sábado, 27 de abril de 2024


27 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Inexplicável!

Um incêndio estendeu o escuro da noite e cobriu a capital gaúcha de trevas e mortes durante a manhã de sexta-feira. Dez pessoas morreram, 15 ficaram feridas, num dos focos de fogo mais incompreensíveis dos últimos tempos, que atingiu uma pousada na Avenida Farrapos, entre as ruas Garibaldi e Doutor Barros Cassal, próximo a um posto de combustíveis. Os bombeiros chegaram por volta das 2h20 da madrugada.

Trata-se do segundo mais letal incêndio de Porto Alegre, apenas atrás da tragédia no emblemático prédio da Lojas Renner, na tarde de 27 de abril de 1976 (quase a mesma data), que matou 41 pessoas e deixou dezenas de feridos.

Não há como disfarçar a indignação. É sempre um luto carregado de raiva, bílis e injustiça. Será que são necessários 10 falecimentos, 10 famílias enlutadas para agora investigarmos se o hotelzinho realmente precisava do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI)?

Se a burocracia está em ordem, se a documentação está em dia, de quem é a culpa? Como uma estrutura de tantos riscos evidentes é aprovada para operar como pousada, na condição de alojamento de baixo risco, com a dispensa de alvará e autorização de funcionamento?

Será consequência da brandura da lei, engessando a fiscalização a ponto de esta só atestar falhas de monitoria depois de um desastre, quando já é tarde demais, quando existe uma fileira de covas abertas e caixões em procissão?

No albergue de três pavimentos, os modestos quartos eram colados uns nos outros, revestidos de madeira, sem a devida e adequada ventilação. Não tinha como fugir. Não tinha como escapar. Quem se via exausto, em sono profundo, jamais despertou.

Era uma ratoeira, um labirinto com único acesso pelas escadas, desprovido de plano e sinalização para evacuação rápida. Pela vista aérea dos destroços da edificação, da qual permaneceu somente o esqueleto carbonizado, percebe-se que se resumia a uma panela de pressão, com condições propícias ao alastramento das chamas e a sucessivas explosões.

Não aprendemos nada com as centenas de óbitos de estudantes em Santa Maria, na Boate Kiss. A amnésia repete as dores. O esquecimento reutiliza os scripts de falta de segurança, comprometendo covardemente vidas inocentes, que pagaram um quarto para pernoite, a cinco minutos da Rodoviária, jurando que se achavam protegidas.

Já que o espaço vinha sendo usado pela Secretaria de Assistência Social como moradia para desabrigados e desassistidos, a gravidade da ocorrência aumenta. O contrato público com a rede de pousadas, que possui outros três endereços em Porto Alegre, recebeu renovação com a prefeitura em dezembro do ano passado.

Que licitação é essa que repassa R$ 2,7 milhões por 360 vagas naquilo que acabaria sendo um cemitério? Com certeza, diante da precariedade das instalações, os moradores de rua, em situação de vulnerabilidade, estariam mais resguardados dormindo ao relento, debaixo das marquises.

Quantos gritos de socorro terminaram afônicos pela toxicidade da fumaça? Quantos assentos de ônibus seguiram vagos, sem o seu passageiro regressando ao lar no Interior? Tudo está sendo apurado, tudo é recente, mas, pelos indícios até então, dá para concluir que o incêndio poderia ter sido facilmente evitado.

Se não foi alguém que o provocou de propósito, a prefeitura deve oferecer uma resposta, pois o incêndio ocorreu sob sua autorização, sob sua tutela, num acordo em vigor de albergamento, no centro da cidade, numa de nossas mais movimentadas avenidas.

Queremos saber. Não basta oferecer os pêsames a Marcelo Wagner Schelech, 56 anos, um dos sobreviventes, que não conseguiu socorrer sua irmã, que não teve chance de salvá-la, que carregará o trauma de ter saído dali sozinho. Ele carece de uma explicação.

CARPINEJAR

27 DE ABRIL DE 2024
FLÁVIO TAVARES

DATAS INESQUECÍVEIS

A data de 25 de abril, ocorrida dias atrás, é inesquecível. Festejamos agora os 50 anos da Revolução dos Cravos, que em 1974 derrubou em Portugal a ditadura mais longa da Europa, estabelecida em 1932. Aqui no Brasil, porém, sucedia o oposto: 10 anos depois, no mesmo dia, a Câmara dos Deputados rejeitava a Emenda Dante de Oliveira, que restabelecia a eleição direta do presidente da República, suprimida em 1964 pelo golpe militar direitista.

Em Portugal, pela primeira vez no mundo, um movimento militar instituía a democracia. Na ponta dos fuzis, os soldados levavam um cravo vermelho, símbolo da paz, sem opressão. O movimento das forças armadas nasceu para opor-se à cruenta repressão às guerras de libertação nas colônias portuguesas da África.

Naquele 1974, tudo foi diferente. Começou com a tomada da Rádio Nacional e a transmissão da canção Grândola, Vila Morena, proibida pela censura ditatorial. Era a senha que mobilizou os quartéis. O major Otelo Saraiva de Carvalho comandou o golpe, mas, vitorioso, não ocupou nenhum cargo no governo.

Já consolidada a democracia e a liberdade de expressão, morei dois anos em Portugal no século passado. Permaneciam, porém, alguns vestígios da longa ditadura. Parte das mulheres se vestia de preto, tal qual nos tempos idos, quando elas eram relegadas à condição de "seres inferiores", sem direito à cor sequer nos trajes.

Em compensação, havia uma explosão de liberdades, em que grupos de esquerda e direita disputavam território. Lembro-me da cena inimaginável em qualquer canto do mundo, mas lá habitual naquela época - transeuntes e automobilistas discutiam na rua com policiais de trânsito, sem que estes sequer esboçassem qualquer reação.

Entre nós, porém, 10 anos depois, outro 25 de abril tornou-se inesquecível pelo absurdo de a Câmara dos Deputados rejeitar emenda à Constituição que reinstituía o direito do voto direto na eleição do presidente da República, abolido pelo golpe militar de 1964.

Os tempos já são outros e podemos festejar.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

27 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

DESLEIXO FATAL

É muito fácil levantar suspeitas e apontar culpados quando uma tragédia abrevia vidas humanas de forma tão cruel como ocorreu na madrugada de ontem, no incêndio da Pousada Garoa, em Porto Alegre. A comoção causada pelas mortes exige respostas imediatas e tende a gerar precipitações. Porém, embora seja mais sensato aguardar os resultados das perícias e das investigações policiais, não há dúvidas de que autoridades públicas e administradores do estabelecimento falharam nos cuidados, na fiscalização e na prevenção - desleixo fatal e inadmissível num Estado com memória traumática de sinistros semelhantes.

A verdade inquestionável é que o hotel popular tinha convênio com a Fundação de Assistência Social e Cidadania, o órgão da prefeitura da Capital que trata do acolhimento de cidadãos, famílias e grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Além disso, segundo o Corpo de Bombeiros, o local não tinha alvará de funcionamento nem Plano de Proteção Contra Incêndios, o chamado PPCI. Mais: pelo testemunho de moradores e frequentadores, já se sabe que as instalações eram precárias e malcuidadas, tanto em relação à segurança quanto à higiene. Em resumo, mais uma armadilha construída pela imprevidência e pelo descaso, como nos célebres casos da boate de Santa Maria e da creche de Uruguaiana, que também causaram numerosas vítimas e chocaram a população gaúcha.

Há, portanto, culpados - e é imprescindível que essas pessoas sejam responsabilizadas na proporção exata de suas participações ou omissões na cadeia de incúrias que gerou a fatalidade. Porém, mais importante do que eventuais punições deve ser o trabalho de rescaldo voltado para a prevenção. Nesse âmbito, as falhas são mais amplas e coletivas, incluindo aspectos como o abrandamento da legislação protetora e a insuficiente fiscalização, que possibilitam o funcionamento de estabelecimentos comerciais, prédios residenciais e habitações sem as mínimas condições de segurança.

A população gaúcha, infelizmente, ainda não conseguiu adotar uma cultura de prevenção capaz de interromper o rastilho das tragédias antes do desfecho inexorável. Quando as autoridades não são suficientemente confiáveis e diligentes no exercício de suas obrigações, cabe ao cidadão fiscalizar, denunciar e exigir providências corretivas para não se tornar vítima do desmazelo.

Não podemos continuar convivendo com o perigo. E nem aceitando pacificamente que autoridades, representantes políticos e proprietários de estabelecimentos sinistrados fujam de suas responsabilidades. No caso recente, já é perceptível um certo jogo de empurra por parte de algumas pessoas ouvidas. Só falta tentarem culpar as vítimas que caíram na armadilha do desleixo porque não tinham outra alternativa de abrigo digno. O momento é de comoção e de compaixão pelos mortos, pelos feridos e por seus familiares e amigos, mas não se pode perder de vista a necessidade de investigação minuciosa que leve à responsabilização dos negligentes e à retomada de mecanismos eficientes de prevenção.


27 DE ABRIL DE 2024
+ ECONOMIA

Mundo do vinho quer conquistar jovens

Iniciativas isoladas já tentavam "puxar" o consumidor jovem para o vinho, mas agora haverá esforço de todo o segmento para atrair o público entre 25 a 35 anos.

Segundo Luciano Rebellatto, que preside o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado (Consevitis-RS), haverá mudanças em produtos e processos para oferecer mais bebidas leves e com menor teor alcoólico, além de campanha que estreia nos próximos dias com o mote "Vai de vinho brasileiro" - em várias situações.

- Nosso clima não propicia que uvas amadureçam muito. O resultado é maior refrescância, que ajuda - observa.

Como aos jovens também é atribuída a característica de ter maiores exigências sociais e ambientais, a coluna quis saber se há alguma pendência relacionada ao caso de trabalho análogo à escravidão que envolveu empresas do setor.

Segundo Rebellatto, como a percepção predominante foi de que se tratava de caso isolado, não houve impacto no consumo. O de imagem, avalia, foi momentâneo. Houve aprendizado e correção de práticas do setor.

Por reoneração, Lula contrata crise com Congresso e setores

Ao insistir em reonerar a folha de pagamento pela via judicial, o governo Lula contratou nova crise com o Congresso e os setores econômicos contemplados justo no final de uma semana marcada por aparente pacificação. Houve reação forte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e de líderes empresariais e municipais, já que prefeituras também foram contrariadas.

Por mais que tenha fortes argumentos - a despesa não está no orçamento e há vedação constitucional a benefícios com base nas receitas da Previdência -, o governo entra em batalha difícil de ganhar e, caso consiga, terá vitória amarga.

No setor privado, o impacto é profundo, uma vez que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm efeito imediato. Ou seja, seria necessário adaptar o pagamento já na próxima folha. A Abicalçados considerou um "retrocesso" e um "desrespeito ao trâmite" do Congresso. Conforme a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), a decisão no STF "cria um cenário de total imprevisibilidade" e "abala a confiança dos setores produtivos". A Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) argumentou que haverá "paralisação de investimentos essenciais".

Dado o perfil mais diplomático do presidente do Senado, chamou atenção a elevação de tom do discurso de Pacheco, que apontou "perplexidade e muita insatisfação". E, pior para o governo Lula, aderiu à pressão para que se corte gastos para alcançar equilíbrio fiscal:

- Vamos fazer um debate a respeito de como se aumenta a arrecadação sem sacrificar o contribuinte que produz e gera emprego e onde podemos cortar excessos de gastos.

É bom lembrar que Pacheco é padrinho de proposta de emenda constitucional dos quinquênios, que aumenta o gasto público, segundo o Ministério da Fazenda, em R$ 42 bilhões ao ano.

é o número de cooperados alcançado pela Unicred Central Geração, que atua no RS e em outros 10 Estados. Com mais de três décadas de atuação, a cooperativa financeira chega pela primeira vez a essa marca. Presente em todo o país, o Sistema Unicred, da qual a Central Geração faz parte, conta com 29 cooperativas, 370 agências e cerca de 310 mil cooperados.

MARTA SFREDO

27 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Lições deixadas pelo incêndio que matou 10 em Porto Alegre

Tragédias como a que deixou 10 mortos e 15 feridos na pousada da Avenida Farrapos, em Porto Alegre, nos obrigam a olhar para o futuro escaneando o passado para identificar o conjunto de falhas que criou o cenário para o incêndio. Foi assim no caso da boate Kiss, com seus 242 mortos. Como nos acidentes com aviões, é um conjunto de erros ou omissões somados que explica o sinistro. A isso não se pode chamar de fatalidade.

No caso da pousada Garoa, que abrigava pessoas pobres, sem teto, acolhidas pela assistência social da prefeitura ou que procuravam um lugar barato para morar, é preciso começar do início. Como pode um prédio naquelas condições ter licença para funcionar como pousada/hotel/hostel sem ter um plano de prevenção e combate a incêndio (PPCI)?

Ora, essa é a realidade da maioria dos prédios de Porto Alegre, públicos e privados - um dos edifícios mais exclusivos do bairro Moinhos de Vento não tem. O PPCI, popularizado depois do incêndio da Kiss, é uma obra de ficção em boa parte da cidade.

Mas e o alvará? A lei da liberdade econômica, cantada em prosa e verso como a solução para atrair investidores e combater a burocracia, permite que o "empreendedor" abra uma pousada sem que se faça qualquer fiscalização. Basta declarar que se enquadra como atividade de baixo risco.

Em geral, os proprietários buscam maneiras de agilizar o licenciamento, baratear custos e escapar da burocracia e das fiscalizações. Mas será que uma pousada improvisada em um prédio antigo é mesmo uma atividade de baixo risco?

Quando essas leis são aprovadas, não se faz a necessária reflexão. A sociedade só questiona quando ocorre a tragédia. A Lei Kiss, que foi aprovada a duras penas, é flexibilizada o tempo todo. No Estado mesmo, em 2022, dezenas de atividades foram liberadas do licenciamento do Corpo de Bombeiros. Repetindo o que fizeram os antecessores, o governador Eduardo Leite adiou para 2026 a vigência plena da lei, mesmo alterada e descaracterizada.

ROSANE DE OLIVEIRA

27 DE ABRIL DE 2024
MARCELO RECH

Imprescindíveis

Empresário experiente, um amigo costuma definir carinhosamente como "gauchinhos metidos" aqueles que, como ele, não se conformam com limitações de um Estado no extremo de um país periférico e enxergam o mundo como uma extensão da querência. Os gauchinhos metidos fazem deste torrão a plataforma para ganhar o Brasil e o Exterior ou para ser uma vitrine de excelência que atrai olhares de admiração. São, por isso, decisivos para fazer do Rio Grande o que ele representa hoje e o que poderá alcançar no futuro.

Eram gauchinhos metidos os criadores da Varig e da Ipiranga e políticos que moldaram boa parte da história brasileira no século passado. E são gauchinhos metidos muitos dos fundadores e os que tocam hoje empresas como Randon, Gerdau, Évora, Tramontina e Marcopolo, entre tantas outras que visualizam em um mapa-múndi as suas operações. Na cultura, Erico Verissimo e Moacyr Scliar cantaram sua aldeia e seguem universais, assim como o é Yamandu Costa. E, com todo o respeito, há muitas mulheres tão ou mais lindas que Gisele Bündchen, mas foi principalmente sua atitude de gauchinha metida que a levou à glória e ao reconhecimento internacionais.

Na raiz da disposição de conquistar o mundo, está uma pergunta íntima: por que não? O que nos impede, tal e qual europeus ou norte-americanos, de sairmos do casulo que aprisiona potenciais e de amarrarmos pacificamente nossos cavalos simbólicos nos obeliscos das principais capitais do planeta? No fundo, o que nos limita é aceitar, passivamente, que a gaúchos e brasileiros resta nos contentarmos com papéis secundários na grande ópera universal.

Na seleção de gauchinhos metidos, um novo expoente é o empresário Fernando Goldsztein, que, movido inicialmente por uma luta familiar, tomou nas mãos o desafio de buscar a cura do meduloblastoma, o segundo tipo de câncer mais comum na infância. Em 2015, seu filho com então nove anos foi diagnosticado com a doença. Ao constatar que os protocolos de tratamento haviam evoluído quase nada desde os anos 1980, ele fundou e se dedica agora de corpo e alma à The Medulloblastoma Initiative, um consórcio mundial de cientistas que já produziu uma série de avanços no enfrentamento de um câncer de cérebro que acomete 30 mil crianças por ano.

Quando David Coimbra se tratou experimentalmente no Dana-Farber Cancer Institute, em Boston, ele teve a sorte de encontrar no grupo de pesquisadores outro gauchinho metido, o jovem oncologista André Fay. David contava: "O André e os outros caras dizem que estão ali pra achar a cura do câncer. Só isso. E eles vão achar".

Essa é a postura que muda destinos de pessoas, famílias, empresas, Estados e nações. Os imprescindíveis gauchinhos metidos não se gabam nem vivem a reclamar. Simplesmente vão lá e fazem.

MARCELO RECH

27 DE ABRIL DE 2024
INFORME ESPECIAL

O frio na barriga

No próximo dia 7 de junho, entre idas e vindas, vou bater uma marca pessoal: 25 anos desde que pisei pela primeira vez no prédio de Zero Hora, em Porto Alegre. Eu ainda era estudante de Jornalismo e acabava de ser contratada como auxiliar de redação. Detalhe: com o salário de R$ 269,05 (nunca esqueci) e um baita frio na barriga.

Lembrei-me disso nessa semana, quando ouvi o Nelson Sirotsky, nosso publisher (não me pergunte o que isso quer dizer, mas, resumindo, é quem manda na "lojinha"), contando o que sentiu quando teve de falar pela primeira vez na redação.

- Eu tive medo. Até minhas pernas tremiam - confidenciou Nelson, no mesmo local, três décadas depois, arrancando gargalhadas da turma, às vésperas dos 60 anos de nossa querida Zero Hora.

Jornalistas, você sabe, são seres questionadores, céticos e críticos por natureza (para não dizer chatos). Agora imagine isso multiplicado por 200, no mesmo lugar, com todos os olhos cravados em quem está falando - nesse caso, o chefe (nem ele escapa do escrutínio).

Nelson cresceu na Zero Hora, levado pelas mãos do pai, Maurício, e do tio Jayme Sirotsky. É praticamente um de nós. Tem jornalismo nas veias. E, veja bem, ele sentiu medo.

Costumo ouvir, de pessoas que me abordam para conversar, diferentes versões da mesma pergunta:

- Como é trabalhar lá?

No primeiro dia, eu também fiquei apavorada. Primeiro, porque não sabia se daria conta. Segundo, porque essa redação tem história - e prêmios, muitos prêmios, de dar orgulho em qualquer jornal do mundo. Em terceiro lugar, porque ali, diante de mim, estavam os melhores jornalistas do Rio Grande do Sul.

Quem não ficaria aflito?

Enquanto escrevo este texto, olho ao meu redor. Na minha frente, na mesa, está o Rodrigo Lopes, conversando com o Vitor Netto. Ao meu lado esquerdo, o Ticiano Osório finaliza uma página. Do direito, o PG, a Gisele Loeblein e a Carolina Pastl trabalham. Na outra ponta, a Amanda Souza dedilha no teclado, concentradíssima.

É um privilégio trabalhar ao lado de tanta gente interessante. O mais legal são as conversas. Uma hora, é o Rodrigo falando de geopolítica. Dali a pouco, o tema é o filme que o Ticiano indicou em ZH. Quer saber das perspectivas do La Niña? A Gisele fala (e sempre, de algum jeito, nos faz sorrir). E o que dizer da Amanda, que entrou ao vivo, em rede nacional, em pleno BBB, lá do Alegrete?

Trabalhar em um lugar assim é estar ao lado de profissionais que têm muito a dizer. E é ouvir histórias saborosas, hilárias e (às vezes) impublicáveis.

Já não há mais o tec tec contínuo das máquinas de escrever, da época em que a redação era majoritariamente masculina, onde se fumava e - reza a lenda - se bebia muita cachaça. Esse tempo passou.

Hoje, o salão cheio de computadores e telas de TV é um lugar marcado pela diversidade e por um jornalismo adaptado aos novos tempos, no papel, no site, nas redes sociais e no que mais aparecer. Se eu perdi o medo? Sim, perdi. Mas preciso te contar uma coisa: o frio na barriga continua. Como da primeira vez.

É a maior crise de Canoas de todos os tempos. Como o terceiro maior PIB do Estado chegou a esse caos?

SHIRLEY FERNANDES

Presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Canoas, sobre as turbulências politicas, financeiras e de atendimento na saúde enfrentadas pelo município.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem que, em vez de ler um livro, perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Presidente da República, cobrando do ministro e de outros membros do primeiro escalação maior participação na articulação política.

Eu tenho erros e acertos, não tenho problema de reconhecer o erro quando eu faço.

ARTHUR LIRA

Presidente da Câmara, no programa Conversa com Bial, admitindo erro ao ter chamado o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de "desafeto pessoal" e "incompetente".

A nossa bancada não tem como dar acordo. Não há possibilidade de votar favoravelmente.

LUIZ FERNANDO MAINARDI

Líder da bancada do PT na Assembleia, negando apoio ao projeto do governo Leite para elevar a alíquota geral de ICMS de 17% para 19%.

O que mais me dói é saber que ele sofreu lá dentro.

JOÃO FANTAZZINI JÚNIOR

Tutor do golden retriever Joca, cão morto durante transporte aéreo, após a Gol errar o destino e submeter o animal a um tempo de viagem muito superior ao que suportaria.

Fiquem tranquilos, não vamos a lugar algum.

SHOU ZI CHEW

Presidente-executivo do TikTok, após EUA aprovarem lei que pode banir a rede social chinesa do país, prometendo contestar no judiciário a legislação.

Temos que pagar os custos (pela escravidão). Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso.

MARCELO REBELO DE SOUSA

Presidente de Portugal, que admitiu responsabilidade histórica do país no período colonial em relação a escravidão, massacre de indígenas e saque de bens em terras estrangeiras.

arte

Retrato de um Homem Lendo Jornal

Desde que um alemão chamado Johannes Gutenberg "inventou" a imprensa, com a criação da máquina de impressão tipográfica, no século 15, o hábito da leitura diária se multiplicou e ganhou espaço, também, nas artes visuais. Inúmeras são as obras que reproduzem a ação.

Ao lado, você vê um exemplo disso na tela Retrato de um Homem Lendo Jornal, pintada no início do século 20 pelo artista francês André Derain, um autodidata que começou a carreira aos 15 anos.

Originalmente, o periódico que vemos nas mãos do tal homem era real, colado diretamente na tela. Curioso, né? O quadro pertence ao acervo do Museu Hermitage, que fica em São Petersburgo, na Rússia.

INFORME ESPECIAL

quinta-feira, 25 de abril de 2024


25 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Alpinistas de cancelas

Existem os alpinistas das cancelas do shopping. Os que praticam rapel na hora de mostrar o comprovante de pagamento. Vou explicar. Já testemunhei infindáveis casos. Na saída do estacionamento, no momento de encostar o tíquete no visor eletrônico, o motorista faz a proeza de parar o carro longe do token. Falta braço. É um goleiro de braço curto.

Começa o constrangimento público, absolutamente evitável. Ele fica encalacrado no quase. Estica-se todo pela janela aberta, sem conseguir a validação. É possível escutar, mesmo a distância, os seus ossos estalarem em forçado alongamento.

Com o fracasso, com o engarrafamento aumentando atrás de si, com o medo da buzinada contagiosa dos colegas de ocasião, ele é tomado pela pressa, pela ansiedade, e se lança para uma missão impossível: tirar o cinto e abrir a porta do carro. Só que tampouco quer ter o trabalho de apagar o veículo e andar, recusa-se a empreender a tarefa calmamente do lado de fora.

Não aceita desligar o motor. Não admite desistências. Então, vira um Minotauro: metade gente, metade touro. Mantém incrivelmente o pé no pedal do freio e pisa no chão com o outro, jogando o seu corpo para frente, escalando o topo da montanha da cancela, tentando inutilmente levantar o código de barras do cartão para liberar o acesso.

Não é que seja um péssimo motorista, não é que não goste de balizas. É a crença afoita de que passará pela cancela, não precisará estacionar na cancela como se fosse uma vaga provisória. Ele executa uma decisão equivocada, intuitiva.

Pensa que será uma transição rápida, e não capricha. Encalha na passagem. Nem sempre tem um fiscal por perto para acudir. Nem sempre ocorre a leitura automática da placa por câmera. Além da coreografia cômica, não há como o espectador da confusão não temer um desastre.

Seria muito mais prudente aceitar a primeira falha para não vacilar tanto depois. Seria muito melhor dar uma ré quando havia espaço de retaguarda e alinhar as rodas para se colocar mais próximo.

A cena ilustra nossa resistência ao recuo. Temos uma noção de que recuar é covardia, é ausência de convicção, é derrota moral, e realizamos parvoíces em nossa vida. Avançamos mesmo estando errados, e apenas acentuamos nossa conduta desfavorável.

Uma grande mentira já foi pequena antes. O tempo que você levou para assumir a verdade é que aumenta a gravidade da situação. Um grande erro já foi ínfimo antes. O exaustivo adiamento até a reparação é que o torna irreversível.

O perigo mora nos detalhes. Retroceda no ato. Desculpe-se enquanto age.

CARPINEJAR

25 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

POTENCIAL SUBAPROVEITADO

O país tem um considerável espaço para aumentar a movimentação de cargas em suas águas internas, diminuindo custos e desafogando rodovias. Um estudo publicado em fevereiro pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) apontou a existência de 20,1 mil quilômetros de hidrovias economicamente viáveis no país. Ainda assim, seria menos da metade da real extensão aproveitável. 

Mas é um potencial que começou a ser mais bem explorado, como mostrou o Anuário Agrologístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), conhecido nesta semana. Nos últimos 13 anos, o escoamento de milho e soja por hidrovias no país cresceu de 3,4 milhões para 30 milhões de toneladas. Em 2010, o modal tinha uma participação de 8% no escoamento da safra. A fatia chegou a 19% no ano passado, após chegar a 23% em 2022.

O transporte hidroviário não é viável em todas as regiões. Depende da existência de rios e outros grandes corpos d´água navegáveis. O Rio Grande do Sul é um dos Estados privilegiados e pode avançar com hidrovias em trechos dos rios Gravataí, Jacuí, Taquari, Caí e Sinos, no Guaíba e nas lagoas dos Patos e Mirim. Os gaúchos, aliás, foram no século 19 pioneiros nesta alternativa no país.

Na década de 1970, eram aproximadamente 1,2 mil quilômetros de vias navegáveis no Estado. Hoje, seriam cerca de 770 quilômetros, indicam entidades e órgãos públicos vinculados ao setor. Três anos atrás estimava-se que apenas 3% do fluxo de mercadorias no Rio Grande do Sul ocorria por hidrovias. Especialistas avaliam que seria possível chegar a algo próximo de 12%. 

Dragagens insuficientes, sinalização precária e burocracia para a criação de terminais privados vinham sendo citadas ao longo do tempo como principais entraves. Talvez seja inviável retomar a extensão utilizável de meio século atrás, mas é possível ao menos viabilizar os trechos existentes para ampliar o transporte de granéis em grande volume. Existe espaço não apenas para grãos, mas para celulose, petroquímicos e fertilizantes, produtos exportados e importados pelo Estado.

Alguns movimentos trouxeram alento e outros podem contribuir para a recuperação do modal. A legislação portuária foi modernizada e permitiu o surgimento de mais terminais privados. Há processos de concessão em andamento. Uma hidrovia entre o Brasil e o Uruguai é considerada prioridade pelo governo federal e espera-se para este ano a dragagem da Lagoa Mirim. O Palácio Piratini, ao mesmo tempo, iniciou em fevereiro um processo de atualização do Plano Estadual de Logística e Transportes (Pelt), que também analisará a infraestrutura existente e as demandas do modal. O estudo deve estar concluído em 2025.

Cerca de 90% da matriz de transporte do Rio Grande do Sul é rodoviária. Há boa margem para elevar a participação dos modais ferroviário e hidroviário, desde que se solucionem gargalos. Ambos, para cargas de maior volume, são mais competitivos e ambientalmente vantajosos. Um maior aproveitamento também aliviaria as rodovias de veículos pesados, com ganhos para a segurança dos demais usuários e menor pressão relacionada aos custos de manutenção das estradas.


25 DE ABRIL DE 2024
SISTEMA FEDERAL

Invasão atingiu TSE; desvio soma R$ 14 mi

A invasão ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) pode ter atingido mais órgãos federais e levado ao desvio de R$ 14 milhões.

A investigação da Polícia Federal (PF) apontou que, além do Ministério da Gestão e da Inovação, recursos públicos também podem ter sido desviados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo apurou que os recursos transferidos indevidamente estavam reservados para o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa de tecnologia do governo federal, e deveriam custear serviços de tecnologia da informação, suporte a sistemas eletrônicos e manutenção de bases de dados oficiais.

O dinheiro, no entanto, foi parar em diversas contas bancárias diferentes, algumas de empresas e outras de pessoas físicas que teriam sido usadas como laranjas pelos criminosos. Ao menos parte do valor desviado teria sido perdido.

Os desvios teriam ocorrido em dois ataques, um no fim de março e outro em abril (leia mais abaixo).

Suspeito

Na terça-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que um dos envolvidos no crime já foi identificado.

- Parece que um dos responsáveis já foi identificado, mas não tenho nome, nada disso, porque a investigação está sendo feita sob sigilo - alegou.

Após a confirmação da invasão, o governo federal mudou as regras de acesso ao sistema para obter mais segurança. Antes, usuários tinham uma senha ou podiam entrar usando a plataforma gov.br, forma de acesso única para diversos serviços públicos.

Gestores financeiros e ordenadores de despesa dos órgãos da União (ou seja, aqueles responsáveis por autorizar diretamente o pagamento) precisavam também ter um certificado digital para movimentar os recursos.

Agora, esse certificado precisa necessariamente ser emitido pelo Serpro e não pode ser fornecido por outras empresas privadas.

Devido ao sigilo do inquérito, o TSE não comentou a situação envolvendo os recursos. Até agora, só foi confirmada a recuperação de R$ 2 milhões.


25 DE ABRIL DE 2024
TULIO MILMAN

Confissão de culpa

A notícia acabou diluída entre o tsunami diário de informações, mas merece uma parada para reflexão. Com amplo apoio, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei, sancionada ontem pelo presidente Joe Biden, que pode banir um dos aplicativos mais populares do mundo entre os jovens. O TikTok tem 150 milhões de usuários nos EUA. No Brasil, onde por enquanto os efeitos desta lei não chegam, são cerca de 100 milhões.

O pretexto para a aprovação das restrições nos EUA é a ameaça à segurança nacional causada pelo mau uso dos dados dos usuários. O vilão da vez é o conjunto secreto de instruções e regras que fazem o programa funcionar, conhecidos como algoritmo. De acordo com o governo e com os legisladores americanos, o TikTok é, de fato, apenas uma cortina para colher informações que podem ser mal usadas. Se você chegou até aqui no texto, pode estar confuso. Afinal de contas, por que o TikTok é tão mais perigoso do que o Facebook e o Instagram? Todos têm algoritmos secretos, programados sem qualquer transparência e utilizados para fins que apenas uma dúzia de pessoas realmente conhece.

Ocorre que o TikTok é chinês. Os outros, não.

Basta mergulhar meio centímetro abaixo da superfície visível do debate para concluir que a lei americana nada mais é do que uma gigantesca confissão de culpa, uma admissão ruidosa de que redes sociais e buscadores de internet (Google) são, na verdade, algo muito diferente do que diz a sua propaganda. Eles não nos fornecem informações ou ajudam a nos comunicarmos: eles nos surrupiam dados e os utilizam de acordo com os seus interesses, não com os nossos. Mas se a China faz isso, aí é um perigo.

Não devemos ser contrários à tecnologia, mas sim à falta de transparência. E, nesse sentido, embora por caminhos tortos, a decisão do Congresso americano é um ponto de inflexão no debate.

De fato, nada vai acontecer imediatamente. A decisão dá, no mínimo, nove meses para que os chineses vendam sua operação a uma empresa "amiga". É certo que a polêmica irá parar na Suprema Corte americana. Lá, duas teses se enfrentarão. De um lado, os defensores da liberdade absoluta de expressão. Do outro, os que acreditam que tudo precisa de regras claras para funcionar bem. Mas os entusiastas dessas posições podem mudar quando os envolvidos se chamam "governo chinês, povo americano e Tik Tok", em vez de "X, Elon Musk e Alexandre de Moraes".

TULIO MILMAN

quarta-feira, 24 de abril de 2024


24 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Inversões do mapa

Um de meus pintores prediletos é o uruguaio Joaquín Torres García (1874-1949). Há 80 anos, ele criou o manifesto A Escola do Sul, em que, de modo transgressor, virou o desenho da América de ponta cabeça.

Ele defendia: "Nosso norte é o sul. Não deve haver norte para nós, exceto em oposição ao nosso sul. Portanto, agora nós viramos o mapa de cabeça para baixo, e então temos uma ideia verdadeira de nossa posição, e não como o resto do mundo deseja. O ponto da América, de agora em diante, para sempre, aponta insistentemente para o sul, nosso norte".

Combateu o eurocentrismo das cartografias com a sua emblemática gravura a caneta e tinta da América Invertida e sua teoria que divergia do rótulo de Terceiro Mundo. Afinal, todos sabemos que a Europa foi alargada e a extensão territorial da América do Sul e da África, estrangulada.

A imagem exibia, pela primeira vez na iconografia planetária, uma representação da América do Sul fora de sua posição-padrão, orientada pelo sul no topo. Uruguai passaria a ocupar um posto de destaque, assim como Rio Grande do Sul, alçado para a cabeça geográfica, não mais relegado aos pés do continente.

Não me causou estranheza, portanto, a atitude do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que colocou à venda seu novo mapa-múndi, mostrando o Brasil no centro do mundo, com o Meridiano de Greenwich um pouco à direita do comumente estabelecido. A edição esgotou em menos de 24 horas e causou rebuliço nas redes sociais por um indisfarçável patriotismo.

Quem diria que o bordão bolsonarista, "Brasil acima de tudo", pintaria no atual governo, remodelando-se numa estratégia de incorporar para si os benefícios do nacionalismo na retomada da economia e também servindo de cartão de visita para a cúpula do G20, grupo das 20 maiores economias, que ocorrerá no Rio de Janeiro, em novembro.

É um exercício de imaginação mais do que uma constatação científica. Conserta-se a ideologização do mapa com novas distorções ideológicas. Para entender a natureza dessa lacração, é interessante constatar que não criamos a roda, o movimento é global. Rússia, Japão, China, Austrália e Argentina já fizeram isso, seguindo o princípio de que o centro do mundo é onde começa o seu olhar.

A visão não seria mais a geral, como se fosse a de um drone, mas particular, com a origem em cada país. O GPS da ilustração estaria ligado ao ponto de partida. A tendência de colocar o país em evidência e se opor ao imperialismo americano ou à colonização europeia pode trazer uma mudança positiva de mentalidade.

Carregamos, dentro de nós, o estigma de que moramos longe dos grandes acontecimentos, de que ser visitados por turistas estrangeiros é quase um favor da parte deles, ou uma fuga, ou uma pura excentricidade.

Em Porto Alegre, por exemplo, estranhamos quando encontramos alguém falando inglês na rua. Consideramos um evento incomum, por um distanciamento mental embutido em nossas condutas, efeito colateral da baixa autoestima, de um complexo de vira-lata sarnento.

Nosso ímpeto é ficar perto, ouvir a conversa indiscretamente, esperando o momento certo para interpelar a figura: - What are you doing here? You seem to be lost. (O que você está fazendo aqui? Parece estar perdido.)

CARPINEJAR

24 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

O MAL DO JURO

O mal causado à atividade pelo juro alto é bem ilustrado por um levantamento publicado na edição de segunda-feira do jornal Valor, especializado em economia e negócios. Informações colhidas em balanços de 386 empresas de capital aberto e não financeiras indicam que o gasto com o pagamento de juros em 2023 chegou a R$ 306,8 bilhões, um acréscimo de 8% ante o exercício anterior, superando os montantes direcionados a investimentos, R$ 298,7 bilhões. Em 2022, os valores aplicados nas atividades dessas companhias eram maiores do que as despesas financeiras.

O Banco Central (BC) manteve a taxa Selic no ápice de 13,75% ao ano entre agosto de 2022 e o mesmo mês do ano passado. Iniciou o ciclo de corte em setembro. Apesar do começo do afrouxamento, as empresas ainda sentiram os efeitos do aperto. A política monetária tem efeitos defasados no tempo. Quando as empresas têm de destinar mais dinheiro para pagar juro, menor é a disponibilidade - e a própria disposição - para investimentos produtivos. A prioridade é proteger o caixa. Isso afeta o potencial de crescimento da economia no médio e no longo prazo e, por criar gargalos, também gera riscos inflacionários.

É uma circunstância que explicita a importância de o país fazer a sua parte para produzir condições estruturais favoráveis a uma redução do juro a patamares razoáveis. Ainda ontem, o BC publicou a mais recente edição do Boletim Focus e as estimativas do mercado para a Selic ao final do ano subiram de 9,13% para 9,5%. A variação é significativa para o intervalo de uma semana. 

As expectativas no Focus costumam se mover de forma mais lenta. Por óbvio, entre as razões estão as tensões geopolíticas e a demora maior do banco central norte-americano para iniciar o seu ciclo de corte do juro. Mas também reflete a piora das perspectivas fiscais do Brasil, após a desistência do governo federal de gerar superávit em 2025.

Uma boa notícia para o Planalto veio da arrecadação de março. Alcançou R$ 190,6 bilhões, recorde para o período e uma alta real de 7,22% ante igual mês do ano passado. Mesmo assim, nota-se uma desaceleração em relação a fevereiro, o que já era esperado, confirmando as projeções de que o governo continuará longe das metas fiscais se insistir apenas em medidas arrecadatórias. Para este ano, o objetivo oficial, cercado de ceticismo, ainda é zerar a diferença das colunas de despesas e receitas.

Deve-se outra vez insistir na necessidade de cortar e racionalizar gastos para alcançar a sustentabilidade das contas do país e evitar uma trajetória perigosa da dívida pública no futuro, o que se traduziria em juros mais restritivos e economia cambaleante. Não é algo abstrato. Afeta a vida de todos os cidadãos.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, voltou a acenar nesta semana com revisão de despesas e busca por eficiência nos gastos. Mas foi evasivo ao ser questionado sobre medidas efetivas. A ministra de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, periodicamente cita uma proposta de reforma administrativa. Mas é uma agenda que não avança no governo ou empolga o núcleo do poder. Quem manda, afinal, é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem voltou a reclamar das críticas sobre gastos do Executivo. Sintomático. Para completar, há as incertezas das pautas-bomba gestadas no Congresso.

Tudo isso somado eleva a desconfiança e pressiona os juros futuros. O risco é se estar penhorando o crescimento econômico dos próximos anos.



24 DE ABRIL DE 2024
RANKING NACIONAL

UFRGS é a melhor entre as federais

Divulgado no início de abril, o Índice Geral de Cursos (IGC), que calcula a qualidade das graduações e Instituições de Ensino Superior do Brasil, foi recalculado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Com a revisão, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ficou com a melhor colocação entre as federais. E com a nota mais alta da sua história: 4,43, sendo 5 a máxima.

Esta não é a primeira vez que a instituição gaúcha lidera o ranking entre as federais brasileiras. Segundo a secretária de Avaliação Institucional da UFRGS, Soraya Tanure, o desempenho foi alavancado pelos programas de mestrado.

- Entre número de alunos que entram e que saem, qualidade de informações científicas produzidas e qualidade das pesquisas do corpo docente, os nossos programas de mestrado tiveram, inclusive, um desempenho melhor do que os de doutorado, algo que não se costuma esperar - diz Soraya.

A UFRGS obteve o melhor Conceito Médio de Mestrado entre as federais, atingindo nota 4,89 - a máxima é 5. No ranking do Conceito Médio de Doutorado, ficou com a oitava posição, e, no Conceito Médio de Graduação, com a nona.

A instituição gaúcha registrou, ainda, o segundo melhor IGC entre as universidades, atrás apenas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o 14º melhor do Brasil quando se considera todas as organizações acadêmicas, como faculdades e os centros universitários.

ISABELLA SANDER

24 DE ABRIL DE 2024
MÁRIO CORSO

A sabedoria de Odin

Declarar preferência a um deus é um perigo, você pode ficar mal na foto com os outros. Meu caso é pior, não aumento o prestígio com o escolhido, pois, como me contaram, ele não me tem em grande conta.

Mas vamos ao caso, admiro Odin, o deus caolho da mitologia nórdica. O olho perdido que o marca tem um significado preciso. Quando Odin encontrou Mimir, o guardião da Fonte da Sabedoria, esse exigiu-lhe um olho para poder beber dela. Odin nem vacilou, com uma faca, ele mesmo extraiu de si o pagamento.

Em outro momento, Odin fez um autossacrifício para criar as runas - o alfabeto dos povos germânicos. Ficou amarrado e pendurado de ponta- cabeça na árvore do mundo - Yggdrasil - por nove dias.

Odin cativou-me por demonstrar que a sabedoria custa caro e existe uma dimensão de sacrifício para adquirir o conhecimento. Afinal, ele deu um olho pela sapiência e amarrou seu corpo em uma posição antinatural para obter a escrita.

No processo da aprendizagem, nosso corpo sofre porque é preciso domá-lo. Não existe uma inclinação natural para sentar-se por horas olhando para símbolos. A expressão "cu de ferro" para o estudante dedicado está ligada à persistência, no caso, ficar sentado por muito tempo.

Odin é mais honesto do que certas abordagens pedagógicas que levam a crer que seria possível adquirir conhecimento sem esforço. É certo que existe quem goste de estudar, mas é mais a exceção do que a regra. O homem tem uma curiosidade inata, mas mantê-la em funcionamento ao longo do tempo é difícil.

A escola antiga sabia das resistências ao estudo, por isso impunha disciplina severa. Sem saudade dela, o outro extremo é problemático: a ilusão de que, fazendo a estimulação correta, poderíamos aprender sem esforços.

Os professores não caem nessa cilada, mas muitos pais sim. Querem uma vida sem arestas para seu filho. Querem que seja tratado na escola como em casa: como príncipe. Querem que ensinem seu filho sem cerceá-lo em nada.

Some isso ao uso de telas. Crianças usando aplicativos programados para viciar, que são recompensadas apenas por estarem ali, submetidas a um bombardeio perceptivo, com troca constante de foco e esforço zero para seguir adiante. Como será o futuro cognitivo delas? Se não as ensinarmos a focar, e a pensar com profundidade, quem fará isso?

Gostaria que fosse diferente, mas o conhecimento custa o olho da cara.

MÁRIO CORSO

24 DE ABRIL DE 2024
INFORME ESPECIAL

A notificação que ninguém espera

Em mais um episódio da série "surpresas (nem sempre agradáveis) da vida digital pós-moderna", eis que surge, na tela do celular do cidadão, a seguinte mensagem: "foi incluído um registro de desligamento/rescisão na sua Carteira de Trabalho Digital", assim mesmo, sem cerimônia, sem conversa. Pá-pum.

Relatos do tipo andam pipocando nas redes sociais e foram tema de reportagem, nesta semana, em GZH. O caso é que algumas empresas estão fazendo, primeiro, a "baixa" do (des)empregado no sistema para, só depois, chamar o funcionário para comunicar a demissão e explicar os motivos da decisão, por justa causa ou não.

É possível que isso até já ocorresse antes, a diferença é que, agora, como carregamos a vida no smartphone e estamos cada vez mais conectados, a notificação do aplicativo é instantânea, padronizada e ocorre em tempo real. Isso está dando o que falar, afinal, não parece ser de "bom tom", como diria a atriz Ilana Kaplan, descobrir que levamos um "pé na bunda" assim, depois de um "plim-plim" no telefone, isso se o dito-cujo não estiver no silencioso.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, a carteira digital é atualizada automaticamente sempre que as empresas lançam informações no sistema, o que é um avanço (significa mais transparência, em última análise). O problema é a falta de sensibilidade de alguns empregadores e RHs, o que pode, inclusive, acabar provocando uma nova onda de processos trabalhistas no país.

Mas nem tudo é desgraça. Tem, também, um outro lado: o app não notifica apenas dispensas. Já pensou se aparece mensagem "do nada" informando um aumento? Na dúvida, estou aqui conferindo o celular. Vai que?

De volta aos pagos, direto da Suíça

Eles voltaram. Os cinco alunos da rede municipal de Passo Fundo que partiram para uma missão de aprendizado na Suíça (com tudo pago pela prefeitura) chegaram ontem em casa, cheios de histórias para contar.

O grupo (foto) foi escolhido para participar da Missão Cidade Educadora por ter o melhor desempenho entre os 1,4 mil estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental. Nicoly Possel, Lucas da Silva, Bernardo Micheletto, Emily Zanella e Kiara Prestes viveram oito dias que, provavelmente, jamais esquecerão. Lá, visitaram a ONU e a Cruz Vermelha e representaram a cidade na prefeitura de Genebra. Já escrevi sobre isso e repito: essa iniciativa merece todos os aplausos. É um baita estímulo ao estudo.

JULIANA BUBLITZ

terça-feira, 23 de abril de 2024


23 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Dormindo no sofá

Rafael Borré já poderia ser o artilheiro do Brasileirão, mas ele não marcou nenhum gol. Não somente no campeonato que parte para sua quarta rodada, mas também na Sul-Americana e na Copa do Brasil. Na verdade, não assinalou nenhum gol ainda pelo Inter. Nenhum gol no ano inteiro, sequer no alemão Werder Bremen, em que atuava antes.

Por enquanto, é um goleador espiritual. Errou pênalti, em que isolou na arquibancada, errou frente a frente com goleiro, errou sem goleiro, cabeceou na trave, chutou na trave. O que já desperdiçou de oportunidades está numa escala sobrenatural.

Contra o Athletico Paranaense, tentou um arremate de segurança e deu chance para o zagueiro Thiago Heleno tirar. Realizou o oposto na penalidade em cima do Palmeiras, em que bateu com fúria, de olhos fechados, e tampouco obteve êxito. Nem força, nem jeitinho funcionam.

É de se imaginar primeiramente que o Inter falhou na sua contratação milionária, no valor de 6,2 milhões de euros. Porém, ele demonstra ser diferenciado mesmo. Não é possível pensar de modo limitado e tacanho. Não é um perna de pau. O jovem colombiano de 28 anos tem grife de seleção, com traquejo, técnica, posicionamento. Não fica trombando, não se confunde com os pés por afobação, não exibe tiques nervosos de impostor, não bate de canela ou de qualquer jeito, não se esquece de virar o pescoço e calibrar a testa.

Ele não desaprendeu a jogar. Parece um craque em abstinência, um craque em jejum, um craque numa fase maldita.

Perdeu por um momento a reciprocidade da bola. Atacante tem disso: a bola deixa de gostar dele por um tempo. Ela não corresponde aos chamados, às carícias, aos pedidos desesperados para que se encaminhe às redes. O incensado Pedro, matador do Flamengo, já amargou oito partidas sem gols - assim como no Fluminense aguentou um silêncio de sete partidas.

É como um relacionamento amoroso. A bola é a esposa de Borré e o tem obrigado a dormir no sofá. Não se separou dele, não houve divórcio, apenas está chateada com ele. Por algum motivo, não pintou aquele clima para o perdão e para a reconciliação. Borré vive um bloqueio criativo, um carma de resultados, e precisamos ajudá-lo a merecer a sua cama de volta.

Quanto mais os colegas se compadecem dele e facilitam a sua finalização, mais ele se sente em dívida de gratidão. Quanto mais ele é substituído na secura, mais ele se sente inútil. Um centroavante sem gols é um homem sem alma, sem paz de espírito, sem confiança. Não devemos vaiá-lo, não devemos criticá-lo, por mais que um lance perdido signifique uma dolorosa e injusta derrota.

Quando um jogador de tarimba como ele se encontra em estado de provação, merece apoio para não se ver isolado, desprovido de amigos e de torcida. Deve focar em jogar bem, mais nada. Que ele faça de conta que é um volante. Permanecer em cima do problema apenas gera neurose. A bola odeia quem corre atrás dela.

Não consigo ficar furioso com ele. Uma hora vai acontecer, uma hora vai desencantar, uma hora ele vai extrapolar a conta e encher a sacola. Na quinta-feira, no embate decisivo com o Delfín, uma informação astrológica: acaba o Mercúrio retrógrado. Esperaremos Borré fazendo continência.

CARPINEJAR

23 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

RISCOS SOBRE DUAS RODAS

As estatísticas confirmam o que se nota nas ruas das cidades brasileiras. Há cada vez mais motocicletas no trânsito, uma tendência impulsionada por fatores como o crescimento dos serviços de telentrega ou mesmo de mototáxi e por ser uma alternativa mais barata e ágil de deslocamento nos centros urbanos. O fenômeno, no entanto, também traz preocupações e requer atenção das autoridades. É preciso mais campanhas educativas e mesmo fiscalização para reduzir a quantidade de manobras arriscadas e proibidas e, principalmente, os acidentes, que crescem junto com o aumento da frota.

De acordo com a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), o número de motos no país subiu de 18 milhões, em 2013, para 32 milhões no ano passado. É um crescimento significativo de 78%. A produção de motocicletas no Brasil chegou em 2023 a 1,57 milhão de unidades, o maior ritmo em uma década, conforme a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo). O setor prevê nova expansão da atividade em 2024.

Convém compreender que o trabalho sobre duas rodas se tornou o meio de sobrevivência para um grande contingente de brasileiros, tendência acentuada durante a pandemia. A cadeia movimenta a economia, gera emprego e renda. Na indústria, no comércio e na rede de serviços. De outro lado, consumidores querem rapidez nas entregas em meio a um trânsito saturado. Pelos custos, ter um automóvel é inviável para boa parcela da população, e o transporte público perde qualidade. Mas as estatísticas sobre acidentes também são alarmantes.

Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), divulgado em 2022, mostrou uma alta de 53% na taxa de mortalidade de motociclistas no país entre 1990 e 2019. Segundo o Ministério da Saúde, em 2011 foram 70,5 mil pessoas hospitalizadas por acidentes envolvendo motos no país. Em 2021, o número saltou para 115,7 mil. Trata-se também de um problema de saúde pública e fonte de grande pressão sobre o SUS. Muitos casos que não são fatais acabam com sequelas duradouras, não raro lesões incapacitantes.

Ainda ontem, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) informou estar ampliando as ações educativas na Capital. No primeiro trimestre, a cidade registrou 19 mortes no trânsito. Dez tiveram o envolvimento de motos. As vítimas fatais foram nove condutores e um pedestre. No ano passado, 45% das pessoas que perderam a vida nas vias de Porto Alegre eram motociclistas. Em março, a EPTC informou ter se reunido com entidades sindicais do segmento e empresas que contratam os serviços para avaliar medidas que possam reduzir a violência no trânsito.

A expansão da frota é inexorável. Deve-se, portanto, pensar em formas de melhor educar e conscientizar para a importância da condução de motocicletas de maneira responsável e do uso de equipamentos de segurança. Antes e depois da obtenção da carteira de habilitação. As contratadoras de serviços de telentrega também podem assumir um importante papel na tarefa de evitar comportamento inadequado dos profissionais. Órgãos fiscalizadores, da mesma forma, têm de apostar em iniciativas educativas, mas não podem abrir mão das ações nas ruas voltadas também a flagrar irregularidades nas habilitações, nas documentações dos veículos e na forma de pilotar. Motocicletas podem ser um meio de ganhar a vida com menor risco de perdê-la.



23 DE ABRIL DE 2024
CONEXÃO BRASÍLIA

Presidente entra em campo

O presidente Lula se envolveu pessoalmente na tarefa de juntar os cacos e tentar reconstruir a relação com Arthur Lira e outras lideranças determinantes para o avanço do governo.

Para assegurar protagonismo e eficiência da reforma tributária, as lideranças do governo tentam emplacar os nomes de sua preferência na relatoria dos projetos de regulamentação. Mas, pelo menos até agora, Lira está disposto a priorizar nomes ligados à oposição.

Além do desgaste com Alexandre Padilha, Lira mede cada passo para manter sua relevância de olho na sucessão. O governo liberou emendas de execução obrigatória na última semana para reduzir as resistências, mas ainda tem dificuldade de mobilização sem o apoio de Lira na Casa.

No Senado, a relação com o Planalto está longe de ser um mar de rosas, mas é melhor. Está ali, contudo, uma das preocupações imediatas do governo: evitar a aprovação da PEC dos Quinquênios. O Executivo também concentra esforços para aprovação de projeto que retoma a cobrança de seguro obrigatório para indenizar vítimas de acidentes de trânsito.

TENSÃO ENTRE PODERES

Lula e Lira se encontram para tentar estancar atrito

Após sequência de desgastes na relação entre Palácio do Planalto e Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou na noite de domingo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no Palácio da Alvorada. O encontro fora da agenda foi confirmado por interlocutores dos dois a veículos de imprensa.

Uma das raízes do atrito foi o rompimento de Lira com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo. No dia 11, Lira chamou Padilha de "incompetente" e "desafeto pessoal".

Ao longo dos últimos dias, Lira fez uma série de movimentos hostis ao governo, em resposta a situações como a demissão de um primo dele do cargo de superintendente do Incra em Alagoas e os sucessivos vetos do Planalto a medidas aprovadas pelo Congresso.

Lula já havia sinalizado disposição de receber Lira na semana passada, mas a expectativa era de que a conversa ocorresse apenas esta semana. Aliados do presidente chegaram a temer que a tensão escalasse a ponto de Lira aceitar um pedido de impeachment contra o presidente.

Menos de 24 horas após a conversa, Lula cobrou publicamente, durante ato de lançamento de um programa de estímulo a crédito, mais dedicação de ministros a negociações com o Congresso (leia na página 8).

Sinais

Em mais sinais de arrefecimento da tensão, Padilha afirmou ontem que os ?problemas com Lira são "episódio superado".

- O diálogo do governo continua, em nenhum momento fechou a porta - alegou.

Já o líder de governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), indicou que o Planalto está disposto a ceder parte do valor de R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares que foi vetado por Lula no orçamento deste ano. Os vetos serão analisados em sessão conjunta do Congresso amanhã.

O senador ainda repetiu que irá apelar para o "bom senso" em relação às "pautas-bomba", que têm forte impacto nas contas públicas. A principal é a PEC dos Quinquênios, que turbina os salários de juízes, procuradores e promotores, e pode custar até cerca de R$ 40 bilhões por ano. A proposta pode ser votada hoje no plenário do Senado.

- Me parece que ela (PEC) não é muito oportuna para um momento que o governo faz mobilização para organizar as contas públicas - disse Randolfe.

MATHEUS SCHUCH