornar a divisão com diálogo.
A
dificuldade para negociar e manter a base em um Congresso composto por 28
partidos fará o Planalto reforçar a articulação política, com papel fundamental
para o PMDB. Garantir um governista na presidência da Câmara está nos planos.
Rossetto espera que seja mantido o acordo de assegurar o cargo para o partido
com maior bancada na Casa, no caso, o PT.
Diante
desse cenário, o ex-ministro prevê quatro anos mais estáveis e eficientes do
que os anteriores, mantendo a obsessão de cumprir cronogramas e realizar a
reforma política. Avaliza a crença em uma característica que admira na
presidente da República e que ele também gosta de exercitar: a determinação.
– A
Dilma é uma leoa.
28
de outubro de 2014 | N° 17966
LUIZ
PAULO VASCONCELLOS
IDEOLOGIA E POLÍTICA
Quando
você estiver lendo esta coluna, já saberemos quem é o presidente da República e
o governador do Estado. Hoje, enquanto escrevo, ainda não sei. Mas sei que
neste nosso pobre e amado país, a política acabou. Desandou. Foi pro brejo.
Varrida pra debaixo do tapete. Por quê? Porque não pode existir política sem
haver ideologia e as ideologias foram por água abaixo, superadas pela
“governabilidade”, ou seja, pela arte de dar um jeitinho para não perder o
poder. E dar um jeitinho, sabemos todos, é a arte na qual o brasileiro é
mestre.
Querem
um exemplo? Será que são necessários mais de 30 partidos políticos? Será que
existem mais de 30 diferentes propostas ideológicas? Porque a existência de um
partido se justifica na medida em que existe uma ideologia que o sustente. Não
havendo, não é um partido. Nem mesmo uma facção. “Muita saúva e pouca saúde os
males do Brasil são”, como escreveu o genial Mário de Andrade no seu romance
Macunaíma.
O
Aurélio define “política” como sendo o “sistema de regras respeitantes à
direção dos negócios públicos”. E “ideologia” como sendo a “ciência da formação
das ideias, pensamento teórico que pretende desenvolver seus próprios
princípios”. Portanto, podemos concluir que, sem um pensamento teórico, não há
como existir um sistema de regras, e, sem um sistema de regras, não há como
existir uma práxis, um método, uma ação.
Segundo
o ator e poeta Raul Machado, por sua vez inspirado no filósofo francês Paul
Ricoeur, a ideologia é o que fundamenta uma visão de mundo compartilhada por um
grupo social, apoiando uma ordem política, econômica e cultural.
Não
havendo ideologia – ou melhor, havendo mais de 30 ideologias, que é o mesmo que
não haver nenhuma, só resta a politicagem, a pilantragem, a corrupção e, pior
do que tudo isso, a impunidade. Do que, aliás, estamos bem servidos. Basta ler
ou assistir aos jornais diários. Basta agradecer às delações premiadas e
concordar que o governo pague mensalmente o auxílio-reclusão e o
auxílio-moradia. Mas que país é esse?!
28
de outubro de 2014 | N° 17966
MOISÉS
MENDES
O gringo
Mantega
Pretendia
escrever sobre os ataques aos nordestinos. Eles escaparam dos holandeses, ainda
tentam escapar dos coronéis, da seca e dos racistas em geral. Agora, têm que se
livrar dos reacionários do Sul. Que sina.
As
avós dos agressores deveriam chamá-los para uma conversa. Para falar dos
ancestrais, das dificuldades que passaram, por que vieram parar aqui
(geralmente porque não tinham nem onde morrer) e por que nenhum de seus
descendentes deveria discriminar ninguém.
Não
seria uma lição de História, mas uma singela aula de dignidade. Mas aí também
não se sabe se seria ouvida ou entendida. Como disse seu Mércio, o guardinha
aqui da Zona Sul: nessa eleição, eu vi nas redes sociais muita briga por pedaço
de pau como se fosse osso.
Não
vou escrever sobre a retomada do massacre contra os nordestinos, porque estaria
jogando mais osso no pátio das redes sociais. Vou escrever sobre Guido Mantega,
o imigrante italiano que contribuiu para a redução das desigualdades no Brasil.
A
família de Mantega veio de navio para cá em 1951. Ele tinha três anos e meio. O
pai, Giuseppe, fazia móveis em Gênova. Queria prosperar em São Paulo e
prosperou. O filho deveria cuidar da fábrica depois de formado em Economia, mas
decidiu estudar mais e ser militante político.
Mantega
foi o formulador dos primeiros programas do PT. Esteve ao lado de Lula em todas
as derrotas e finalmente virou ministro em 2006, mas só porque Palocci caiu.
Hoje, você olha para o ministro e pensa: ele e Patrícia Poeta estão com os dias
contados.
Mantega
deixará a Fazenda no segundo governo Dilma. Mas Mantega continua lá (assim como
já avisaram que Patrícia não será mais a parceira de Bonner no JN, e a moça
está ali, bela, altiva, cumprindo sua missão até o fim).
A
revista britânica The Economist, bíblia do liberalismo econômico, pediu há dois
anos a cabeça de Mantega. Algozes e vozes do mercado pedem a cabeça dele todos
os dias, e com agressividade.
Mantega
deu lógica ao projeto lulista de fazer crescer renda, emprego e consumo pela
criação de um vigoroso mercado interno. Os pobres brasileiros passaram a
comprar carro e a viajar de avião.
Mas
a economia parou de crescer. Os incomodados com os pobres que invadem
aeroportos e shoppings (e agora ainda podem virar doutores) tiveram então o
pretexto da estagnação.
Mantega
vai cair, depois de oito anos. Sua cabeça pode acalmar o mercado. Quando já
sabia que seria demitido, no meio do tiroteio da eleição, o ministro teve o
desprendimento de aceitar um debate ao vivo na Globo News com o candidato a
ministro da Fazenda tucano Armínio Fraga.
Como
um debate como aquele poderia ser bom para ele e para o governo? Pois Mantega
foi debater com Armínio, apenas pretendente ao posto que não seria mais dele. E
uma semana antes da eleição, em defesa da moeda, avisou ao mercado que todos os
que conspirassem contra o real se dariam mal.
Nunca
vi, nunca entrevistei, nunca passei perto de um lugar em que estivesse Guido
Mantega. Mas me convenci de que desempenhou sua missão como ministro com
integridade.
Dizem
que pode ser embaixador na Itália, para onde voltaria 50 anos depois da viagem
de navio para o Brasil. Pela trajetória, porque é odiado pelo mercado e por
tudo o que fez para contrariar os interesses de quem se esbaldava com os juros
altos, às custas de todos nós, certamente não irá para o setor financeiro –
como acontecia nos velhos tempos.
Que
seja um grande embaixador. O gringo Guido Mantega me representa.
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
ELIO GASPARI
Um mandato inédito
Em 2002,
na versão 1.0, Romanée-Conti; em 2014, na 2.0, a suíte do Copa, com direito a
mordomo
Os
eleitores deram ao PT um mandato inédito na história nacional. Um mesmo partido
ficará no poder nacional por 16 anos sucessivos. A doutora Dilma reelegeu-se
num cenário de dificuldades econômicas e políticas igualmente inéditas. Lula
recebeu de Fernando Henrique Cardoso um país onde se restabelecera o valor da
moeda. Ela recebe dela mesma uma economia travada. Tendo percebido o tamanho da
encrenca, em setembro anunciou a substituição do ministro Guido Mantega. Por
quem, não disse. Para quê, muito menos.
A
dificuldade política será maior. As petrorroubalheiras devolveram o PT ao
pesadelo do mensalão. Em 2005 o comissariado blindou-se e desde então fabrica
teorias mistificadoras, como a do caixa dois, ou propostas diversionistas como
a da necessidade de uma reforma política. Pode-se precisar de todas as reformas
do mundo, mas o que resolve mesmo é a remessa dos ladrões para a cadeia. O
Supremo Tribunal Federal deu esse passo, formando a bancada da Papuda. Foi a
presença de Marcos Valério na prisão que levou o "amigo Paulinho" a
preferir a colaboração à omertà mafiosa.
Dilma
teve uma atitude dissonante em relação às condenações do mensalão. Protegeu-se
sob o manto do respeito constitucional às decisões do Judiciário. No debate da
TV Globo, quando Aécio Neves perguntou-lhe se achou "adequada" e pena
imposta ao comissário José Dirceu, tergiversou. Poderia ter seguido na mesma
linha: a decisão da Justiça não deve ser discutida. Emitiu um péssimo sinal
para quem sabe que as petrorroubalheiras tomarão conta da agenda política por
muito tempo.
Será
muito difícil, e sobretudo arriscado, tentar jogar o que vem por aí para baixo
do tapete. Ou a doutora parte para a faxina, cortando na carne, ou seu governo
vai se transformar num amestrador de pulgas, de crise em crise, de vazamento em
vazamento, até desembocar nas inevitáveis condenações.
O
comissariado acreditou na mágica e tolerou o contubérnio do PT com o PP
paranaense do deputado José Janene. A proteção dada aos mensaleiros amparou o
doutor e ele patrocinou a indicação do "amigo Paulinho" para uma diretoria
da Petrobras. Ligando-se ao operador Alberto Youssef, herdeiro dos contatos de
Janene depois que ele morreu, juntaram-se aos petropetistas e a grandes
empresas. O resultado está aí.
Em 2002,
depois do debate da TV Globo, Lula foi para um restaurante do Rio e comemorou
seu desempenho tomando de uma garrafa de vinho Romanée-Conti que custava R$ 9.600.
A conta ficou para Duda Mendonça, o marqueteiro da ocasião. Quem achou a cena
esquisita pareceu um elitista que não queria dar a um ex-metalúrgico emergente
o direito de tomar vinho caro. Duda confessou que fazia suas mágicas com o
ervanário do mensalão.
Passaram-se
doze anos e os repórteres Cleo Guimarães e Marco Grillo mostraram que, na
semana passada, Lula esteve em São Gonçalo, onde disse que "a elite
brasileira não queria que pobre estudasse". Seguiu da Baixada Fluminense
para a avenida Atlântica e hospedou-se no Copacabana Palace, subindo para a suíte
601, de 300 metros
quadrados , com direito a mordomo. Outros sete
apartamentos estavam reservados para sua comitiva.
ELEIÇÕES
2014 - VINICIUS TORRES FREIRE - COLUNISTA DA FOLHA
Pressão na economia
Reeleita,
Dilma tem o desafio de vencer descrédito de investidores para ampliar
investimento em meio a um cenário internacional ainda nebuloso
A
presidente reeleita, Dilma Rousseff, não deu indicação explícita de como vai
conduzir a economia. Por meio das críticas extremas que fez a seus adversários
durante a campanha, pareceu indicar de modo implícito que não pretende fazer
mudança alguma. Mas a pressão por novidades parte mesmo do entorno da
presidente.
A
pressão parte de Lula. De economistas próximos do petismo ou ex-integrantes de
governos petistas. A presidente terá dificuldade de nomear uma equipe econômica
com credibilidade e que aceite continuar o programa dilmiano nos mesmos termos
de 2011-2014. O que resultará da resistência de Dilma e dessas pressões é mistério
até para quem trabalhou na equipe econômica do primeiro mandato.
A
presidente muito se queixou dos efeitos da crise mundial sobre a economia em
seu governo. As melhorias previstas para os próximos anos não favorecerão o
Brasil no estado em que está. Sem mudanças domésticas, haverá o risco de correção
abrupta.
As
mudanças de curto prazo, aquelas necessárias só para estabilizar a economia em
crescimento de baixo a moderado, envolvem a contenção provisória da alta do
consumo. O instrumento será alguma combinação de redução de gasto público,
aumento de impostos e alta de juros.
O
peso do "ajuste" pode ser distribuído de modo socialmente mais ou
menos justo. Mas implica contenção do consumo, de salários. Não é preciso
talhar gastos de programas sociais. Mas, por um tempo, eles terão de crescer
mais devagar ou quase nada.
CRISE
MUNDIAL
A
economia global deve andar mais rápido nos próximos cinco anos. Ainda assim, há
risco de a transição para dias melhores ser acidentada. E o crescimento estará longe
do ritmo anterior à crise de 2008; o balanço dos motores da economia mundial
será diferente, pois os grandes "emergentes" crescerão mais devagar,
como a China.
O
andar da carruagem global não determina o ritmo do Brasil, embora o influencie.
A influência será tanto mais nociva quanto mais a economia permanecer "frágil".
Ainda que ventos não sejam muito contrários, sem mudança o país terá dificuldade
de sair da quase-estagnação.
A
fim de se fortalecer, o país terá de passar por uma transição, voluntária e
organizada, ou turbulenta imposta pelo "mercado". "Mercado"
significa apenas os credores do governo e do país.
O
crescimento menos rápido de "emergentes" tende a reduzir os preços de
nossas exportações (de ferro, comida etc.). Caso o crescimento americano se
firme e Europa e Japão não desandem, haverá mudança na política monetária
internacional. Ou seja, haverá menos capital barato sobrando no mundo.
A
baixa relativa do preço das mercadorias que vendemos e o crédito mais escasso
tendem a evidenciar mais um sintoma de nossos problemas: excesso de consumo.
O
Brasil consome mais que produz. Compra no exterior esses bens e serviços que
faltam. Isto é, tem deficit em conta-corrente. Para financiá-lo, precisa de
empréstimos e/ou investimentos do exterior, "em dólar". Dentro de
certos limites e se a economia cresce bem, o deficit é financiável de modo
tranquilo.
Em
meados de 2005, o Brasil tinha um raro superavit em conta-corrente, de 1,9% do
PIB. Em setembro passado, o deficit chegou a 3,7% do PIB. Uma brutal inversão
de 5,6% do PIB.
FRAGILIZAÇÃO
O país
ainda financia com certa tranquilidade o deficit, que, em outros tempos,
prenunciaria crise (seca de crédito, desvalorização da moeda, recessão, visita
ao FMI). Não foi assim agora porque a economia tem estado mais arrumada: dívida
pública ainda controlada, grandes reservas internacionais (dinheiro no caixa "em
dólar").
Mas
a economia se desarranjou aos poucos nos últimos cinco anos. Passou a crescer
quase nada (quem não cresce não tem como pagar dívidas).
O país
não cresce porque a produtividade não aumenta, porque há pouco investimento e
porque o país agrega agora menos gente a sua força de trabalho. O investimento
privado caiu; o governo gastou mais, mas não investiu mais em "obras".
O consumo cresceu ainda bem, embora em velocidade decrescente; a produção
estagnou.
Em
parte, o crescimento do consumo foi bancado por excesso de gasto do governo (mais
dívida, via gasto direto ou redução de impostos) e por meio de crédito
artificialmente barato dos grandes públicos. Tais excessos se evidenciam em
deficit externo e inflação persistente.
O
novo cenário mundial pode dificultar o financiamento do deficit externo. O
Brasil enfrentará tal situação com menos instrumentos de reação: se não pode
baixar juros (dada a inflação), o governo não tem como gastar mais. De resto, o
governo sofre de descrédito por maquiar os números das contas públicas, fazer
pouco-caso de reformas e intervir de modo contraproducente na economia.
Em
caso de descrédito agudo, o "ajuste" será imposto pela indisposição
dos credores de financiar tais desequilíbrios: a moeda vai se desvalorizar, a
inflação será mais pressionada, o juro subirá, os salários reais cairão. A
alternativa ao ajuste voluntário é permanecer na quase-estagnação (crescer até 2%
ao ano), à espera de uma arrumação de casa imposta de fora, caótica e perigosa.
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