terça-feira, 31 de dezembro de 2019


31 DE DEZEMBRO DE 2019
TICIANO OSÓRIO

Qual é a graça em chamar alguém de bicha?



Eles me chamavam de fruta-pão. Variação de frutinha, um dos tantos nomes pejorativos para se referir aos homossexuais. Não importava que eu não fosse: alguma coisa em mim me tornava alvo da zombaria de alguns colegas do Ensino Médio. Vai ver era porque, aos 15, 16 anos, eu ainda não havia beijado uma guria, ou porque eu e um amigo tínhamos colocado brinco (em 1989, garotos com orelha furada não eram tão comuns quanto hoje). No fundo, não era ser chamado de fruta-pão o que me machucava, mas saber que me chamavam assim porque queriam me machucar.

Essa é uma das táticas para agredir alguém sem sujar as mãos: a molecada aprende desde cedo a xingar o juiz do futebol e o goleiro de "viado", a condenar a "frescura", a ver o choro como coisa de "marica", a definir a covardia como "bichice".

Como se não fosse um ato de coragem ser homossexual em um país tão homofóbico.

Segundo o Grupo Gay da Bahia, a cada 23 horas uma pessoa LGBT+ é assassinada por causa de sua sexualidade ou comete suicídio. Há quem duvide das estatísticas, acusando-as de infladas pelo ativismo, e a própria entidade reconhece que, sem dados oficiais, se baseia em noticiários e redes sociais, o que pode gerar tanto subnotificação quanto erros de interpretação.

Mas não há dúvida de que os gêmeos baianos José Leonardo e José Leandro foram espancados por oito homens, em junho de 2012, apenas por estarem voltando abraçados de um show - foram "confundidos" com gays. Leonardo morreu.

Não há dúvida de que o ambulante Luiz Carlos Ruas foi agredido até a morte por dois rapazes no metrô de São Paulo, no Natal de 2016, apenas por sair em defesa de duas travestis.

Não há dúvida de que o adolescente Itaberli Lozano foi morto a facadas e teve o corpo queimado porque sua mãe (condenada em novembro) não aceitava o fato de ele ser gay.

Essa violência contrasta com vários avanços na sociedade, como a criminalização da homofobia e da transfobia pelo STF, as políticas de inclusão e diversidade sexual nas empresas, a naturalização do beijo gay em novelas. Mas um anacronismo perdura: o humor retrógrado circula mesmo entre ditos progressistas.

Uma das bandeiras que a esquerda ergue mais do que a direita é a da igualdade de gêneros e do combate à homofobia, mas não são poucos os esquerdistas que fazem piadas preconceituosas. A rejeição parece ser seletiva: condenam se o alvo for Jean Wyllys, ex-deputado federal pelo PSOL-RJ, mas apertam o botão de compartilhar se for uma insinuação contra Carlos Bolsonaro, vereador licenciado do PSC-RJ. Até Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência em 2018, fez troça. Em abril, durante discussão no Twitter com Carlos, perguntou: "Priminho tá bem?". Agora no final de dezembro, na cola das denúncias de que o deputado estadual Flávio Bolsonaro coagia servidores a devolver parte do salário (a chamada "rachadinha"), surgiram chistes impublicáveis sobre a sexualidade de Carlos.

Mesmo que alguém "justifique" dizendo que o objetivo é expor a suposta hipocrisia dos Bolsonaro - o presidente Jair já afirmou que "seria incapaz de amar um filho homossexual", e o próprio Carlos dispara contra pautas LGBT+ -, ser ou não ser gay e tornar isso público são questões que só dizem respeito a ele. As insinuações existem para diminuí-lo como político e como pessoa, como se homossexualidade fosse algo errado, algo do que se envergonhar. Até quando a forma de atacar ou ridicularizar um homem será pintando-o como gay? Piada homofóbica não deixa de ser homofóbica por causa do alvo. A rejeição a piadas homofóbicas parece ser seletiva

* David Coimbra retorna no dia 3 de janeiro - TICIANO OSÓRIO - INTERINO

31 DE DEZEMBRO DE 2019
OPINIÃO DA RBS

O ALVORECER DA NOVA DÉCADA

Inspirado pelo simbolismo da chegada de uma nova década, o Brasil precisa finalmente despertar e, mais importante ainda, agir desde já para não ter um novo decênio desperdiçado. Na era do conhecimento, o ritmo das transformações tecnológicas é cada vez mais frenético e, nesta corrida, enquanto o país vacila, outras nações aceleram o passo por meio da educação.

O Brasil encerra o período 2010-2019 com o menor crescimento médio da economia em 120 décadas, desde que iniciaram as estatísticas oficiais. O desemprego de hoje é superior ao de 10 anos atrás. A produtividade da mão de obra, as taxas de desigualdade, a renda per capita e vários outros indicadores socioeconômicos estão estagnados. A mesma inércia é verificada na qualidade do ensino brasileiro, como mostrou o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), comparação entre 79 países em que nossos alunos de 15 anos aparecem, em matemática, leitura e ciências, sempre entre os 20 piores. O IBGE nos lembrou ainda, neste ano, que metade da população com 25 anos ou mais não concluiu o Ensino Médio e um terço sequer terminou o Fundamental. Eis uma boa parte da explicação da tragédia brasileira.

É urgente, portanto, deflagrar uma revolução pelo ensino, partindo do princípio de que o fundamental é avançar de forma consistente nos níveis de aprendizado de nossas crianças e jovens. Há de se encontrar ainda formas de melhor valorizar os professores e aperfeiçoar a sua formação, também com a perspectiva de que serão mestres em uma época de disrupção constante, de rápida obsolescência de tecnologias, processos e profissões. As novas gerações de brasileiros, além do básico, como entender o que leem, precisarão estar preparados para um contínuo reaprendizado ao longo da vida.

Mas há boas novas. A atualização dos conhecimentos e habilidades essenciais a serem ensinados aos alunos está a caminho. A Base Nacional Comum Curricular, homologada ao final de 2018, começa a ser implementada em 2020 nas escolas. O Conselho Nacional de Educação tem aprovadas as novas diretrizes para a preparação de docentes, com maior duração dos cursos e mais atenção a atividades práticas. Espera-se agora a sanção pelo MEC para começar a atualizar os currículos nos cursos de formação de professores. São transformações que precisam chegar especialmente rápido na rede pública, sob pena de atrasarmos a jornada na busca por romper o atual círculo nefasto em que a educação, assimétrica, é um elemento realimentador da alta desigualdade brasileira.

Mas o avanço tem de ser conjunto e harmonioso. Ciência, tecnologia, inteligência artificial e inovação ganharão um peso cada vez maior na economia do futuro. Para ser protagonista neste jogo global, não há fórmula que exclua um cuidado especial com a educação. Caso contrário, o Brasil seguirá um competidor medíocre na maratona do desenvolvimento, esperando outro boom de commodities para ter um novo surto de crescimento fugaz. Além de evitar desperdiçar uma nova década, o país precisa se preparar para as próximas que virão.


31 DE DEZEMBRO DE 2019
RÉVEILLON



Shows musicais e 10 minutos de fogos na virada para 2020


Evento organizado pela prefeitura de Porto Alegre na orla do Guaíba prevê multidão de mais de 100 mil pessoas nesta terça.

Show de fogos com música, food trucks e apresentações artísticas vão marcar a chegada de 2020 na orla do Guaíba, em Porto Alegre, sob expectativa de atrair público superior a 100 mil pessoas. Para receber a multidão, a montagem do palco e de estruturas de apoio já estava adiantada no começo da manhã de segunda-feira.

O trabalho dos operários era acompanhado de perto pelo autônomo Alessandro Pinto Rodrigues, 44 anos, que tomava mate na orla à sombra de uma árvore. O morador da Capital garante que passará a virada de ano no local com qualquer tempo - a previsão indica possibilidade de chuva na última noite de 2019.

- Estive aqui no ano passado e foi muito bom. Voltarei com amigos de qualquer forma - afirmou Rodrigues.

Uma das principais atrações será o show pirotécnico de 10 minutos programado para meia-noite, que pela primeira vez será acompanhado de trilha musical sob responsabilidade da DJ Letícia Sartoretto. Assim como na edição anterior, os fogos não terão estampidos para evitar desconforto de idosos, autistas, entre outras pessoas, e de animais. A contagem regressiva será antecedida por série eclética de shows que inclui a pequena Luiza Barbosa (representante gaúcha na final do The Voice Kids 2019), Imperadores do Samba, Casa Ramil e César Oliveira e Rogério Melo.

O secretário municipal da Cultura, Luciano Alabarse, afirma que a oferta de food trucks e a disponibilidade de banheiros químicos e lixeiras será maior do que na virada passada.

- Será uma festa para as famílias. Espero que tragam cadeiras de praia, comida, mas nos ajudem trazendo sacos para levar o lixo embora depois - pede o secretário.

A celebração vai provocar série de alterações no trânsito (ver quadro com desvios). Na manhã desta terça, deve ocorrer a inspeção dos bombeiros para a festa. Segundo Alabarse, a autorização costuma ser concedida depois de toda a estrutura montada.

O que você precisa saber sobre o evento

COMIDA E BEBIDA

• A festa contará com food trucks e beer trucks, mas também é permitido levar alimentos e bebidas.

ESTACIONAMENTO

• A EPTC deverá impedir o estacionamento nas ruas mais próximas para facilitar o fluxo. Uma opção é deixar o carro mais afastado e ir a pé ou no estacionamento (pago) da Estapar, localizado no Cais Mauá (cerca de 800 vagas). Para chegar, deve-se ir pela Mauá, que estará bloqueada para o trânsito normal, mas disponível para quem estiver se dirigindo exclusivamente ao estacionamento.

CLIMA

• Há possibilidade de chuva no Réveillon da Capital. Por isso, é recomendável levar capa ou guarda-chuva.

SEGURANÇA

• Contará com reforço por meio de efetivos da Guarda Municipal e da Brigada Militar.

SOCORRO MÉDICO

• Haverá posto médico e ambulâncias disponíveis na área.

BANHEIROS QUÍMICOS

• Haverá 140 banheiros disponíveis na orla, conforme a organização.

BARCOS

• Segundo a prefeitura, apenas dois barcos ainda tinham lugares para a noite da virada até o final da manhã de segunda-feira. O ingresso para a embarcação Porto Alegre 10 ou para a Noiva do Caí II custa R$ 80 e ainda podia ser reservado pelo telefone (51) 3109-2312. Programação inclui pista de dança e DJ.

PROGRAMAÇÃO

• 18h - Vencedores Festival de Música.

• 19h10min - Imperadores do Samba.

• 20h10min - Cesar Oliveira e Rogério Melo.

• 21h20min - Luiza Barbosa, representante gaúcha na final do The Voice Kids 2019.

• 22h45min - Casa Ramil (Kleiton, Kledir, Vitor, Ian, João, Gutcha e Thiago).

• 23h50min - DJ Letícia Sartoretto.

• 0h - Show pirotécnico.

• 2h - Encerramento.

É PERMITIDO

• Levar cadeiras de praia, cangas e esteiras para se acomodar na Orla.

• Levar ceias prontas ou lanches.

• Levar bebidas e coolers.

É RECOMENDADO

• Manter-se hidratado e bem alimentado.

• Se chegar cedo, ainda com sol, aplicar protetor solar.

• Crianças devem carregar uma identificação e contato de um responsável. Caso uma criança se perca, deve procurar a segurança do evento.

• Marcar um ponto de encontro caso alguém se perca.

• Levar sacola para coletar o lixo.

• Separar alumínios e vidros para serem descartados nas áreas de reciclagem.

É PROIBIDO

• Uso de qualquer tipo de fogo de artifício.

• Armas de qualquer espécie.

• Churrasqueiras, espetos, produzir fogo no local ou uso de fogões portáteis.

• Uso de drogas ilícitas.

• Deixar lixo no chão, garrafas e latas.

• Venda de bebidas ou alimentos sem licenciamento.

• Entrar no Guaíba.

MARCELO GONZATTO

31 DE DEZEMBRO DE 2019
POLÍTICA +

Mais uma pedra no caminho de Leite


As dificuldades para a aprovação do novo plano de carreira dos professores, que não eram poucas, aumentaram com o reajuste de 12,84% para o piso nacional do magistério. A correção, três vezes maior do que a inflação do ano, desorganiza e desatualiza as tabelas de vencimento apresentadas pelo governo para 2020, 2021 e 2022.

Não há como aprovar na Assembleia um projeto que já nasce precisando de completivo para 12 das 36 faixas em que o plano é dividido. Isso significa que, se o reajuste for confirmado pelo Ministério da Educação, o governo terá de corrigir as tabelas em todos os níveis e classes, para manter a diferença entre os degraus da carreira.

Caso a Assembleia decida não alterar o plano de carreira, o governo de Eduardo Leite terá uma derrota política, com impacto negativo nas contas públicas a médio prazo, mas acabará fazendo economia nos próximos três anos. Mantido o plano atual, o governo passará a pagar completivo para 29 das 36 faixas, o que na prática significa achatar ainda mais a carreira. Os professores manterão as vantagens temporais (5% a cada três anos), e os adicionais a que têm direito, mas as promoções seguirão travadas.

O que não muda é a contribuição para a previdência, aprovada pela Assembleia e já sancionada pelo governador. Os professores aposentados, hoje isentos até R$ 5,8 mil, passarão a contribuir a partir de R$ 1 mil, em percentuais que começam em 7,5%.

Na volta do feriadão, Leite precisará reunir os técnicos e refazer as tabelas, a menos que a pressão de prefeitos e governadores faça o Ministério da Educação rever o cálculo de reajuste do piso para 2020.

ROSANE DE OLIVEIRA

31 DE DEZEMBRO DE 2019
NÍLSON SOUZA

Simpatias



Uma pesquisa promovida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas nesta antevéspera da virada do ano revelou que os brasileiros farão mais simpatias para ganhar dinheiro do que para encontrar um amor ou para outros propósitos menos votados, como pagar dívidas, conseguir emprego, emagrecer, comprar um carro ou curar uma doença. Confesso que fiquei um pouco chocado com a constatação, pois sempre defendi uma tese que faz parte até de letra de música sertaneja: "O importante é saúde e paz, do resto a gente corre atrás".

Qual nada! O que as pessoas querem, ao menos a maioria dos participantes da referida pesquisa, é ganhar mais dinheiro. Não sei o quanto esse levantamento é representativo da totalidade da população, mas, pensando bem, conheço muita gente que acredita no poder da grana como solução para todos os males. Longe de mim pregar moral sobre assunto tão delicado. Nem tenho legitimidade para isso, pois também apostei na Mega da Virada com aquela enganosa esperança de ser o contemplado, mesmo sabendo que a chance é uma entre 50 milhões.

Dizem os ultracéticos (me creio um cético moderado) que a esperança foi o último e o pior dos males saídos da caixa de Pandora. Na minha visão, porém, ela representa o limite entre o desejo e a crendice. E funciona melhor quando acompanhada de planejamento e trabalho. Já simpatia, como rito para despertar poderes ocultos que satisfaçam a nossa vontade, está do outro lado da linha. Sinceramente, não faço! Quem quiser fazer que faça. Se não causar mal a ninguém, nem qualquer prejuízo ao próprio praticante, bola pra frente. Até respeito, mas me sinto desconfortável nessa corda bamba da superstição.

Prefiro simpatia naquele outro sentido, definido romanticamente pelo poeta Casimiro de Abreu: "Simpatia, meu anjinho,/ é o canto do passarinho/ é o doce aroma da flor./ São nuvens d?um céu de agosto/ é o que me inspira teu rosto,/ simpatia é quase amor!/.

Portanto, crentes e descrentes, desejo que o Ano Novo nos traga também esse tipo de simpatia!

NÍLSON SOUZA

31 DE DEZEMBRO DE 2019
INFORME ESPECIAL

Para 2020, é possível prever imprevistos


A cada dezembro, surge uma avalanche de projeções sobre o ano que está por vir. Para as mais diversas áreas, da economia ao futebol, sempre baseadas em uma lógica assentada sobre as informações disponíveis até aquele momento, com os seus desdobramentos naturais. Mas o que é possível prever com alto grau de certeza é que muitos acontecimentos imprevistos irromperão ao longo de 2020. Assim é a História, com episódios de guerras, tragédias naturais, descobertas científicas ou epidemias que alteraram o curso da humanidade, de países, ou apenas a vida de uma pessoa.

Quem diria, em dezembro de 2018, que em janeiro uma nova barragem de mineração se romperia, deixando mais de 250 vítimas fatais? Quem imaginaria que uma onda de protestos sacudiria o Chile, considerado exemplo de estabilidade na América do Sul? E as inexplicáveis manchas de óleo no litoral do Nordeste? Voltando um pouco mais no tempo, quem poderia prever uma facada em um candidato à Presidência? Uma greve de caminhoneiros que paralisaria o Brasil? As jornadas de 2013? A Lava-Jato e suas consequências?

A discussão sobre o impacto de acontecimentos improváveis, raros ou subestimados é objeto do livro A Lógica do Cisne Negro, do libanês naturalizado americano Nassim Taleb. O título faz referência à certeza dos europeus, até o final do século 17, da existência apenas de cisnes com penas brancas, até que, surpresos, descobriram uma espécie de cor preta, na Austrália. A obra escancara o fato de que estamos sempre sujeitos à imprevisibilidade. O resultado surpreendente de eleição, uma crise, a descoberta da cura de uma doença, o fim traumático de um relacionamento, um novo amor, uma demissão, uma repentina e empolgante oportunidade.

Planejamento é sempre positivo. Previsibilidade é desejável. Mas não se pode esquecer que o aleatório está sempre à espreita, para o bem e para o mal.

Mamães maduras


Os dados têm certa defasagem, mas são interessantes ao mostrar a mudança do perfil de quem recorre à reprodução assistida na América Latina, onde o Brasil desponta com 83 mil bebês nascidos - o equivalente a 42% do total -, em um período de quase três décadas. Em 1990, as mulheres com 40 anos ou mais eram 14,9%. Em 2016, o percentual desta faixa etária passou para 31,1%. Enquanto isso, a participação das mamães com 34 anos ou menos caiu quase à metade (ver gráfico abaixo).

A Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDLARA), que fez o levantamento, aponta que o crescimento da busca pelas técnicas por mulheres mais maduras tem relação com o desejo de primeiro se consolidar no mercado de trabalho, para depois buscar a maternidade.

Outra informação curiosa é a redução no número de partos triplos, que caíram de 7,7% do total para apenas 0,6%. Os duplos diminuíram proporcionalmente menos, de 23,% para 19,5%

CAIO CIGANA - INTERINO

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019



30 DE DEZEMBRO DE 2019
ENSINO FUNDAMENTAL

RS sanciona lei que permite matrícula aos cinco anos


Aprovada pela Assembleia Legislativa no início de dezembro, a lei estadual que flexibiliza a idade para ingresso no Ensino Fundamental - permitindo a matrícula de crianças de cinco anos no 1º ano - foi sancionada na sexta-feira pelo governador Eduardo Leite. De autoria do deputado estadual Eric Lins (DEM), parte da mudança passa a valer já a partir do ano letivo de 2020.

Hoje, a legislação federal e um parecer do Conselho Nacional de Educação determinam que apenas alunos com seis anos completos ou que atingem essa idade mínima até 31 de março podem ser matriculados no 1º ano do Ensino Fundamental.

Conforme o texto aprovado no Estado, crianças que completarão seis anos em outros momentos do ano letivo também poderão ser inscritas nesta primeira etapa. A idade mínima passará a ser de cinco anos no Rio Grande do Sul.

Em sua conta no Twitter, Lins comemorou a sanção, afirmando se tratar de "uma grande alegria". Em entrevista a ZH após a aprovação da norma na Assembleia, o deputado explicou os motivos da proposta, que foi alvo de controvérsia entre educadores:

- É injusto uma criança que faz aniversário em 31 de março ir para o 1º ano e outra criança que faz no dia 1º de abril não ir - disse o parlamentar, à época.

Parte da nova modalidade de ingresso passará a valer em 2020. Por conta de uma emenda aprovada em plenário, o restante ficará para 2021. Serão levados em conta três "graus de maturidade" para o ingresso:

1 Presunção absoluta de maturidade (a partir de 2020): criança que tem seis anos completos até 31 de março ingressa naturalmente no Ensino Fundamental.

2 Presunção relativa de maturidade (a partir de 2020): aquela que tiver seis anos completos entre 1º de abril e 31 de maio também ingressará no 1º ano, a não ser que haja solicitação dos pais ou responsáveis ou do último professor para que não entre no Ensino Fundamental.

3 Presunção relativa de imaturidade (a partir de 2021): aluno que tiver seis anos completos entre 1º de junho e 31 de dezembro deverá apresentar manifestação expressa dos pais e de equipe multidisciplinar para ingressar no Ensino Fundamental.

A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) confirmou que a alteração será adotada na forma prevista pela lei a partir de 2020. 

JULIANA BUBLITZ

30 DE DEZEMBRO DE 2019
POLÍTICA +

Verão sem machismo e sem violência

Com o sol escaldante da manhã de domingo no Litoral Norte, o deputado Edegar Pretto (PT) e um grupo de voluntários circularam pela areia de Torres (foto) e Capão da Canoa distribuindo panfletos com informações sobre a violência contra a mulher.

Essa foi a terceira edição do projeto Verão Sem Machismo, realizado pelo Comitê Gaúcho ElesPorElas, da ONU Mulheres, do qual Pretto é coordenador.

De chinelo, bermuda e camiseta preta com a inscrição "Violência contra a Mulher - Não", Pretto caminhou ao lado do irmão caçula Adão Pretto Filho, abordando veranistas para alertar sobre os diferentes tipos de violência doméstica, e orientar mulheres sobre como procurar ajuda e fazer denúncia.

Levantamento do Comitê ElesPorElas, com dados da Secretaria de Segurança Pública do RS, mostra que, de janeiro de 2014 até novembro deste ano, 566 mulheres foram assassinadas, vítimas de feminicídio. No mesmo período, 9.368 foram estupradas, e 136.247 sofreram algum tipo de agressão com lesão.

Como as praias são locais de intensa movimentação nesta época, os casos de assédio contra mulheres registram aumento, segundo o deputado:

- Se existe machismo, então é com homens que precisamos conversar. Precisamos banir qualquer forma de violência contra as mulheres.

ALIÁS

Prefeitos e governadores defendem mudança na fórmula de cálculo do reajuste do piso dos professores, para que seja baseado na inflação. Acima desse índice, qualquer correção dependeria de negociação, respeitando a situação financeira de Estados e municípios, cuja receita não cresce na mesma proporção.

Piso nacional do magistério deve subir 12,84% em 2020

O anúncio feito na sexta-feira pelo Ministério da Educação, de que o piso nacional do magistério terá reajuste de 12,84% em 2020, semeou pânico entre prefeitos e governadores, que passaram o fim de semana mobilizados para tentar reverter esse índice. Se o aumento for confirmado, o piso passará de R$ 2.557,74 para R$ 2.886,15, com impacto sobre planos de carreira em todo o país.

-Não sabemos de onde o MEC tirou esse número. Não se discute se é justo ou não, mas nem Estados nem municípios têm como bancar um aumento desses, sem previsão orçamentária - diz o secretário da Educação, Faisal Karam.

Em nome dos prefeitos, o presidente da Famurs, Eduardo Freire, diz que o reajuste é impagável, até porque a Justiça tem interpretações diferentes para o que seja o piso em diferentes regiões do país. Parte dos juízes entende que é o valor total da remuneração, outra parte que é o básico sobre o qual incidem as vantagens, que variam de município para município, de Estado para Estado.

Na própria cidade que Freire administra (Palmeira das Missões) o orçamento de 2020 será votado hoje, sem previsão de reajuste dessa magnitude para os professores.

-Como vamos fechar as contas no último ano de governo, se nos cai no colo uma conta que não estava prevista? - questiona Freire.

No Estado, a situação é ainda mais complexa, porque o aumento chega no momento em que está em discussão o novo plano de carreira, com votação prevista para o final de janeiro. A se confirmar a correção de 12,84%, no novo plano 14 faixas já nasceriam defasadas. No plano atual, o governo paga completivo em 24 das 36 faixas, para que ninguém receba menos do que o piso. Com o novo valor, apenas sete não receberiam o complemento.

Simon, 90 anos

No dia 31 de janeiro, o ex-senador Pedro Simon completa 90 anos de idade. Para celebrar o aniversário e homenagear sua trajetória política, o MDB vai organizar um grande ato no dia 1º de fevereiro, em Capão da Canoa.

A cidade foi escolhida para a homenagem por ter sido palco de uma das mais expressivas mobilizações na campanha das Diretas-Já, em 19 de fevereiro de 1984.

Sob a liderança de Simon, a caminhada reuniu mais de 50 mil pessoas na orla de Capão para defender o direito ao voto e o fim da ditadura militar.

O episódio integra um conjunto de 15 importantes fatos protagonizados por Simon que serão recontados por meio de vídeo e exposição fotográfica.

Intitulado "90 anos Pedro Simon - uma trajetória de lutas", o evento ocorrerá no Clube do Estádio Mariscão.

MIRANTE

A Secretaria da Fazenda anuncia hoje o calendário de pagamento dos salários de dezembro, que deve ocorrer entre 10 e 14 de janeiro.

Aprovado na seleção do Partido Novo, o médico pneumologista Carlos Eurico Pereira será o candidato do partido à prefeitura de Santa Cruz do Sul.

O PSD é uma das opções possíveis do ex-prefeito de Canoas Jairo Jorge, mas não a única. A decisão será anunciada ao longo do mês de janeiro.

ROSANE DE OLIVEIRA


30 DE DEZEMBRO DE 2019
GESTÃO PÚBLICA

Dívida do RS sobe e deve fechar 2019 em R$ 78 bi

Maior parte do total é passivo relacionado ao governo federal. Parcelas devidas à União estão suspensas desde 2017

Sem pagar as parcelas devidas à União desde 2017 (o que, em 2019, garantirá fôlego de R$ 3,45 bilhões ao caixa), o Estado do Rio Grande do Sul segue registrando crescimento da dívida pública. De janeiro a novembro, a conta saltou de R$ 72,9 bilhões para R$ 77,7 bilhões, avanço real (descontada a inflação) de 3,3%. Trata-se de 18 vezes o orçamento anual da Saúde.

O dado de dezembro ainda não está disponível, mas a tendência é de que o total fique na casa dos R$ 78 bilhões. Desse valor, 86% corresponde ao passivo relacionado ao governo federal.

- O resultado era totalmente esperado. Na verdade, ficou abaixo do que prevíamos. A queda na taxa Selic (de 6% para 4,5% ao ano, ao longo de 2019) nos beneficiou e proporcionou um crescimento menor do saldo devedor do que o esperado inicialmente - diz o chefe da Divisão da Dívida Pública, Felipe Rodrigues da Silva.

De janeiro a novembro, graças à liminar obtida em 2017 pelo Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio Piratini deixou de pagar R$ 3,16 bilhões à União. Até o fim de 2019, o alívio deve chegar a R$ 3,45 bilhões, o que representa pouco mais de duas folhas de pagamento do Executivo.

Sem isso, a situação financeira do Estado seria ainda pior neste final de ano. Além de ter parcelado o 13º dos servidores, o governo deve quitar os contracheques do Executivo de novembro apenas em 3 de janeiro de 2020. Já os salários de dezembro começarão a ser depositados apenas em 10 de janeiro, se nada mudar até lá.

Desde 2017, quando o ministro Marco Aurélio Mello atendeu ao pedido do Piratini e autorizou a suspensão dos repasses à União, R$ 7,4 bilhões permaneceram no Estado (serão R$ 7,7 bilhões até 31 de dezembro). Embora a medida tenha ajudado a impedir o colapso das finanças, a pendência não será perdoada. A dívida com a União precisa ser zerada até 2048, e, sobre ela, seguem incidindo juros e correção.

Ainda assim, a manutenção da liminar é considerada fundamental pelo governo Eduardo Leite. A avaliação é de que o Estado não tem condições de retomar as parcelas mensais de R$ 290 milhões.

Também há o temor de que o Piratini seja cobrado em pelo menos mais R$ 6,5 bilhões, por ter desrespeitado a regra do teto de gastos prevista na renegociação da dívida. Isso poderia elevar as parcelas a R$ 900 milhões por mês.

Para evitar a revisão do caso no STF, Leite segue buscando a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal proposto pela União - que garante, formalmente, carência de ao menos três anos no pagamento da dívida.

A assinatura está condicionada à aprovação do pacote de reformas proposto à Assembleia. Como a votação da maior parte dos projetos ficou para janeiro, as incertezas em relação ao acordo tendem a persistir por, no mínimo, mais um mês.

JULIANA BUBLITZ

30 DE DEZEMBRO DE 2019
C LAUDIA LAITANO

Amai-vos uns aos mesmos

Não existem guerras religiosas, existem disputas de poder. Eventualmente, o poder está associado de forma tão íntima a uma religião em particular que fica difícil distinguir crentes de correligionários, mas não se enganem: a guerra é deste mundo mesmo, não do outro.

Por trás de todos os conflitos que dividem compatriotas e na origem de todas as tentativas de impor um determinado sistema de crenças existe, e sempre existiu, a volúpia de conquistar territórios muito menos abstratos do que aqueles em que a espiritualidade costuma se instalar. 

Mesmo quando as intenções são as melhores (raramente são), impor uma crença à força, desconsiderando outras formas de religiosidade ou o direito a não se ter religião alguma, implica não apenas ignorar o luxuoso conceito de livre-arbítrio, base da civilização judaico-cristã, mas, em muitos casos, exige que outros princípios da própria religião sejam deixados de lado. Dogmas passam a ser "customizáveis" ao sabor da ocasião. Amai-vos uns aos mesmos.

Nada disso, claro, é novidade. Foi assim desde que o primeiro Homo sapiens espantou-se ao descobrir que a tribo do outro lado da montanha adorava um ídolo diferente e achou por bem acabar ali mesmo com a palhaçada. Em algum momento do século 18, porém, outros Homo sapiens chegaram à sensata conclusão de que o único jeito de parar a matança em nome da fé seria atar a ideia de liberdade religiosa ao conceito de democracia e aos recém-inventados "direitos dos homens e dos cidadãos". Com a democracia, porém, veio a liberdade de expressão e a possibilidade de criticar, negar e fazer piada com tudo aquilo que existe no reino das ideias - inclusive as religiões alheias. O preço da liberdade é a eterna tolerância.

Quando centros de umbanda e de candomblé são atacados, como vem acontecendo com frequência assustadora no Brasil nos últimos tempos, ou a celebração de uma missa com elementos da cultura africana é interrompida, como ocorreu há pouco mais de um mês em uma igreja católica no Rio de Janeiro, fica difícil encontrar na religião cristã um argumento que justifique esse tipo de violência. 

O mesmo pode-se dizer do ataque contra a sede da produtora Porta dos Fundos na semana que passou. Está claro que não é uma guerra espiritual que está em curso, mas uma disputa de poder que usa a religião como plataforma - desrespeitando a democracia e ofendendo todos aqueles que levam realmente a sério a própria fé, seja ela qual for.

CLÁUDIA LAITANO

sábado, 28 de dezembro de 2019



28 DE DEZEMBRO DE 2019
LYA LUFT

Boas festas

Infância: o jardim eram todos os segredos: as vozes murmuravam entre as folhas e sussurravam no vento. O horizonte eram morros azuis da tinta que um anjo distraído deixara cair do céu. Todos os mundos que criei, pessoas que inventei, músicas irreais que eu compus nasceram ali na infância: perderam-se mas persistem porque nada no caminho do tempo é fatal.

Autorretrato: do pai, a retidão e certa melancolia: o olhar sobre o que vem atrás das coisas. Da mãe, a alegria. Da remota linhagem, o novelo de fios que tramam alma e imagem, ninguém sabe quando e onde. Mais os trabalhos e a dor, a fantasia, a obstinada procura, alguma sorte, muita esperança na bagagem. (Dissabores fazem parte: maior foi a celebração da vida.) Entre o começo e a morte, mar e miragem: não há muito de mim na personagem que enxergam. Há que buscar o que ela esconde.

Poeminha: dormem os grandes navios do sonho, como num porto: boiam rostos ou espumas à flor de um espelho morto. Não tenho certeza de nada e mesmo assim me disponho: sou um reflexo no fundo de um corredor ou de um sonho? Deitada na grama, contemplo: no azul do céu ou das águas passam vultos como velas. (São miragens os navios ou as nuvens, caravelas?)

Busca: naquele tempo sem tempo, a verdade parecia estar nos livros: ali moravam as respostas e nasciam os nomes. Quanto mais procurei, mais me enredei na ramagem das indagações: as respostas não vinham, a verdade era miragem, a busca era melhor do que a descoberta - e nunca se chegava. (Viver era mesmo sentir aquela fome.)

Palavras: abro a gaveta, e salta uma palavra: dança sedutora sobre o meu cansaço, veste-se de indefinições, vagueia no labirinto das ambiguidades. Acha graça de mim, que espero à frente encontrar a solução dos meus enigmas. Tento uma geometria que a contenha no espaço entre dois silêncios quaisquer, mas ela decide meus passos: peso de fruta no sono da semente, assiste à minha luta quando a desejo aprisionar e, às vezes, até finge que sou eu a senhora, a domadora, a fonte. Palavras são livres e riem dos poetas: nós, mediação incompetente.

Condição: se me quiserem amar, terá de ser agora: depois estarei cansada. Minha vida foi feita de parceria com a morte: pertenço um pouco a cada uma, pra mim sobrou quase nada. Ponho a máscara do dia, um rosto cômodo e simples, e assim garanto a minha sobrevida. Se me quiserem amar, terá de ser hoje: amanhã estarei mudada.

Esperança: os deuses estavam de bom humor: abriram as mãos e deixaram cair no mundo os oceanos e as montanhas, os campos onde corre o vento, as árvores com mil vozes, as manadas, as revoadas - e, para atrapalhar, as pessoas. Todas correndo atrás de mil coisas ou de coisa nenhuma: tudo menos parar, pensar, contemplar. Enquanto isso, a Morte revira seus grandes olhos de gato, termina de palitar os dentes e prepara o bote.

Mas a gente sempre aposta na vida.

LYA LUFT

28 DE DEZEMBRO DE 2019
MARTHA MEDEIROS

Os filhos do mundo


Foi aparecer Greta Thunberg e achei que mataríamos saudade do consenso - lembra consenso? Difícil imaginar divergência de opiniões a respeito de uma adolescente que um dia saiu de casa com um cartaz nas mãos e se plantou na frente do Parlamento sueco pra protestar contra o pouco caso com o meio ambiente. O que pode ser mais inofensivo e bem-intencionado? 

Ela poderia estar num shopping consumindo hambúrgueres e sapatos, poderia estar grudada num smartphone baixando aplicativos bobinhos, poderia estar acampando na frente de um estádio para assistir a algum ídolo teen, e nunca teríamos ouvido falar dela, assim como o mundo nunca ouviu falar de nossos filhos. Mas fez barulho e foi eleita a Personalidade do Ano. Não é bacana?


Defender o meio ambiente não é uma atitude de esquerda ou de direita. Envolve todos os seres humanos, incluindo os tios fascistas, as primas comunistas, os bichos, as plantas - o planeta inteiro se beneficiaria caso os grandes líderes mundiais parassem de pensar só em lucro e tomassem medidas preventivas para deter o aquecimento global e suas consequências. Separar o lixo seco do lixo orgânico é importante, mas não basta. Deixar o carro na garagem e caminhar cinco quarteirões? Ajuda, mas o que ajuda mesmo é não pegar no pé de quem está fazendo muito mais do que nós.


Dizem que Greta é chata. Não sei, nunca escutei a menina por mais de um minuto, quem assistiu aos seus discursos completos é que pode dizer. Mas, ainda assim, creio que chato é ficar ilhado sobre um bloco de gelo derretendo, ursos polares que o digam. Ou ter a casa invadida por enchentes. Ou ter que sair à rua usando uma máscara tapando nariz e boca. Devo estar sendo chata também, desculpe aí.


Enfim, não entra na minha cabeça a razão de Greta ser ofendida. Que ela incomode alguns industriais e políticos, é compreensível, já que reivindica medidas que envolvem dinheiro e poder, mas por que haveríamos de ficar contra ela, se ela age por nós? Não age? Tem "alguém" por trás? O Soros, o Papa, o Lula, a Damares, o pessoal do Porta dos Fundos? E daí? 


A causa é boa. E mesmo que não se acredite em aquecimento global, mesmo que se pense que é paranoia e que o mundo está em perfeitas condições de uso, mal não faz uma garota gastar seu tempo e sua juventude em algo que acredita. Não foi a primeira nem será a última a se sobressair clamando por conscientização - se ela está certa ou errada, o tempo dirá. Esse mesmo tempo que nos levará à extinção em breve, mas que poderia ser mais seguro para nossos descendentes, pelos quais temos alguma responsabilidade. Portanto, se não existe mais consenso sobre nada, que ao menos escolhamos melhor nossos inimigos em 2020. Greta, obrigada.

MARTHA MEDEIROS


28 DE DEZEMBRO DE 2019
CLAUDIA TAJES

Retrospectiva introspectiva

Terminando o ano com muito menos livros na conta do que deveria ter lido, ainda assim deixo aqui a minha retrospectiva de releituras, descobertas e lançamentos - que também vale por sugestões para quem não tem nenhuma dúvida de que só abastecidos de boas histórias e de boas ideias a gente fica mais forte para enfrentar o que vier. Um superfeliz 2020 para todos nós.

O livro mais lindo que eu li, com certeza absoluta e com o devido respeito a todos os demais livros lindos do ano, foi o romance da polonesa e prêmio Nobel Olga Tokarczuk, Sobre os Ossos dos Mortos. O amor da personagem pelos animais, a forma toda particular como ela se refere às pessoas, a trama toda e sua solução. Que livro, senhoras e senhores. A autora de 57 anos, que eu nem conhecia, agora é um dos meus amores.

Brasil, Construtor de Ruínas, da Eliane Brum, que saiu pela Arquipélago Editorial, vai fundo nas nossas feridas. Não é uma leitura otimista, mas fica a sensação de que há, sim, alguns jeitos para sair do buraco. Alguém aí falou em pensamento e educação? Antes Não Era Tarde: impossível não curtir as crônicas de Pedro Gonzaga.

De Toni Morrison, que morreu em agosto deste ano e já está fazendo falta para entender melhor os dilemas desse nosso mundo tão cheio de preconceitos, A Origem dos Outros.

A Queda do Céu - Palavras de um Xamã Yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert. Já passou da hora da gente conhecer o que os povos indígenas têm a nos dizer.

Enterre Seus Mortos, da bicampeã do prêmio São Paulo, Ana Paula Maia. Os dois livros da Manuela d?Ávila, Revolução Laura e Por que Lutamos?

Dentro do Nevoeiro, de Guilherme Wisnik, um livro de não ficção que relaciona arquitetura, arte e tecnologia em vários ensaios sobre a transformação das cidades e a história - com o que ela tem de melhor e pior.

Da minha quase xará Claudia Lage, a novela O Corpo Interminável.

Essa Gente, do prêmio Camões Chico Buarque. Um escritor perturbado e decadente em um Rio de Janeiro não menos. Só podia dar certo.

Textos Contraculturais, Crônicas Anacrônicas & Outras Viagens, de Eduardo Bueno, o estilo Peninha que nunca cansa o leitor.

O Que Acontece no Escuro, de Davi Koteck, contos sobre pequenas simplicidades das mais profundas. Luanda, Lisboa, Paraíso, da vencedora do prêmio Oceanos Djaimilia Pereira de Almeida.

Em 2020 e sempre, leia mulheres. Assim, de cabeça: Clarice Lispector, Simone de Beauvoir, Virginia Woolf, Djamila Ribeiro, Cíntia Moscovich, Martha Medeiros, Paula Taitelbaum, Ana Mariano, Clara Corleone, Lya Luft, Leticia Wierzchowski, Valesca de Assis, Jane Tutikian, Maria Carpi, Tatiana Salem Levy, Patrícia Melo, Adriana Lisboa e mais uma lista sem fim que merece lugar na sua estante. E compre das pequenas e charmosas livrarias: PocketStore, Baleia, Taverna, Bamboletras, Erico Verissimo e todas as valentes que não se entregam nunca. Não parecem a gente?

CLAUDIA TAJES


28 DE DEZEMBRO DE 2019
CARPINEJAR

Veteranos

Há outdoors dizendo que você envelheceu: quando a filha menstrua ou quando o filho aparece com barba de bode, ou quando eles voltam das festas no meio da manhã, ou quando decidem morar sozinhos ou quando casam ou quando entram na universidade. São letras garrafais de uma verdade: suas crianças não são mais crianças, não dependem mais de você como antigamente, o convívio será semanal, talvez mensal.

Mas também existem pequenos cartazes da rotina apontando para a sua maturidade indisfarçável.

Um deles é a pelada com os amigos. Eu jogo futebol na segunda-feira em uma quadra do colégio Bom Conselho. São sete anos de ritual, sempre às 20h. Lá encontrarei Dal Molin, Valdemar, meu irmão Rodrigo, Dirceu, Fernando, Frodo, Daniel, Adriano, Horácio, Cristiano, Luciano, Zé Leão, Luis e Glauber, entre os decanos fundadores.

Quando faltava jogador para completar os 12 apóstolos, convocávamos marmanjos de contato superficial. Era uma busca desesperada por alguém com a mínima noção, mesmo que seja para atuar no gol. Em vacas magras no calendário, como dezembro, época de festas para todos e férias para alguns, já chegamos a improvisar quatro de cada lado e mentíamos nas mensagens do grupo que havia sido um enfrentamento memorável.

Agora, os peladeiros, diante da ausência de quórum, não sofrem mais com expedição pela agenda do WhatsApp, pois deram para chamar os seus filhos. Os recursos humanos partem da própria casa.

Filhos? Antes eram bebês de colo, mascotes de nossos confrontos, que mal tinham força nas pernas. Hoje são adolescentes. Ninguém percebeu como cresceram tão rápido.

São fortalezas de vigor e vontade, com o dobro de nossa altura. Virou atração de circo: os anões e os gigantes.

É engraçada a disparidade em campo. Eu jogava contra gente de minha idade, na faixa dos 40 a 50 anos, até me sentia poderoso e artilheiro. Podia sair de uma noite com cinco gols no bolso.

Com as crias dos comparsas, se estufo as redes, é por acidente. A bola bateu em mim, não fui eu que a chutei.

Vem ocorrendo a infiltração de categorias de base na disputa dos veteranos. É difícil acompanhar o ritmo. Não ganharei uma bola no fundo da quadra pela imposição física, nem usando os cotovelos.

Pouco a pouco, há mais jovens do que velhos, a partida é mais deles do que nossa. Com a mistura, passamos a nos lesionar com frequência (oferecendo além de nossas possibilidades) e eles vão preenchendo as suplências com os seus amigos da mesma idade.

Logo nem saberemos os nomes dos atletas, seremos penetras em nossa confraternização, obrigados a nos apresentar e explicar de onde viemos e de quem somos os pais.

O envelhecimento bate à porta antes dos grandes eventos de transição de nossos rebentos, nós é que não atendemos.

CARPINEJAR


28 DE DEZEMBRO DE 2019
COM A PALAVRA

O ALVO DA VIDA NÃO É SER FELIZ. É APRENDER A VIVER.

VIVIANE MOSÉ, psicanalista e filósofa, 55 anos. Especialista em políticas públicas, tem obra consistente como poeta e ensaísta. É palestrante e já teve um quadro no programa "Fantástico", da TV Globo

Uma das figuras que têm aproximado a filosofia de uma linguagem cotidiana e atraído mais pessoas para pensar sobre a realidade, Viviane Mosé mescla um tom de desesperança a uma inveterada busca pela alegria em suas opiniões. Ao fazer um balanço de 2019, analisando o "estado de espírito" com que chegamos ao final de um ano difícil, a filósofa - e psicóloga, e psicanalista, e escritora, e poeta - alia o desamparo ao otimismo: foram meses difíceis, o dia a dia tem sido complicado para todos, mas não é lamentando que vamos chegar a algum lugar. Ela propõe que a população celebre, viva, reafirme a sua alegria, a sua arte.

Capixaba de Vitória, autora de livros como Nietzsche Hoje e A Espécie que Sabe, ambos versando sobre a vida contemporânea e discutindo os desafios globais, "tentando facilitar a compreensão desse abismo em que entramos", como define, ela concedeu a seguinte entrevista, por telefone, a Zero Hora.

ESTE FOI UM ANO DIFÍCIL NO BRASIL: HOUVE A TRAGÉDIA EM BRUMADINHO, O INCÊNDIO NO ALOJAMENTO DOS JOGADORES DA CATEGORIA DE BASE DO FLAMENGO, O MASSACRE EM SUZANO, O VAZAMENTO DE PETRÓLEO NAS PRAIAS DO NORDESTE, OS INCÊNDIOS NA AMAZÔNIA... DEPOIS DE PASSAR POR TUDO ISSO, EM QUE ESTADO DE ESPÍRITO NOS ENCONTRAMOS AO FINAL DE 2019? COMO SE RECUPERAR? COM QUE PERSPECTIVAS CHEGAMOS A 2020?

É um final de ano muito tenso com tudo o que a gente viveu, que você com toda a razão descreve como difícil em todas as áreas: ambientais, humanas, sociais, no que diz respeito a direitos humanos, à educação. Houve grandes retrocessos sociais e políticos. O Brasil entrou, em 2019, em um barco desgovernado. A gente não teve uma direção. Tivemos desgoverno em todas as áreas. Pessoas incapazes de ocupar os cargos que ocupam. 

E isso é muito ruim em um país tão grande quanto o Brasil. O Brasil é uma potência mundial. E não pode uma potência mundial, com grandes conquistas como a gente teve nos últimos 30, 40, 50 anos - temos mais ou menos 50 anos de cidadania, se a gente pensar bem -, de respeito humano, e não só isso, de economia, de estabilidade política, estabilidade financeira, um Brasil visto como grande no mundo inteiro, com a diminuição da desigualdade, de repente se ver em um barco desgovernado.

DE QUE MANEIRA TODOS ESSES FATOS INFLUENCIAM NA FORMA COMO CHEGAMOS A ESTE FINAL DE ANO? O QUANTO ISSO AFETA NOSSO DIA A DIA?

Imagina um transatlântico - porque não somos um barco, nós, o Brasil, somos um transatlântico enorme - absolutamente desgovernado. É a sensação de todo o brasileiro. É como estamos nos sentindo enquanto coletividade. Quando os direitos humanos, por exemplo, são suspendidos, ou pelo menos quando a gente não se sente mais garantido por direitos humanos mínimos, prepondera a violência. Porque o ser humano não nasce humanizado. Ele se humaniza no grupo. No Brasil, nós vivemos um 2019 de desrespeito aos direitos humanos, de desrespeito ao meio ambiente. Quando as leis são desrespeitadas, todas as pessoas se sentem desprotegidas. Um parte se sente desprotegida. E a outra, exatamente a que está sendo desrespeitada nos direitos humanos, por exemplo, ela pode se sentir disposta a tudo. Se não respeitam os direitos mínimos de sobrevivência seus, das pessoas da sua família, das pessoas do seu entorno, do seu bairro, se você se vê atacado por balas, por agressões verbais, por qualquer coisa, por falta de saneamento, por uma animalidade, aí entende-se que algo primitivo acaba aparecendo.

A PAIXÃO COM QUE ESTAMOS LIDANDO COM OS FATOS POLÍTICOS E COM CADA MUDANÇA ECONÔMICA É BENÉFICA PARA A NOSSA SAÚDE MENTAL, PARA O NOSSO BEM-ESTAR? E, POR OUTRO LADO, ESTÁ CERTO QUEM PREFERE FICAR DE FORA DE TODA ESSA DISCUSSÃO, AGINDO DE MODO MAIS NEUTRO? HÁ UM MELHOR CAMINHO?

Não dá para ignorar o que acontece na coletividade em que estamos inseridos. Não dá para ignorar o preço da carne. Não dá para ignorar tudo o que a gente vive hoje. "Ah, não vou me informar." Mas é impossível não se informar. Mesmo porque vivemos na sociedade da informação. Quando você abre a sua rede social, não é amizade que se troca ali, não. Ali se troca a venda de produtos, se troca política. Nossa vida é a rede social. É impossível estar na rede social sem estar contaminado com tudo o que está acontecendo. E o que está acontecendo é que estamos em um momento extremamente difícil. O que eu espero para o Brasil sair disso, neste ano que vai se iniciar, é transparência. Justiça é o que o Brasil merece em 2020. Que o Poder Judiciário tenha coragem de enfrentar o abismo que ele precisa enfrentar neste país. Que não vai ser fácil. O Poder Legislativo já teve a sua crise. O Poder Executivo teve, tivemos um impeachment. É preciso que o Poder Judiciário restabeleça no Brasil o que é justiça. Que restabeleça parâmetros mínimos para julgar as pessoas. A gente não pode simplesmente olhar o Brasil, como a gente está olhando, vendo o país cair nesse abismo, e dizer: "Não, não tem jeito". Quem vai fazer alguma coisa? É preciso que aconteça alguma coisa. A única coisa que o Brasil merece em 2020 é rumo. Seja qual for, sabe? Que alguém dê um rumo. Porque não dá mais para a gente manter essa destruição das instituições, das relações humanas, políticas, sociais. Não tem como não se envolver com isso. É impossível.

VOLTANDO UM POUCO À METÁFORA DO TRANSATLÂNTICO BRASILEIRO: OS TRIPULANTES, A SOCIEDADE, CONSEGUIRIAM DAR UM RUMO PARA ISSO? OU NÃO TEMOS ESSE PODER DE REALMENTE COLOCAR A EMBARCAÇÃO NO CAMINHO?

Diante de grandes crises, nós não devemos trabalhar com a reatividade, e nem com a resistência. Não é hora de resistir ao que está acontecendo. É hora de afirmar algo novo. É hora de dizer "sim". Sim, nós somos um grande país. Sim, não nos identificamos com o discurso fascista que cresceu em nossa sociedade. Não é isso que é o Brasil. Tem isso no Brasil, mas nós não precisamos nos identificar com isso. Sim, eu gosto da vida, eu gosto do mundo, eu gosto da praia, eu gosto do Carnaval, eu gosto do jazz, eu gosto da bossa nova. Eu gosto da alegria. Eu gosto da vida. É isso que o Brasil tem que fazer neste final de ano.

COMO?

Nós precisamos voltar a viver. Reafirmar o corpo e a alegria. Olhar adiante pensando, com clareza e certeza: isso vai passar. O Brasil continuará. Esse momento ficará apenas como uma mancha na nossa história. Isso que está acontecendo não vai destruir o Brasil. De jeito nenhum, de nenhuma forma. O Brasil é muito maior do que essa marola, que no momento parece um tsunami. É uma marola. Esse momento ruim que a gente está vivendo, um momento de desgoverno, com pessoas incapazes ocupando altíssimos cargos na hierarquia, esse momento tão ruim que a gente está vivendo vai passar. Porque não é isso que nos caracteriza. 

A gente vai ganhar rumo de novo. E a gente vai passar por isso e ainda rir muito de tudo o que aconteceu. Apesar de todo o sofrimento que estamos tendo hoje... Defendo que a gente festeje. Que a gente faça um Réveillon lindo, cheio de corpo, de arte, de vida. Porque as pessoas estão deprimidas. Elas estão sofrendo com tudo isso. Mas isso vai passar. Então é hora de a gente afirmar a vida. Afirmar o corpo, afirmar a arte. Isso é uma coisa que o Brasil sabe e pode ensinar para o mundo todo.

POR QUE A ARTE, QUE TEM SIDO MUITO ATACADA, É TÃO IMPORTANTE NESSE MOMENTO?

A arte é o impulso dos corpos. Se você perde alguém que ama por abandono ou por morte, é uma dor insuportável. Muito insuportável. Mas, no momento de luto, de maior sofrimento, a gente precisa expressar o que sente. E, na hora em que você consegue expressar o que você sente por meio da música, por exemplo, que é algo muito marcante - ou de qualquer outra arte, do poema... -, quando você consegue expressar seu sentimento, você continua sofrendo, mas ganha um extra de vida e alegria, que é a capacidade de expressar. Nós nascemos para nos expressarmos. Quando a gente expressa o que sente com muita potência, a gente ganha força, ganha alegria. A dor da perda não diminui, mas ela se equilibra. Então a nossa perda está lá. 

A nossa dor, todo o nosso sofrimento com esse ano tão ruim, não apenas com política, mas com tudo isso que você citou, com Brumadinho, que foi uma coisa horrorosa, o Ninho do Urubu (centro de treinamento do Flamengo), com tudo o que a gente passou neste ano, com toda a dor humana, existencial que a gente tem nesse momento, a gente precisa exatamente de uma alegria extra, sabe? E é por isso que existe a arte. Para que a vida seja possível para o ser humano. Porque, se a gente tivesse consciência, e não tivesse arte, a vida seria horrível. Então vamos resgatar a arte. Por isso que ela está sendo atacada. Ninguém manipula um povo forte. E a arte nos dá força.

E COMO ENCONTRAR A FELICIDADE NESSE CONTEXTO? DEVEMOS BUSCÁ-LA SOZINHOS OU É PRECISO ALGO MAIS AMPLO, UM ESTADO DE BEM-ESTAR GERAL QUE NOS TORNE MAIS ALEGRES COMO UM TODO?

É que não existe felicidade. A ideia de felicidade é inventada pelo consumo. Não tem felicidade. Felicidade é aquilo que você vê quando compra uma roupa na loja. Parece que aquilo vai te trazer alguma coisa, mas não vai trazer nada. Aquilo é só consumo. O que existe é a alegria. E alegria é boa compartilhada. Ninguém quer ser alegre sozinho. Promova a sua alegria. Quando você estiver muito alegre, vai ver que a primeira coisa que vai querer é dividi-la. É triste ser alegre sozinho. E a gente precisa produzir alegria a partir do indivíduo mesmo. Eu sinto alegria cuidando das minhas plantas. Eu tenho animais que amo. Amo a natureza. Costumo dizer que, para ganhar alegria, você tem que amar alguém ou algo que não vá embora, que não te abandone. 

Se você ama o mar, ele vai estar sempre lá, te dando um banho legal. Então produza a alegria, a sua primeiro, pessoal, individual, única, que te alegra. Quando você estiver se sentindo alegre, você vai ver que você vai ter vontade de estar com as pessoas, vai dividir isso com os outros. É isso que a gente tem. Trocar essa alegria. Especialmente das coisas simples. Agora, não busque a felicidade, por favor. O que é a felicidade? É um ideal. É um ideal eterno. Se você pensar bem, sempre tem consumo nesse ideal. Ouvi uma música esses tempos, da Ludmilla, que fala: "Uma taça de Chandon/ Um calor no edredom". Podia ter só o edredom. Não precisa o Chandon ali. Já tem o edredom, tem o batom... A consciência da alegria nas coisas simples nos faz viver melhor. Não precisa mais e mais.

E CONSEGUIMOS DIFERENCIAR UMA ALEGRIA VERDADEIRA DAQUELA FELICIDADE FABRICADA? QUER DIZER, NÃO BASTA SAIR DE FÉRIAS PARA ESTAR FELIZ, NÃO É PASSEANDO PELA EUROPA QUE TODOS ESTARÃO VERDADEIRAMENTE ALEGRES...

Para você ter uma ideia, o retorno das férias é o momento de mais busca por psicólogos, terapeutas. As férias são a pior época. As pessoas piram, se separam. A maioria das pessoas se separa em uma viagem para a Europa. Sonha com a viagem, mas volta de lá separado. Porque não é felicidade que a gente procura. A gente tem que entender que a vida é algo difícil. Mas também tem muita alegria. Então a vida é feita de ganhos e perdas. O alvo não é ser feliz, o alvo é aprender a viver. E tirar da vida mais proveito. Tira proveito da vida quem conhece a vida. Quem é um sábio. E não é preciso dinheiro para ter sabedoria. Agora, a civilização te promete felicidade. Ela diz assim: "Não se relacione com a vida. Não perca tempo. A vida é muito difícil. Não precisa sentir dor, não. Para quê? Toma uma medicaçãozinha e dorme, não tem insônia. Toma uma medicação de manhã e você vai se sentir melhor". A gente tem que aprender que os sofrimentos e as perdas são algo que nos impulsiona adiante. Que fazem a gente crescer. O que é crescer? Não é ser maior para os outros. É ser maior para você. E o seu contorno psíquico será mais amplo. Um contorno, uma alma mais ampla é uma alma que se relaciona melhor com a exterioridade. Com o mundo, com a vida. A gente tem que buscar isto: grandiosidade de alma. E não ganhar do outro nos produtos, o que é muito baixo.

TEMOS VISTO UM APARECIMENTO MAIOR DA FILOSOFIA NO NOSSO DIA A DIA. MUITA GENTE, NÃO SÓ NO BRASIL, ESTÁ FICANDO CONHECIDA POR ESSA ÁREA DO PENSAMENTO. ESSA POPULARIDADE CHEGA A JÁ CONFIGURAR UMA FILOSOFIA BRASILEIRA?

Espero que (a filosofia brasileira) não seja a do Pondé (Luiz Felipe Pondé, filósofo conservador). Qualquer outra, estou achando linda. Mas eu vou responder a sua pergunta. Sim, o Brasil tem desenvolvido, cada vez mais, o interesse pela filosofia, pelo debate, pelo pensamento. Os pensadores mais conhecidos levam multidões para um teatro. Na maioria das vezes, esse pensamento que tem sido levado é um pensamento superficial, mas é necessário que ele exista, porque para educar a grande massa da população é preciso que esse pensamento seja muito simples inicialmente. Mas é um pensamento que fisga as pessoas para outros livros. 

Então eu acho que está tudo correto. Acho muito bacana. Todos os pensadores mais conhecidos, que utilizam a filosofia, ou sociologia, antropologia, arte, que trazem esse debate e que têm uma multidão de seguidores, fazem um grande trabalho. Porque eles exatamente mostram às pessoas que o conhecimento é algo necessário. E dali em diante elas vão buscar livros mais elaborados. Tudo lindo. Agora, eu só não posso considerar nessa lista o Olavo de Carvalho e o Pondé. Eu não considero que esses pensadores tragam mais do que preconceito e desserviço intelectual.

MUITOS FILÓSOFOS DA ATUALIDADE TAMBÉM SÃO PSICANALISTAS. VOCÊ IDENTIFICA QUE ESTÁ SE FORMANDO UM NOVO CAMPO DE ESTUDO QUE CONVERGE ESSAS DUAS ÁREAS DE CONHECIMENTO?

É que a psicanálise vive uma crise severa. Precisa rever todos os seus conceitos. A psicanálise não morreu. Não é isso o que estou dizendo. A psicanálise é um corpo teórico altamente sustentável no sentido de partir de um trabalho muito consistente feito por Freud e por seus seguidores. Isso não é desfeito. Mas Freud só pôde ser capaz de ler o seu tempo. Até uma certa hora, uma certa medida. Ele traz algo que é universal, mas a partir de um certo momento do seu trabalho, ele é limitado pelo seu tempo. Que, hoje, é passado. Nós vivemos uma crise do humano. Nós vivemos a exaustão humana neste momento. Não temos mais a neurose como base da sociedade. Nós temos a perversão. Nós temos o ódio que reina neste momento. 

Na época do Freud, o ser humano era estável e neurótico. Então o sofrimento dele era não ter acesso à sua sexualidade. Porque vivia um período de repressão. Hoje, é exatamente o contrário. A nossa animalidade está aflorando. Nós estamos perdendo qualquer tipo de contorno. Então, a psicanálise necessita da filosofia. Porque a filosofia não é clínica - quer dizer, pode ser, em um caso específico, mas a filosofia pura que eu estou falando -, a filosofia em si, por ser uma sofisticação do pensamento, é mais aberta à inovação. Ela não tem um compromisso com o paciente, por exemplo. Ela tem mais liberdade. Então a psicanálise precisa da liberdade da filosofia para ousar no pensamento e reconstruir os seus modelos.

GUILHERME JUSTINO